O pico do petróleo, capacidade de suporte e excedente. População, o elefante dentro do quarto.
Por Paul Chefurka
Introdução
Na raiz de todas as crises convergentes da problemática mundial está a questão da superpopulação humana. Cada um dos problemas ambientais que encaramos atualmente é resultado do excesso de pessoas que usam muito dos nossos recursos finitos e não renováveis e que poluem a terra, água e ar. O verdadeiro perigo imposto por nossa população em explosão não é seu número absoluto e sim a falta de habilidade de nosso meio ambiente de lidar com tantos de nós fazendo o que fazemos.
A cada dia, torna-se mais claro que com crises como aquecimento global, esgotamento do solo e alimentar, perda de biodiversidade e a piora da degradação de nossos oceanos, a situação humana não é sustentável. Encontrar um equilíbrio entre nós e o planeta do qual dependemos requer, em um prazo muito curto, da redução da população, nosso nível de atividade ou de ambos. Uma das questões que se repete constantemente nas discussões sobre população é “Qual nível de população humana é sustentável?”. Neste artigo farei minha análise sobre essa pergunta e oferecerei o mapa humano que nos levará de nossa atual situação para esse nível.
Como já mencionei em outros artigos, os conceitos da ciência ecológica são as ferramentas mais efetivas para entender a situação atual. Os mais importantes são os da sustentabilidade, capacidade de suporte e excedente. Considerados de forma conjunta, esses conceitos podem nos fornecer algumas idéias sobre qual seria a verdadeira população possível da Terra assim como sobre a trajetória entre os números atuais e o ponto de sustentabilidade.
Sustentabilidade
Uma população sustentável é aquela que pode sobreviver a longo prazo (de milhares a dezenas de milhares de anos) sem que ocorra falta de recursos ou danos ao seu nicho ambiental (no nosso caso, o planeta) no processo. Isso significa que nossos números e nível de atividade não devem gerar mais lixo do que os processos naturais podem devolver à biosfera e que a maior parte dos recursos que usamos sejam renováveis através de processos naturais ou inteiramente recicláveis. Além disso, uma população sustentável não deve crescer além do ponto onde esses limites naturais se encontram. Usando esses critérios, é óbvio que a atual população humana não é sustentável.
Capacidade de suporte
Para se determinar qual é o nível de sustentabilidade de uma população, precisamos entender o conceito ecológico de capacidade de suporte: é o nível populacional que pode ser mantido pela infra-estrutura disponível. Se os números de um organismo estão abaixo da capacidade de suporte, sua taxa de população aumentará. Se a população exceder este nível a taxa de mortalidade aumentará até que os números fiquem estáveis. A capacidade de suporte pode ser aumentada pela descoberta e exploração de novos recursos (como, por exemplo, metais, petróleo ou terra fértil ainda não explorada) e pode ser diminuída pela exaustão dos recursos e aumento do desperdício, como, por exemplo, o declínio de solos férteis e poluição da água.
Nota: “Capacidade de suporte usada em seu senso estrito significa o nível sustentável populacional que pode ser suportado”. Isso implica que todos os recursos usados por uma população possam ser renováveis em dado espaço de tempo. Um determinado meio ambiente pode suportar um nível populacional maior por um curto espaço de tempo se certa quantidade de recursos não renováveis forem usados. Se a quantidade de tais recursos finitos no meio ambiente for muito grande, a população pode permanecer grande por um bom tempo. Apesar do temor de alguns ecologistas, minha tendência é pensar em termos de “capacidade de suporte” e “capacidade de suporte temporária”. Neste artigo uso apenas o termo “capacidade de suporte” para indicar o nível populacional que pode ser “suportado” pelo meio ambiente em qualquer momento. Pode não ser absolutamente correto, mas simplifica e clarifica a questão que estou discutindo.
Um incremento na capacidade de suporte do meio ambiente pode geralmente ser inferido a partir do aumento da população que habita o mesmo. Quanto maior o aumento, maior é a certeza de que a capacidade de suporte cresceu. No nosso caso o gráfico da população mundial torna claro que algum fator fez com que a capacidade de suporte aumentasse muito nos últimos 150 anos. Durante os primeiros 1800 anos da Era Cristã, assim como nas dezenas de milhares de anos anteriores, a população cresceu gradualmente enquanto a humanidade se espalhava pelo globo. Por volta de 1800, isso começou a mudar e, por volta de 1900, a população humana estava crescendo dramaticamente.
World Population
No gráfico:
Billions of People = bilhões de pessoas
World Population = População Mundial
Parte do começo desta expansão foi devida ao estabelecimento das Américas, mas a exploração da terra fértil nos séculos 16 ao 19 não parece ser suficiente para sustentar a explosão populacional que ocorreu. Afinal, a espécie humana já tinha se espalhado para todos os cantos do globo até 1900. Existe algo mais em jogo aqui.
O papel do petróleo
Esse algo mais é o petróleo. O uso geral do petróleo começou em 1900, no início do século XX, quando a população global era de aproximadamente 1,6 bilhões. Desde então este número quadruplicou. Quando comparamos a curva de produção de petróleo com a curva de crescimento populacional podemos observar uma correspondência muito sugestiva.
Population and Oil
No gráfico:
Billions of People = Bilhões de Pessoas
World Population and Oil Production = População Mundial e Produção de Petróleo
Billions of Barrels per Year = Bilhões de Barris por Ano
Temos que nos perguntar, no entanto, se essa é apenas uma coincidência. Se olharmos cuidadosamente as duas curvas entre os anos de 1900 e 2005, a impressão de íntima correlação é reforçada.
Population and oil production
No gráfico:
Billions of People = Bilhões de Pessoas
World Oil Production and Population = Produção Mundial de Petróleo e População
Millions of Barrels per Day = Milhões de Barris por Dia (a quantidade média diária de barris durante um ano)
O fator alimento
Existem outros fatores, além do petróleo, que podem ter contribuído para o crescimento da capacidade de suporte da Terra?
O fator normalmente citado é o enorme incremento na produção de alimentos criado pelo crescimento do agro-negócio industrial. Não existe nenhuma dúvida que isso causou um grande aumento do rendimento e da quantidade absoluta de alimentos cultivados no mundo todo. Apesar de celebrado com o rótulo conhecido de “Revolução verde”, não há nada de milagroso no processo. Quando examinamos a tal revolução, achamos no seu cerne o nosso amigo petróleo.
É assim que funciona. A agricultura industrial praticada nos séculos 20 e 21 é sustentada por três pilares: mecanização, pesticidas/fertilizantes e engenharia genética. Desses três pilares, os dois primeiros são diretamente dependentes do petróleo que faz com que as máquinas funcionem. A engenharia genética persegue, em geral, quatro objetivos: resistência à seca, aos insetos e aos pesticidas e aumento do rendimento. Alcançar esse último objetivo requer invariavelmente irrigação mecânica, que, novamente, depende do petróleo.
