Lógica Aristotélica

Lógica Aristotélica

Leia este aforismo de Pascal:

“É justo que o que é justo seja seguido. É necessário que o que é mais forte seja seguido.

A justiça sem a foiça é impotente; a força sem a justiça é tirânica. A justiça sem a força será contestada, porque há sempre maus; a força sem a justiça sei á acusada. F preciso, pois, reunir a justiça e a força; e, dessa forma, fazer com que o que é justo seja forte, e o que é forte seja justo.

A justiça é sujeita a disputas: a força é muito reconhecível, e sem disputa. Assim, não se põde dar a força à justiça, porque a força contradisse a justiça, dizendo que esta era injusta, e que ela é que era justa; e assim, não podendo fazer com que o que é justo fosse forte, fez-se com que o que é forte fosse justo "

PASCAL. Pensamentos, aforismo 298. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 117.

 

A obra de Aristóteles dedicada à lógica chama-se Analíticos e, como o próprio nome diz, trata da análise do pensamento nas suas partes integrantes. Essa e outras obras sobre lógica foram reunidas com o título de Organon, que significa “instrumento” e, no caso, instrumento para se proceder corretamente no pensar.

Vejamos o que significa a lógica, como instrumento do pensar.

•o estudo dos métodos e princípios da argumentação;

•a investigação das condições em que a conclusão de um argumento se segue necessariamente de enunciados iniciais, chamados premissas;

•o estudo que estabelece as regras da forma correta das operações do pensamento e identifica as argumentações não válidas.

 

O que é lógica?

A lógica faz parte do nosso cotidiano. Na família, no trabalho, no lazer, nos encontros entre amigos, na política, sempre que nos dispomos a conversar com as pessoas usamos argumentos para expor e defender nossos pontos de vista. Os pais discutem com seus filhos adolescentes sobre o que podem ou não fazer, e estes rebatem com outros argumentos.

Se assim é, tanto melhor que saibamos o que sustenta nossos raciocínios, o que os torna válidos e em que casos são incorretos. O estudo da lógica serve para organizar as ideias de modo mais rigoroso, para que não nos enganemos em nossas conclusões.

Vamos aqui examinar como surgiu a lógica na Antiguidade grega.

Embora os sofistas e também Platão tenham se ocupado com questões lógicas, nenhum deles o fez com a amplitude e o rigor alcançados por Aristóteles (séc. IV a.C.). O próprio filósofo, porém, não denominou seu estudo de lógica, palavra que só apareceu mais tarde, talvez no século seguinte, com os estoicos.

Termo e proposição

A proposição é um enunciado no qual afirmamos ou negamos um termo (um conceito) de outro. No exemplo “Todo cão é mamífero” (Todo C é M), temos uma proposição em que o termo “mamífero” afirma-se do termo “cão”.

a)Qualidade e quantidade

As proposições podem ser distinguidas pela qualidade e pela quantidade:

Quanto à qualidade, são afirmativas ou negativas-. “Todo C é M” ou “Nenhum C é M”;

Quanto à quantidade são gerais — universais ou totais — ou particulares. Estas últimas podem ser singulares caso se refiram a um só indiví-duo: “Todo C é M”; “Algum C é M”; “Este C é M”, respectivamente.

Exercitando:

• “Todo cão é mamífero”: proposição universal afirmativa;

 •“Nenhum animal é mineral”: universal negativa;

•“Algum metal não é sólido”: particular negativa;

•“Sócrates é mortal”: singular afirmativa.

b)Extensão dos termos

A extensão é a amplitude de um termo, isto é, a coleção de todos os seres que o termo designa no contexto da proposição. É fácil identificar a extensão do sujeito, mas a do predicado exige maior atenção. Observe os seguintes exemplos:

•Todo paulista é brasileiro (Todo P é B)

•Nenhum brasileiro é argentino (Todo B não é A)

•Algum paulista é solteiro (Algum P é S)

. Alguma mulher não é justa (Alguma M não é J)

Para melhor visualizar, vamos representar as proposições por meio dos chamados diagramas de Euler.

Na primeira proposição, “Todo P é B”, o termo “paulista” tem extensão total (está distribuído, referindo-se a todos os paulistas); mas o termo “brasileiro” tem extensão particular (não é tomado universalmente), ou seja, uma parte dor brasileiros é composta de paulistas.

 

■ Na segunda proposição, “Todo B não é A”, o termo “brasileiro” é total, porque se refere a todos os brasileiros; e o termo “argentino” também é total, porque os brasileiros estão excluídos do conjunto de todos os argentinos.