Mais do que qualquer outro setor da economia global dependente do petróleo, a produção de alimentos mostra sinais de tensão enquanto luta para manter sua produtividade diante do aumento populacional, diminuição da produção de petróleo e esgotamento dos recursos essenciais como fertilidade do solo e água fresca. De acordo com números compilados pelo Instituto de Política da Terra (Earth Policy Institute), o consumo mundial de grãos excedeu a produção global em seis dos últimos sete anos em 60 milhões de toneladas em 2006. Reservas globais de grãos caíram para 57 dias em comparação aos 130 dias em 1986. Após manter o mesmo ritmo com o crescimento populacional de 1960 até o fim dos anos 80, a produção de grãos per capita mostrou uma tendência de declínio nos últimos 20 anos.
A “Revolução Verde” é também um exemplo da enorme necessidade do petróleo. Essa revolução não teria ocorrido sem grandes quantidades de petróleo barato. Um fato simples, publicado em um estudo da Universidade de Michigan em 2000, de que cada caloria consumida nos Estados Unidos necessitava de sete calorias de energia (com outros estudos defendendo uma taxa de 10 para 1), faz com que esta necessidade fique clara. Os Estados Unidos atualmente usam mais do que 12% do seu consumo total de petróleo para a produção e distribuição de alimentos. À medida que o suprimento do petróleo começa seu declínio inevitável, a produção de alimentos será afetada. Mesmo que a maior parte dos países use petróleo e gás natural para a agricultura, de uma forma ou de outra, é inevitável que nas próximas décadas o suprimento para manter nossa crescente população vai estar sob pressão crescente e entrará em declínio.
Capacidade de suporte: conclusão
O petróleo e o gás natural constituem aproximadamente 60% da energia primária. Além disso, a energia do petróleo foi alavancada através de seu uso na extração e transporte de carvão, assim como pela construção e manutenção de usinas hídricas e nucleares. O petróleo está no centro da economia e do suprimento de alimentos. A conclusão seguinte parece ser razoável:
A partir de 1900, o consumo de petróleo foi quatro vezes maior que sua sustentabilidade.
Excedente
Excedente é conceituado em ecologia como quando o consumo de dada população excede a sustentabilidade de seu meio ambiente como ilustrado a seguir:
Overshoot
No gráfico:
Overshoot = excedente
Carrying Capacity = capacidade de suporte
Consumption = consumo
Time = tempo
No Big Bang = nenhum Big Bang (significa que a capacidade de suporte e ultrapassada sem aviso, ou sem que percebamos imediatamente).
Quando a população aumenta além da sustentabilidade de seu meio ambiente ou se a sustentabilidade do meio ambiente cai, a população existente precisa declinar para alcançar a sustentabilidade novamente. Uma população não pode ser excedente por muito tempo. A rapidez, extensão e outras características desse declínio dependem do excesso e se a sustentabilidade continua a ser erodida durante o declínio como demonstrado na figura acima. O livro “Overshoot” (“Excedente”) do autor William Catton é recomendado para melhor compreensão do assunto.
Existem duas formas através das quais uma população pode recuperar o equilíbrio com a sustentabilidade de seu meio ambiente. Se a população se mantiver constante ou continuar a aumentar, o consumo per capita precisa cair. As partes da população que estão próximas ao nível de subsistência apresentarão uma redução em número enquanto as partes que tem mais do que necessitam apresentarão uma redução em seu nível de consumo sem uma correspondente redução numérica.
Populações que apresentam grande excedente sempre declinam. Isso é visto em tonéis de vinho quando a levedura morre após consumir todo o açúcar presente nas uvas. Isso também acontece na relação presa/predador no mundo animal quando a diminuição da população de presas resulta em uma redução da população de predadores. Na verdade, a situação é ainda pior. A população pode cair a níveis inferiores aos que eram possíveis antes do excedente. Isso é provocado pelo consumo de recursos não renováveis durante o período excedente o que leva ao envenenamento do meio ambiente pelas excretas excessivas. É de conhecimento comum em ecologia que o excedente degrada a capacidade de suporte (como ilustrado na curva acima). Quando falamos da espécie humana, o uso do petróleo nos permitiu fazer incríveis proezas na extração de recursos e produção de excretas que seriam inconcebíveis antes da era do petróleo.
É importante reconhecer que a humanidade não está, apesar de tudo, excedente neste momento. Nossa população ainda está crescendo (apesar da taxa de crescimento estar caindo). Estamos recebendo, no entanto, sinais óbvios de nosso meio ambiente de que as coisas não vão bem. Esses sinais parecem estar dizendo que estamos atingindo o máximo da capacidade de suporte. Se ela for reduzida enquanto os números continuam a crescer, podemos nos encontrar em excedente de forma bastante repentina. As conseqüências podem ser bastante graves.
Uma imagem de situação de excedente
Podemos ilustrar uma população entrando em excedente através de uma cena do desenho animado infantil Papa Léguas
Quando a cena começa, Papa Léguas está correndo velozmente impulsionado pelos seus novos patins Acme Rocket. Repentinamente um letreiro brilha. Neste letreiro está escrito “Cuidado precipício”. O coiote então tenta desesperadamente mudar de direção, mas sua velocidade é muito grande e é muito difícil controlar seus patins. Quase na beira do abismo, o combustível que sustentava a incrível velocidade de seus patins acaba e o motor para de funcionar com uma pequena nuvem de fumaça. O coiote começa a ir mais devagar, mas já é muito tarde, e a inércia continua a empurrá-lo para frente. Repentinamente a superfície que momentos antes tinha total capacidade de sustentá-lo desaparece. Enquanto ele ultrapassa a parede do abismo ele passa por um momento de entendimento antes que as forças impessoais da natureza assumam o controle.
O que é o pico do petróleo?
Pico do petróleo é a designação mais simples para o problema do esgotamento dos recursos energéticos ou, mais especificamente, do pico na produção global de petróleo. O petróleo é um recurso limitado e não renovável, que sustentou um crescimento econômico e populacional fenomenal nos últimos 150 anos. O ritmo da “produção” do petróleo, incluindo sua extração e refino (atualmente 85 milhões de barris por dia), cresceu praticamente de ano a ano no século passado. Quando tivermos esgotado cerca da metade das reservas originais, a produção de petróleo provavelmente cessará de crescer e iniciará um declínio terminal, tendo atingido, portanto, seu “pico”. O pico da produção do petróleo não significa “o fim do petróleo”, mas sim o fim do petróleo barato, pois a demanda será maior que a oferta. Para as economias alavancadas por crescentes quantidades de petróleo barato, as consequências podem ser calamitosas. Sem uma grande reforma cultural, parecem ser inevitáveis graves consequências econômicas e sociais.
Por que o petróleo atinge um pico? Por que ele não termina subitamente?
As empresas petrolíferas, naturalmente, extraíram primeiramente o petróleo mais fácil de alcançar, cujo custo era menor. O primeiro petróleo bombeado era terrestre, perto da superfície, pressurizado, leve e “doce” (com baixo teor de enxofre) e, portanto, fácil de refinar. O petróleo que resta está provavelmente no mar, longe dos mercados, em campos menores e é de qualidade mais baixa. Portanto, demanda muito mais dinheiro e energia para ser extraído, refinado e transportado. Nessas condições, o ritmo da produção cai inevitavelmente. Além disso, com o tempo todos os campos petrolíferos atingem um ponto em que se tornam econômica e energeticamente inviáveis. Se para extrair um barril de petróleo for necessário investir um barril de petróleo, a extração se torna inútil, qualquer que seja o preço desse petróleo. M. King Hubbert – o primeiro a prever o pico do petróleo
Curva de Hubbert é usada para previsão do ritmo de produção de uma região produtora de petróleo que contêm muitos poços individuais. Fonte: aspoitalia.netNa década de 1.950, o conhecido geólogo americano M. King Hubbert estava trabalhando para a Shell. Ele notou que os gráficos que mostravam as descobertas de petróleo ao longo do tempo tendiam a seguir uma curva de Gauss, em forma de sino. Ele então presumiu que o ritmo da produção do petróleo deveria seguir uma curva semelhante, que hoje é conhecida como curva de Hubbert (na figura à esquerda). Em 1.956 Hubbert previu que a produção dos 48 estados continentais americanos atingiria seu pico entre 1.965 e 12970. A despeito da pressão da Shell para que ele não divulgasse essas projeções, Hubbert, cuja teimosia era notória, acabou fazendo isso. Em todo caso, a maioria das pessoas dentro e fora da indústria petrolífera não deu atenção às previsões. Na verdade, a produção nos estados continentais realmente atingiu o pico em 1.970/1.971. Naquele ano, os produtores americanos atingiram um nível de produção nunca antes alcançado e as previsões de Hubbert já eram uma lembrança bem apagada. O pico só foi reconhecido vários anos depois de ter acontecido.
Nenhuma região produtora de petróleo se encaixa exatamente na curva porque a produção depende de vários fatores geológicos, econômicos e políticos, mas a curva de Hubbert ainda é uma poderosa ferramenta de previsão. Em uma retrospectiva, o pico do petróleo americano pode ser visto como o acontecimento geopolítico mais importante da segunda metade do século XX, pois criou as condições que deram origem às crises de energia da década de 1.970, as quais levaram os EUA a uma dar uma ênfase estratégica muito maior ao controle de campos de petróleo em países estrangeiros, e anunciaram o começo do fim do status dos EUA como maior credor mundial. Os EUA, é claro, conseguiram importar petróleo de outros lugares. Uma dívida crescente permitiu que a vida normal continuasse nos EUA com apenas pequenas interrupções até agora. Quando a produção global de petróleo atingir o seu pico, as consequências se farão sentir de maneira muito mais generalizada, e com muito mais força.
Qual a importância do pico do petróleo para a nossas sociedades?
Nossas sociedades industriais e nossos sistemas financeiros foram criados baseados na suposição de um crescimento contínuo sustentado pela crescente disponibilidade de combustíveis fósseis baratos, dos quais o petróleo é o mais conveniente e mais polivalente. Atualmente o petróleo é responsável por 43% do consumo total de combustível no mundo [PDF], e 95% da energia usada pelo transporte global [PDF]. O petróleo e o gás são matéria prima para plásticos, tintas, produtos farmacêuticos, fertilizantes, componentes eletrônicos, pneus e muitas outras coisas. A importância do petróleo é tão grande que o pico do petróleo terá vastas consequências nos âmbitos da guerra e geopolítica, medicina, cultura, transporte e comércio, estabilidade econômica e produção de alimentos. É importante notar que, para produzir cada joule (*) de alimento consumido nos Estados Unidos são gastos cerca de 10 joules de energia de combustível fóssil .
O “Relatório Hirsch”
Um estudo encomendado pelo Departamento de Energia dos EUA, “Pico da Produção Mundial de Petróleo: Impactos, Mitigação e Gerenciamento de Riscos” [PDF], feito pela Science Applications International Corporation (SAIC), é geralmente conhecido como Relatório Hirsch, por causa do nome de seu autor principal, Robert L. Hirsch. Publicado no início de 2.005, e embora estivesse disponível no site de uma Escola Secundária da California, o relatório levou muitos meses até ser reconhecido pelo Departamento de Energia. O sumário executivo do relatório alerta que, à medida que o pico se aproximar, os preços dos combustíveis líquidos sofrerão um enorme crescimento e ficarão extremamente instáveis, e que sem pronta interferência os custos econômicos, sociais, e políticos serão inauditos. Existem opções para interferência tanto do lado do suprimento quanto da demanda, mas para ter um impacto suficiente elas precisam ser colocadas em prática mais de uma década antes do pico (itálico meu).
Um estudo posterior feito por Hirsh recomenda que o mundo comece urgentemente a investir US$ 1 trilhão por ano ao longo de uma década antes do pico, preferivelmente duas, em programas para prevenir a catástrofe. Obviamente, nenhuma providência desse tipo ainda começou a ser tomada. Não se pediu a Hirsch que formulasse uma hipótese sobre quando o pico provavelmente ocorreria.
Então quando o petróleo atingira seu pico em termos globais?
Mais tarde, M. King Hubbert previu um pico do petróleo mundial entre 1.995 e 2.000. Ele pode ter estado bem perto da verdade, mas as crises de petróleo provocadas pela geopolítica na década de 1.970 diminuíram o ritmo de crescimento do nosso consumo de petróleo.
As descobertas mundiais de novas reservas de petróleo chegaram ao pico no fim da década de 1.960, como demonstra o gráfico abaixo. Desde meados da década de 1.980, as empresas petrolíferas têm descoberto menos petróleo do que a quantidade que temos consumido.
Dos 65 países que mais produzem petróleo do mundo, 54 já passaram de seu pico de produção, e iniciaram o declínio, incluindo os EUA em 1.970, a Indonésia em 1.997, a Austrália em 2.000, a Grã-Bretanha em 1.999, a Noruega em 2.001, e o México em 2.004. Os métodos de Hubbert, assim como outras metodologias, têm sido usados para fazer várias projeções sobre o pico mundial de petróleo, com resultados que variam entre “já atingiu o pico” e a data mais otimista de 2.035. É possível provar que muitas das fontes oficiais de dados, nas quais se baseiam os relatórios das agências internacionais de energia e que foram usadas para analisar o pico do petróleo, tais como os números da OPEP, relatórios de empresas petrolíferas, e as projeções sobre novas descobertas da USGS - United States Geological Survey (Pesquisa Geológica dos Estados Unidos), são assustadoramente pouco confiáveis. Em novembro de 2.009, no relatório de Projeção Econômica Mundial, a IEA – International Energy Agency (Agência Internacional de Energia) declarou que a produção de petróleo e gás não deveria atingir seu pico de antes de 2.030, quando estará em nível bem mais elevado que hoje; entretanto, o relatório foi criticado por fontes internas da própria agência, que revelaram que seus dados são mais políticos que científicos. Em uma reação à questionável confiabilidade dos relatórios da IEA, vários cientistas importantes, os mais conhecidos sendo Colin Campbell e seus colegas do ASPO – Association for the Study of Peak Oil and Gas (Associação para o Estudo do Pico do Petróleo e do Gás), desenvolveram pesquisas independentes.