 

Na terceira proposição, Algum paulista é solteiro (Algum P é S):

Na quarta proposição, “Alguma M não é”, o termo “mulher” tem extensão particular e o termo “justa” tem extensão total, ou seja, existe uma mulher que não é nenhuma das pessoas justas.

 

£J Princípios da lógica

Para compreender as relações que se estabelecem entre as proposições, foram definidos os primeiros princípios da lógica, assim chamados por serem anteriores a qualquer raciocínio e servirem de base a todos os argumentos. Por serem princípios, são de conhecimento imediato e, portanto, indemonstráveis.

Geralmente distinguem-se três princípios: o de identidade, o de não contradição e o do terceiro excluído.

•Segundo o princípio de identidade, se um enunciado é verdadeiro, então ele é verdadeiro.

•O princípio de não contradição — que alguns denominam simplesmente princípio de contradição — afirma que não é o caso de um enunciado e de sua negação. Portanto, duas proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras: se for verdadeiro que “alguns seres humanos não são justos”, é falso que “todos os seres humanos são justos”.

•O princípio do terceiro excluído — às vezes chamado princípio do meio excluído — afirma que nenhum enunciado é verdadeiro nem falso. Ou seja, não há um terceiro valor. Como disse Aristóteles, “entre os opostos contraditórios não existe um meio”.

A essa altura da exposição, é possível perceber que as proposições podem relacionar-se por oposição e dependência.

O Quadrado de oposições

Com base na classificação das proposições segundo a quantidade e a qualidade, são possíveis diversas combinações, que podem ser visualizadas pelo chamado quadrado de oposições, diagrama que explicita as relações entre proposições contrárias, subcontrárias, contraditórias e subalternas.

Vamos identificar cada proposição com uma letra: A (gerais afirmativas), E (gerais negativas), I (particulares afirmativas) e O (particulares negativas). Para exemplificar, partimos da proposição geral afirmativa “Todo F é G”:

 

Agora observe:

•As proposições contraditórias (A e O) e (E e I) não podem ser ambas verdadeiras ou ambas falsas. Se considerarmos verdadeira a proposição “Todos os homens são mortais”, “Algum homem não é mortal” será falsa.

•As proposições contrárias (A e E) não podem ser ambas verdadeiras, embora possam ser ambas falsas: se “Todo homem é mamífero” for verdadeira, “Nenhum homem é mamífero” será falsa. Já “Todo homem é justo” e “Nenhum homem é justo” podem ser ambas falsas.

•As proposições subcontrárias (I e O) não podem ser ambas falsas, mas ambas podem ser verdadeiras, ou uma verdadeira e a outra falsa: “Algum homem é justo” e “Algum homem não é justo” podem ser verdadeiras. Mas, se “Algum cão é gato” é falsa, então “Algum cão não é gato” é verdadeira

•Quanto às subalternas, se A e verdadeira, I é verdadeira; se A é falsa, I pode ser verdadeira ou falsa; se I é verdadeira, A pode ser verda¬deira ou falsa; se I é falsa, A é falsa. Se E é ver¬dadeira, O é verdadeira; se E é falsa, O pode ser verdadeira ou falsa; se O é verdadeira, E pode ser verdadeira ou falsa; se O é falsa, E é falsa.

Argumentação

A argumentação é um discurso em que encadeamos proposições para chegar a uma conclusão.

Exemplo 1

O mercúrio não é sólido. (premissa maior)

O mercúrio é um metal. (premissa menor)

Logo, algum metal não é sólido. (conclusão)

Estamos diante de uma argumentação composta por três proposições em que a última, a conclusão, deriva logicamente das duas anteriores, chamadas premissas.

Aristóteles denomina silogismo esse tipo de argumentação. Em grego, silogismo significa “ligação”: a ligação de dois termos por meio de um terceiro. No exemplo, há os termos “mercúrio”, “metal” e “sólido”. Conforme a posição que ocupam na argumentação, os termos podem ser médio, maior e menor:

•termo médio é aquele que aparece nas premissas e faz a ligação entre os outros dois: “mercúrio” é o termo médio, que liga “metal” e “sólido”;

•termo maior é o termo predicado da conclusão: “sólido”;

•termo menor é o termo sujeito da conclusão: “metal”.