O pico já foi atingido?
O último estudo da ASPO sugere que o petróleo convencional atingiu em 2.005 um pico nunca antes visto. Se forem considerados o petróleo pesado e do pré-sal, o gás liquefeito polar e natural (categoria “todos os líquidos”), o estudo sugere que esse pico também já tenha sido ultrapassado em 2.008. O petróleo e o gás parecem ter atingido seu pico mundial simultaneamente em 2.008.
Outros pesquisadores notáveis, como o Professor Emérito da Universidade de Princeton Kenneth Deffeyes, o consultor sênior da Companhia Nacional de Petróleo Iraniana A. M. Samsam Bakhtiari, o editor da UK Petroleum Review (Revista de Petróleo da Grã-Bretanha) Chris Skrebowski, e o dirigente de uma firma de investimentos especializada em empresas petrolíferas e ex-consultor do presidente americano G. W. Bush Matthew Simmons, juntamente com vários outros que publicaram no The Oil Drum (O Tambor do Petróleo), projetaram picos similares entre 2.005 e 2.011, usando métodos variados. Uma pesquisa de 2.007 sugere que seus pontos de vista foram aceitos pelos observadores bem-informados e integrantes da indústria [PDF] em geral.
Outras fontes que endossam a ideia de que o pico da produção mundial de petróleo cru já foi atingido incluem um estudo do Energy Watch Group (Grupo de Observadores da Energia), financiado pelo governo alemão, o bilionário do petróleo T. Boone Pickens, o ex-chefe de exploração e produção da empresa saudita Aramco Sadad al-Huseini, e o banco de dados Oil Megaprojects (Megaprojetos do Petróleo), hospedado pela Wikipédia. Em janeiro de 2.010, os dados indicavam o pico de produção de todos os líquidos em julho de 2.008.
Taxas de Declínio
Tenhamos ou não já passado pelo pico, uma questão mais importante pode ser a seguinte: qual será a taxa de declínio na produção futura de petróleo? Alguma forma de adaptação coordenada pode ser possível se a queda anual do petróleo disponível não for maior que um ou dois por cento, mas uma taxa de 10% ou mais causaria a rápida implosão da economia. A maioria dos estudos indica taxas de declínio entre dois e quatro por cento.
Exportações
Os países dependentes de importação provavelmente descobrirão que seu acesso ao petróleo cairá de forma muito mais brusca que a produção mundial. Quando há escassez, os preços mais altos do petróleo estimulam a economia dos países exportadores, aumentando assim o seu consumo interno. Se isso se combina com um pico de produção nacional de petróleo, as exportações de qualquer país podem chegar a zero de forma extremamente rápida.
Pico do gás natural
Os efeitos do pico do gás natural são, de certa maneira, localizados, devido aos enormes gastos de recursos financeiros e energéticos causados pela liquefação e transporte do gás natural na forma de líquido comprimido. A produção europeia e americana de gás natural provavelmente já atingiram seu pico e, portanto, essas regiões estão enfrentando os rigores de uma dupla crise energética.
O colapso financeiro e o pico do petróleo
Após vários anos de rápido aumento, o preço mundial do petróleo cru começou a cair juntamente com o mercado financeiro em 2008, fato que pode ter contribuído para – e encoberto – um concomitante pico na produção mundial de petróleo. A indústria do petróleo tem se mantido estável desde 2005, com basicamente o mesmo nível de produção. Os investimentos de capital na infraestrutura do petróleo, que poderiam ter continuado a contrabalançar o declínio na produção por ainda mais alguns anos, diminuíram.
Por outro lado, o próprio colapso financeiro foi em parte causado pela chegada do pico do petróleo: a alta dos preços das viagens diárias entre a casa e o trabalho, por causa do aumento no preço do petróleo, disparou a queda dos preços das casas nos subúrbios nos EUA e a falta de pagamento dos financiamentos imobiliários, levando ao colapso da bolha dos seguros do sistema imobiliário e a uma erosão adicional no sistema financeiro. Mas isso foi apenas o início. No longo prazo, o pico do petróleo traz desafios muito maiores para nossos sistemas econômicos dominantes, que são baseados em crescimento constante.
Mas trata-se apenas do petróleo e do gás – há outros combustíveis fósseis, outras fontes de energia, não há?
A avaliação de outras fontes de energia ajuda a compreender os conceitos de Energia Líquida, ou Taxa de Retorno Energético (TRE)(**). Uma das razões pelas quais nossas economias cresceram tanto e tão rapidamente durante as últimas gerações é precisamente o fato de o petróleo ter tido uma TRE extremamente alta. No período inicial do uso do petróleo, para cada barril de petróleo gasto na exploração e perfuração, eram encontrados até 100 barris de petróleo. Mais recentemente, à medida que a extração do petróleo se torna mais difícil, a taxa decresceu muito. Algumas “fontes” alternativas de energia, tais como muitos dos métodos de produção industrial de biodiesel e etanol ou de extração de petróleo do xisto betuminoso, podem ter uma TRE de menos de um. Portanto, considerando todos os fatores, é provável a quantidade de energia investida no processo seja maior que a quantidade de energia conseguida.
O hidrogênio, considerado por muitos como a solução perfeita, é na verdade um condutor de energia, e não uma fonte de energia. Para produzi-lo é necessária uma fonte de energia, como gás natural ou energia nuclear. Por causa das perdas de energia durante o processo de transformação, o hidrogênio sempre contém uma quantidade menor de energia do que a quantidade que foi investida em sua produção.
Algumas alternativas, como a energia eólica, solar, ou hídrica podem apresentar uma TRE muito melhor, porém o potencial para a expansão de seu uso pode ser limitado por vários fatores físicos. Mesmo usando-as de forma combinada, talvez não seja possível que fontes renováveis de energia consigam fornecer a quantidade e a qualidade de energia à qual a sociedade industrial está acostumada. O autor Richard Heinberg, analista do pico do petróleo, usa a seguinte metáfora: os combustíveis fósseis são como uma imensa herança recebida que está sendo dissipada de maneira irresponsável, enquanto os combustíveis renováveis são como um salário que só se ganha com muito suor.
Para certos setores, como o do transporte aéreo, nenhuma outra fonte de energia poderá prontamente substituir as grandes quantidades de petróleo utilizadas. Como Hirsch observou em seus relatórios, a implementação da infraestrutura para a energia alternativa exige investimentos de longo prazo, chegando a décadas. Talvez já estejamos chegando ao fim do período da energia barata antes que comecemos a encarar com seriedade essa tarefa.
É necessário observar que as análises sobre TRE são complexas e que diferentes métodos de análise podem levar a resultados muito diferentes; portanto, todas as análises de energia líquida devem ser encaradas com alguma desconfiança. É possível que só tenhamos uma certeza absoluta sobre a utilidade das tecnologias de energia renovável quando os últimos resquícios da energia fóssil forem finalmente extraídos.
3. O que pode ser feito?
Muitas pessoas estão se preparando para o pico do petróleo em vários níveis, mas provavelmente não existe um conjunto de soluções que não envolva grandes mudanças de estilo de vida, principalmente para os mais ricos do mundo. O pico do petróleo apresenta potencial para causar distúrbios catastróficos, mas também algumas possibilidades mais positivas: a chance de resolver muitos problemas sociais subjacentes, além da oportunidade de voltar a um estilo de vida mais simples, saudável e comunitário.
A Solução Comunitária para o Pico do Petróleo. Muitos recursos excelentes estão disponíveis no site (em inglês) www.communitysolution.org dessa organização sediada em Ohio, “dedicada ao desenvolvimento, crescimento e melhoria de pequenas comunidades locais... que são sustentáveis, diferentes entre si e culturalmente sofisticadas”. A Solução Comunitária organizou várias conferências de grupos comunitários de base sobre o pico do petróleo e realizou um importante filme, O Poder da Comunidade: Como Cuba Sobreviveu ao Pico do Petróleo (site em inglês), documentando como esse país se adaptou com sucesso a um pico do petróleo político após a queda da União Soviética.
Permacultura: Permacultura é uma “ciência de planejamento” que pode nos fornecer os meios para viver em uma relativa abundância com um uso mínimo de recursos. Os princípios e a prática da permacultura podem ser aplicados para replanejar de maneira funcional os sistemas sociais, os ambientes construídos, as práticas ecológicas e agrícolas da era pós-pico. O livro de David Holmgren, publicado em 2.001, Permaculture: Principles and Pathways Beyond Sustainability (Permacultura: Princípios e Caminhos Mais Além da Sustentabilidade) enfoca explicitamente o pico do petróleo mundial e propõe a permacultura como o melhor conjunto de estratégias para lidarmos com o que ele chama de “declínio da energia”. Sites (em inglês):
www.permacultureactivist.net www.permacultureinternational.org www.holmgren.com.au
Cidades em Transição: Várias comunidades pelo mundo todo começaram seus preparativos para o pico do petróleo e estão documentando o processo. O Plano de Ação de Kinsale para o Declínio da Energia (site em inglês), na região rural da Irlanda, é o primeiro plano de ação do mundo voltado ao pico do petróleo, tratando de vários assuntos ligados ao tema, incluindo saúde, educação, turismo e problemas da juventude. O plano e a pessoa que o iniciou, Rob Hopkins, inspiraram o movimento Cidades em Transição (site em inglês) de cidades na Europa que se preparam para o pico do petróleo. Nos EUA, organizadores na cidade de Willits, na Califórnia, começaram o trabalho do Projeto de Localização Econômica de Willits (site em inglês). Muitas outras cidades pelo mundo todo estão embarcando em planos semelhantes. Sites (em inglês):
www.transitionculture.org–blog de Rob Hopkins ;
www.transitiontowns.org;
www.willitseconomiclocalization.org .
Encontros do Alerta sobre o Petróleo é uma rede de comunidades de base de divulgação do alerta, que ajuda as pessoas a se encontrarem e discutirem o pico do petróleo. Associe-se ou organize um encontro de seus vizinhos. Site: oilawareness.meetup.com (em inglês)
Moedas Regionais e Economia Estatal Estável: Richard Douthwaite, um economista especializado em recuperação econômica, propôs vários sistemas monetários alternativos para lidar com o declínio da energia e as crises monetárias que poderão surgir após o pico. Moedas regionais como o LETS(***) já estão em operação pelo mundo todo (embora o próprio LETS possa ser um pouco problemático). Faça uma experiência agora com as moedas regionais para ajudar a criar condições de sobrevivência nas crises econômicas.
FEASTA – The Fundation for the Economics of Sustainability (Fundação para a Economia da Sustabilidade) tem algumas das publicações de Richard Douthwaite disponíveis grátis online, incluindo livros inteiros, assim como uma enorme quantidade de pesquisas e artigos excelentes de outros autores, tratando não só de economia e de moedas regionais, mas também de vários outros aspectos da sustentabilidade.
Veja também: www.communitycurrency.org/resources.html (em inglês)
Comunidades Intencionais: Comunidade Intencional é um termo abrangente, englobando ecovilas, vilas comunitárias (****), áreas de conservação residenciais, comunas, residências estudantis, cooperativas de habitação urbanas e outros projetos ou sonhos semelhantes... As Comunidades Intencionais representam uma das maneiras mais saudáveis de enfrentar o pico do petróleo. Sites (em inglês):
www.ic.org;
gen.ecovillage.org;
www.cohousing.org.
O Protocolo do Declínio do Petróleo: é um projeto para distribuir as reservas remanescentes de petróleo no mundo de forma mais justa do que se essa distribuição for regida pelas forças do livre mercado, evitando assim as guerras pelos recursos, os abusos e o colapso econômico. Ajude a promovê-lo:
Como evitar as guerras pelo petróleo, o terrorismo, e o colapso econômico (em inglês) de Richard Heinberg
Site do Protocolo da Redução do Petróleo (em inglês).
Fontes alternativas de energia serão capazes de compensar a queda na produção de petróleo?
No momento, parece improvável que elas conseguirão compensar a queda.
No anexo 4, o espaço que precisa ser preenchido é a diferença entre a demanda futura (a linha de cima) e a real produção (próximo das linhas pontilhadas). Claramente, quanto mais cedo a produção começar a cair e quanto mais drástico for o declínio da produção de petróleo, maior será a falta a ser preenchida. Mesmo se a produção permanecer estável, pode haver uma falta devido à continuidade do aumento na demanda.
Neste momento, não parece haver nenhuma “arma secreta” para substituir a produção de petróleo perdida. O petróleo é único em abundância, em sua energia altamente densa e transportabilidade. Entretanto, parece haver uma série de possíveis soluções. Incluindo:
• etanol do milho,
• etanol do açúcar (geralmente importado),
• biodiesel,
• etanol celulósico da biomassa
• carvão para líquido.
Nenhuma delas parece poder ser produzida em grande escala, especialmente em curto prazo. Além disso, existem outras desvantagens -- custos, dano ao meio-ambiente e quanto à transformação de carvão para líquido, questões de mudança de clima. Métodos indiretos para contornar a escassez como usar carros a bateria, podem fazer parte do jogo também. Se estes métodos forem usados, provavelmente deverão ser introduzidos aos poucos, enquanto os carros atuais são aposentados. É provável que a conservação deva fazer parte da mistura.
O que é “Energia Retornada sobre Energia Investida” ou “EROEI”?
Este é um conceito no qual se pode freqüentemente esbarrar ao ler artigos mais avançados sobre petróleo na Internet. Analises baseadas em EROEI ajudam a explicar porque muitos cientistas estão desencorajados quanto a novos prospectos de energia – ambas alternativas como o etanol e petróleo não convencional como o óleo de xisto.
EROEI é uma medida de quanta energia um investidor obtém, comparado a quanta energia o investidor coloca na produção da própria energia. A energia investida não está necessariamente no combustível, mas em coisas que são feitas usando combustível, como plataformas e equipamentos de extração e refinação.
Nos primórdios do petróleo, a maioria do petróleo extraído vinha de poços altamente pressurizados, pouco esforço era necessário para se tirar o petróleo. Na época, o EROEI típico era de cerca de 100 (a energia gasta para se obter 100 barris era aquela contida em 1 barril). Conforme aqueles poços se forem se esgotando, mais e mais esforço era necessário para fazer o petróleo sair. Hoje, o EROEI típico para petróleo é cerca de 15, considerando custos adicionais como a repressurização dos poços e perfurações em locais submersos.
Um problema no qual estamos esbarrando com “o petróleo não convencional” e alternativas é que muito esforço é necessário (em termos de gasto de energia) para se extrair energia. O EROEI do óleo de xisto está em um patamar muito baixo com um único digito, quase não passa de 1 para o etanol de milho. Também se espera que petróleo em locais submersos de grande profundidade tenha um retorno de energia baixo (supondo que ele possa ser extraído) devido ao pomposo equipamento necessário.
Se tivéssemos uma grande quantidade de outras energias vindas de uma fonte já disponível a qual pudéssemos usar para produzir petróleo ou alternativas para o petróleo, tal como o gás natural ou o carvão, o problema de EROEI baixo não seria tão importante. Mas agora está ficando claro que o gás natural está com um suprimento tão baixo quanto o do petróleo, pelo menos na América do Norte. O carvão também possui alguns problemas – está implicado na mudança de clima, é misturado com poluentes tóxicos, não é de fácil transporte e ao contrário do que muitos acham, não existe em quantidade ilimitada.
Quando temos fontes de energia com um EROEI baixo, gastamos muito petróleo para conseguir mais petróleo ou alternativas para o petróleo. A energia que nos resta para fazer tudo mais que fazemos – construir estradas, shopping centers, produzir comida – é menor. Certa vez ouvi uma estimativa que dizia que se leva uma média de EROEI 6 para se ter energia o suficiente pata impulsionar a sociedade de hoje. Se as fontes de energia tiverem um EROEI 3, provavelmente
• Precisaremos de um grande quantidade de trabalhadores para trabalhar em ocupações relacionadas a energia
• Teremos menos energia para usar em outras coisas
• Sentiremos uma significante queda em nosso padrão de vida
Como serão os impactos indiretos do pico do petróleo?
Não sabemos ao certo. Algumas questões levantadas incluem:
• O suprimento de alimentos será adequado, se fazendeiros não conseguirem combustível para seus equipamentos funcionarem e se o transporte for interrompido?
• Será possível fornecer todos os produtos que atualmente são feitos com petróleo, incluindo asfalto, muitos químicos, tecidos e materiais de construção?
• Se houver uma escassez de petróleo, a nova alternativa de energia será realmente sustentável? Por exemplo, será possível manter os moinhos adequadamente, se houver uma escassez severa de petróleo? Será possível produzir etanol de milho o suficiente?
• As pessoas conseguirão pagar suas dívidas, já que o padrão de vida vai cair? Estarão credores dispostos a dar prazos mais longos uma vez que parece provável que o transporte no futuro estará desordenado ou impedido?
• Haverá problemas com o sistema monetário já que existirá grande inadimplência?
• Os diversos conceitos econômicos dos quais tão freqüentemente se ouvem falar ainda continuarão válidos, tais como “globalização”, “empresas devem crescer”, “suprimento de petróleo substituível” e “preço mais elevado levará a maior fornecimento ou substituição”?
• Países lutarão pelo suprimento de petróleo restante?
A Crise do Pico do Petróleo: 2014 – o ano da transição.
por Tom Whipple
A questão crucial que ainda resta sobre a crise do pico do petróleo é a de quando exatamente a produção mundial iniciará um declínio ininterrupto. Há alguns anos, analistas que estavam profundamente envolvidos com o problema diziam que o ano crítico parecia ser 2011 ou 2012.
Mas então o inesperado aconteceu: surgiu uma grande recessão e a demanda por petróleo despencou. Embora a produção global de petróleo tivesse estabelecido uma alta nominal durante o grande aumento de preços do verão de 2008, a produção logo decaiu quando o aprofundamento da recessão cortou a demanda em cerca de quatro milhões de barris por dia.
Quando os preços despencaram no inverno de 2008-2009, a OPEP se adaptou e cortou drasticamente sua produção, deixando o mundo -- ou pelo menos alguns países da OPEP -- com o que é conhecido como capacidade ociosa: poços prontos para produzir, mas que foram fechados porque não há mercado para seu produto. Note-se que, quando é necessário fechar alguns poços, os primeiros a serem desativados são geralmente aqueles cuja produção tem um teor mais elevado de enxofre, pois esse tipo de petróleo não alcança preços tão bons quanto os de petróleo de melhor classificação.
A produção mundial de petróleo, incluindo cerca de 10 milhões de barris por dia (b/d) de várias formas de combustível líquido que são geralmente vistas como “petróleo”, tais como os biocombustíveis, está atualmente em cerca de 86 milhões b/d. Esse número alcançou 87 ou 88 milhões b/d (dependendo dos cálculos de quem você prefere) no verão de 2008, caiu para 83 ou 84 milhões b/d no inverno de 2009, e desde então vem vagarosamente subindo, à medida que a China, a Índia e os países importadores de petróleo aumentam sua demanda.
Existem, contudo, por trás desses números, duas forças: a do inexorável esgotamento dos campos atuais, que hoje em dia representa cerca de quatro milhões b/d anuais, e a dos novos campos petrolíferos entrando em produção que, em 2009 e 2010, devem adicionar cerca de seis milhões b/d de capacidade produtiva a cada ano. Desde que a realização dos projetos de aumento da produção supere quatro milhões b/d, tudo estará bem.
Nos últimos anos o aumento da capacidade de produção tem realmente crescido acima da demanda; em consequência, a capacidade ociosa de produção de mais petróleo está atualmente na casa de cinco ou seis milhões b/d. Isso significa que, se houvesse demanda suficiente, a produção mundial de petróleo poderia ser alavancada para atingir 91 ou mesmo 92 milhões b/d – por certo tempo. Como nem mesmo os chineses parecem precisar de cinco milhões b/d a mais, pelo menos não imediatamente (o consumo deles é de cerca de 8-9 milhões b/d), esses cinco ou seis milhões b/d parecem estar destinados a permanecerem ociosos por certo tempo.
Se os produtores mundiais de petróleo pudessem aumentar indefinidamente a produção em cinco ou seis milhões b/d a cada ano, não haveria nenhum problema e você não estaria lendo este artigo. Infelizmente, entretanto, eles não podem. As pessoas que acompanham esses assuntos, o que é uma coisa simples de ser feita, dizem que nos próximos anos estaremos adicionando apenas cerca de três ou quatro milhões b/d à capacidade de produção e que, até 2015, isso cairá para cerca de dois milhões b/d. Isso, é claro, é bem abaixo da queda anual de quatro milhões b/d causada pelo esgotamento dos campos atuais.
Desde que o incremento de nossa capacidade de produzir petróleo não atinja um nível muito abaixo do ritmo da exaustão dos atuais campos petrolíferos, parece não haver motivo para grandes aumentos nos preços do petróleo – em curto prazo. Se o mundo continuar enfrentando as mesmas dificuldades atuais por mais três ou quatro anos, a disponibilidade e o preço do petróleo aparentemente não vão virar a mesa, trazendo escassez do produto e gasolina a preços astronômicos. Após 2013, entretanto, a expectativa já é outra, pois parece que ainda não há produção adicional já sendo implementada que seja suficiente para contrabalançar a exaustão dos campos.
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Os próximos anos serão provavelmente decisivos para a história contemporânea.
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O aumento da capacidade produtiva de petróleo, na escala de milhões de barris por dia, não aparece atualmente da noite para o dia, num golpe de sorte surgido de perfurações feitas ao acaso. Grandes projetos de aumento de produção de petróleo custam bilhões de dólares e levam cinco, seis, ou sete anos até que o primeiro carregamento da nova produção possa ser despachado. Se um grande projeto já não estiver sendo implantado agora, não vamos provavelmente ver nenhum petróleo produzido por ele antes da segunda metade da década. Nos próximos cinco anos só poderemos contar com os projetos que já estão sendo implantados.
Essa linha de raciocínio parece levar à conclusão de que, por volta de 2014, a produção mundial de petróleo, que tem permanecido em um patamar instável desde 2005, começará a declinar, talvez rapidamente.
Há alguns fatores, já ativos, que poderiam interromper essa sequência tão bem ordenada, com mais quatro anos bons e, depois, “o dilúvio”. Por incrível que pareça, a única boa notícia à vista poderia vir do Iraque, que parece ser o último lugar da terra onde ainda há grandes quantidades disponíveis de petróleo barato e fácil de produzir. Os iraquianos recentemente fecharam contratos para aumentar sua produção de petróleo em sete ou oito milhões b/d, com o objetivo de tornar o país o maior e mais rico produtor de petróleo do mundo. Contudo, qualquer pessoa que conheça a história do Iraque durante o último século terá motivo para ceticismo em relação à ideia de que o Iraque, mesmo com a ajuda de quase todas as maiores empresas petrolíferas mundiais, possa salvar o mundo, sustando o declínio da produção de petróleo por um longo período.
No lado negativo, há várias forças atuantes que, dentro dos próximos três anos, poderiam elevar os preços do petróleo a alturas que destruiriam a economia ou lançar o mundo na maior depressão já vista. Essas forças incluem as hostilidades no Oriente Médio, o estouro da bolha econômica na China, a falência de um país importante, ou a queda de uma moeda. Alguns desses acontecimentos poderiam causar uma alta inaudita no preço do petróleo, enquanto outros poderiam reduzir a demanda de tal maneira que o preço e a disponibilidade do produto deixariam de causar muito interesse. Os próximos anos serão provavelmente decisivos para a história contemporânea.
Tom Whipple é um analista governamental aposentado e tem acompanhado o assunto do pico do petróleo há muitos anos.
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Consequências Sistêmicas Imediatas de um Pico da Produção Mundial de Petróleo
Um Estudo Descritivo
Sumário
A crise no crédito exemplifica as dificuldades da sociedade no pronto gerenciamento de riscos que estão fora de nossa experiência ou de nossas preocupações mais imediatas, mesmos quando esses riscos estão bem evidentes. Já passamos, ou estamos perto de passar, pelo pico da produção mundial de petróleo. Nossa civilização é estruturalmente instável diante de uma diminuição de energia. Há uma grande probabilidade de que nossa civilização integrada e globalizada esteja a ponto de um colapso rápido e iminente.
Como indivíduos, e como animais sociais, criamos enormes defesas psicológicas para proteger o status quo: “Estamos ouvindo essas profecias catastróficas há décadas e tudo continua bem! E a tecnologia?
Aumentar o preço da energia vai fazer aparecer mais petróleo! Precisamos de um New Deal* Verde! Ainda há tempo! Estamos ocupados com uma crise financeira! Isso é deprimente! Se isso fosse importante, todo mundo estaria falando disso!”.
Entretanto, a evidência para esse cenário é tão sólida quanto quaisquer outras sobre as quais se baseiam decisões estratégicas: a produção de petróleo deve chegar a um pico, há uma crescente probabilidade de que isso já tenha acontecido ou acontecerá logo; os fluxos de energia e o funcionamento da economia estão necessariamente interligados; nossas necessidades básicas regionais se tornaram dependentes de uma estrutura de comércio global extremamente complexa, integrada e interdependente; nossa infraestrutura primária depende do funcionamento dessa estrutura e das economias de escala globais; o crédito é parte integrante da estrutura dos nossos sistemas monetário, econômico e comercial; o mercado de crédito se desintegra em uma economia em recessão; e assim por diante.
Vivemos dentro de processos dinâmicos. Não têm muita importância quais tecnologias estão em gestação, o potencial da energia eólica em certa região, ou o fato da Comissão Europeia ter uma meta. Se um sério colapso econômico e estrutural ocorrer antes de sua implementação, talvez nunca cheguem a funcionar.
Nossa principal questão é: o que acontece se houver uma queda líquida no fluxo de energia por toda a nossa civilização? Pois nossa civilização depende totalmente de fluxos crescentes de energia concentrada para evoluir, crescer, e para formar e manter estruturas complexas. As regras que governam a energia e sua transformação, as leis da termodinâmica, formam a estrutura através da qual todas as coisas acontecem: a evolução do universo, a direção do tempo, a vida na Terra, o desenvolvimento humano, a evolução da civilização, e os processos econômicos. Não se trata de retórica; o acesso a fluxos crescentes de energia concentrada, que pode ser transformada em trabalho e energia dispersada, é a base sobre a qual se assenta nossa civilização. E, entretanto, estamos em um ponto no qual esses fluxos, com toda a probabilidade, estão prestes a começar a declinar. Deveríamos intuir que uma queda na energia deve ter grandes implicações sistêmicas, já que sem fluxos de energia nada acontece.
A chave para entender as consequências do pico do petróleo é ver que não se tratam apenas de efeitos diretos em transporte, petroquímicos, ou alimentos, mas de efeitos sistêmicos. Nossa economia globalizante, integrada e interdependente se desenvolveu com uma dinâmica particular e estruturas integrantes, que tornaram nosso bem-estar social básico dependente de economias “regionais” universalizadas. Isso nos prendeu a processos econômicos e sociais hipercomplexos que estão aumentando nossa vulnerabilidade, e que não somos capazes de alterar sem arriscar um colapso dessas mesmas estruturas que sustentam nosso bem-estar. E sem fluxos crescentes de energia, não podem ser mantidas essas estruturas integrantes, que incluem nossas expectativas, instituições e infraestrutura, as quais se desenvolveram e se adaptaram na expectativa de uma continuação do crescimento econômico.
Para abordar essas questões, o documento abaixo analisa a natureza e a evolução dessa complexa civilização integrada e globalizada, da qual a energia está sendo retirada. Algumas questões abrangentes sobre termodinâmica, a relação entre energia e economia, o pico do petróleo, e os limites ao abrandamento da crise são analisadas. Diz-se que as projeções feitas sobre a produção futura de petróleo por comentaristas conscientes sobre o problema do pico do petróleo são enganosas. Exploramos alguns conceitos de dinâmica de sistemas e transições críticas para guiar nossa discussão.
Os aspectos econômicos do pico do petróleo são explicados através de três modelos indicativos: declínio linear; declínio oscilatório e colapso sistêmico. Embora esses modelos não devam ser considerados como mutuamente excludentes, tenta-se provar que nossa civilização está perto de uma transição crítica ou de um colapso. Uma série de mecanismos de colapso integrados é descrita, e considerada inevitável.
Os principais mecanismos propulsores constituem um feedback (positivo)** de reforço:
• Um declínio nos fluxos de energia reduzirá a produção econômica mundial; a produção mundial reduzida irá minar nossa capacidade de produzir, comercializar e usar energia, o que aumentará ainda mais o declínio da produção econômica.
• O crédito é a base de nosso sistema monetário, e é parte integrante da estrutura que unifica a economia global. Em uma economia em crescimento, débito e juros podem ser pagos; em uma economia em declínio, nem mesmo o principal da dívida pode ser pago. Em outras palavras, fluxos reduzidos de energia não podem manter a produção econômica à altura do serviço da dívida. As dívidas reais existentes no mundo não poderão ser pagas e o crédito praticamente desaparecerá.
• Nossas necessidades e bem-estar social regionais tornaram-se cada vez mais dependentes das hiperintegradas cadeias de suprimento globalizadas. Um dos pilares do funcionamento desse extenso sistema é a confiança monetária e a intermediação bancária. O dinheiro em nossas economias é sustentado pela dívida e não tem nenhum valor intrínseco; a deflação e a hiperinflação farão com que a estabilidade monetária seja impossível de ser mantida. Além disso, o sistema bancário como um todo deverá se tornar insolvente já que seus (empréstimos) não podem ser recuperados; o sistema também corre os riscos trazidos por uma infraestrutura em desintegração.
• Uma falha nesse pilar causará o colapso do comércio mundial. Nossas economias “regionais” globalizadas desmoronarão, pois não há virtualmente nada produzido nos países desenvolvidos que possa ser considerado verdadeiramente nacional. Quanto mais complexos forem os sistemas e recursos dos quais dependemos, quanto mais globalizados eles forem, maior o risco que corremos de um colapso sistêmico completo.
• Outro pilar é a operação da infraestrutura básica (informática-telecomunicação/ geração de eletricidade/ sistema financeiro/ transporte/ água e esgoto), cujos elementos têm se tornado cada vez mais interdependentes: uma falha sistêmica em um elemento pode levar ao efeito cascata nos outros. Essa infraestrutura depende de um contínuo reabastecimento; incorpora componentes pouco duráveis; necessita de alta quantidade de recursos complexos e de cadeias de suprimento especializadas; além de grandes economias de escala. Os elementos constituintes dessa infraestrutura dependem também da operação do sistema monetário e financeiro. Essas dependências podem provocar um rápido crescimento do risco de falha sistêmica.
• A extrema dependência que o setor de alimentos tem do combustível fóssil, o desregionalização da procedência dos alimentos, e a estratégia de manter estoques minimizados e “just-in-time”*** poderiam levar à rápida evolução dos riscos para o fator alimentação mesmo nos países desenvolvidos. O problema não é apenas a produção de alimentos, mas também a capacidade de interligar excedentes e déficits, a quebra do poder de compra, e a capacidade de estabelecer meios de pagamento para as transações.
• É provável que o pico do petróleo cause um pico da energia em geral. A capacidade de gerar nova produção de energia e de manter a atual infraestrutura de energia será provavelmente severamente comprometida. Poderemos assistir a uma enorme demanda e queda de abastecimento, com limitada capacidade de recuperação.
• Os mecanismos acima são mutuamente reforçadores, não-lineares, e não são mutuamente excludentes.
• Consideramos que um dos principais causadores iniciais do processo de colapso mostrará uma atividade crescente em relação ao pico do petróleo. A expectativa é a de que os investidores tentem sair de “ativos virtuais” tais como títulos de dívida, ações, e dinheiro, para convertê-los em “ativos reais” antes que o sistema sofra o colapso. Mas o valor nominal dos ativos virtuais excede largamente o dos ativos reais que poderão estar disponíveis. A confirmação da ideia do pico do petróleo (por ato oficial), o medo e a queda do mercado causarão um feedback positivo** nos mercados financeiros.
• Descrevemos as consequências para a mudança do clima. Uma grande queda dos gases do efeito estufa é previsível, embora possa ser impossível estimar as quantidades no modelo. Isso pode reduzir os riscos de impacto de severas mudanças climáticas. Entretanto, a capacidade relativa de lidar com os impactos da mudança climática será muito menor, pois seremos muito mais pobres e teremos uma capacidade de recuperação muito mais reduzida.
Isso evoluirá para uma crise sistêmica à medida que a infraestrutura integrada de nossa civilização se desmantelar. Causará um problema multifacetado que paralisará a capacidade governamental de gerenciamento. Trará provavelmente desorientação generalizada, ansiedade, riscos severos ao bem-estar social e uma possível ruptura social. O relatório avalia que um “decrescimento” gerenciado é impossível.
Estamos à beira de mudanças rápidas e extremamente perturbadoras. De agora em diante, o risco de entrarmos em um colapso deve ser considerado grande e em elevação. O desafio não é saber como introduziremos infraestrutura energética para manter a viabilidade dos sistemas dos quais dependemos, mas saber como lidaremos com as consequências da falta de energia e de outros recursos para manter esses sistemas. Os apelos de regionalização, as iniciativas de transição, a produção de alimentos orgânicos e de energia renovável, embora louváveis e necessários, estão totalmente fora de proporção com o que está se aproximando.
Não há solução, embora haja alguns caminhos que são melhores e mais sábios que outros. Este é um problema coletivo, não há “um outro alguém” que possamos culpar; a responsabilidade é de todos nós. O que precisamos é de um planejamento de emergência rápido, acoplado a um plano de adaptação em longo prazo.
Notas de Tradução
* O New Deal (“novo acordo”) foi o programa implementado nos EUA no governo do Presidente Roosevelt para recuperar a economia.
** feedback (positivo): No feedback positivo ou realimentação positiva, a resposta amplifica a mudança da variável, reforçando-a. Se um sistema apresenta feedback positivo à uma perturbação, a tendência é de que a perturbação aumente. A palavra “positivo” aqui se refere à direção da alteração e não significa desejável.
*** just-in-time é uma estratégia de manejo de estoque que determina que nada deve ser produzido, transportado ou comprado antes da hora exata.