PARA SABER MAIS

Nossa capacidade cognitiva pode ser desenvolvida pela educação. O psicólogo Jean Piaget (1896-1980) estudou quatro fases do desenvolvimento mental: na etapa inicial, 0 bebê desenvolve sua inteligência aprendendo a coordenar sensações e movimentos; o estágio seguinte é o intuitivo, em que a percepção da realidade não se separa da experiência vivida; a partir dos 7 anos, a criança é capaz de desenvolver a inteligência operatória, mas ainda se encontra presa ao concreto. Finalmente, na adolescência, pode exercitar 0 pensamento abstrato, formal, hipotético-de-dutivo, ou seja, pode aprender lógica formal

Examinemos este outro silogismo:

Exemplo 2

Todos os cães são mamíferos.

Todos os gatos são mamíferos.

Logo, todos os gatos são cães.

Nesse silogismo as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa; a argumentação é inválida. Vejamos mais um silogismo:

Exemplo 3

Todos os homens são louros.

Pedro é homem.

Logo, Pedro é louro.

Percebemos que a primeira premissa é falsa e, apressadamente, concluímos que o raciocínio não é válido. Engano: estamos diante de um argumento logicamente válido, isto é, que não fere as regras do silogismo — mais adiante veremos por quê.

Outro exemplo:

Exemplo 4

Todo inseto é invertebrado.

Todo inseto é hexápode (tem seis patas).

Logo, todo hexápode é invertebrado.

Nesse caso, todas as proposições são verdadeiras. No entanto, a inferência é inválida.

ETIMOLOGIA

Inferência. Do latim inferre,"levar para": uma proposição leva a outra. Inferir é concluir a partir de proposições.

*Regras do silogismo

Primeiramente, vamos distinguir verdade e validade. Em seguida, consultaremos as regras do silogismo para saber se um argumento é válido ou inválido.

Verdade e validade

É preciso muita atenção no uso de verdadeiro/ falso, válido/inválido.

•As proposições podem ser verdadeiras ou falsas: uma proposição é verdadeira quando corresponde ao fato que expressa

•os argumentos são válidos ou inválidos (e não verdadeiros ou falsos): um argumento é válido quando sua conclusão é consequência lógica de suas premissas.

Quanto aos dois outros exemplos, o 1 e o 3, exercite você mesmo, aplicando neles todas as regras, a fim de confirmar sua validade.

13 Tipos de argumentação

Tradicionalmente dividimos os argumentos em dois tipos, os dedutivos e os indutivos, sendo que a analogia constitui um tipo de indução.

Dedução

Em um argumento dedutivo correto, a conclusão é inferida necessariamente das premissas. Ou seja, o que está dito na conclusão é extraído das premissas, pois na verdade está implícito nelas. Como já vimos, na dedução lógica o enunciado da conclusão não excede o conteúdo das premissas, isto é, não se diz mais na conclusão do que já tinha sido dito nas premissas (regra 8).

ETIMOLOGIA

Dedução. Do latim de-ducere,"conduzir a partir de".

Os quatro silogismos examinados anteriormente são exemplos de dedução. Acrescentamos que o silogismo válido é um raciocínio que parte de pelo menos uma proposição geral e cuja conclusão pode ser uma proposição geral ou uma proposição particular.

Nos exemplos (válidos) a seguir, a primeira dedução parte de premissas gerais e chega a uma conclusão também geral; no segundo caso, a conclusão é particular:

Todo brasileiro é sul-americano.

Todo paulista é brasileiro.

Todo paulista é sul-americano.

Todo brasileiro é sul-americano.

Algum brasileiro é índio.

Algum índio é sul-americano.

No entanto, nem sempre a dedução aparece assim estruturada, por isso precisamos montar o argumento para identificá-lo. Veja um exemplo: “Na prova de Física, uma questão se referia a um caso específico, do qual foram fornecidos os dados no enunciado. Os alunos deveriam lembrar-se de uma lei e aplicá-la aos dados a fim de resolver o problema”. Trata-se de um raciocínio dedutivo, pois alei, que é geral, foi aplicada a um caso, que é particular.

A dedução é um modelo de rigor, mas é estéril, na medida em que não nos ensina nada de novo, apenas organiza o conhecimento já adquirido. Condülac, filósofo francês do século XVIII, compara a lógica aos parapeitos das pontes, porque apenas impedem-nos de cair, mas não nos fazem ir adiante. Isso significa que a conclusão nada acrescenta àquilo que foi afirmado nas premissas. No entanto, se a dedução não inova, não significa que não tenha valor algum, pois sempre fazemos deduções para extrair consequências e é preciso investigar quando essas inferências são válidas ou não.

Indução

Enquanto na dedução as premissas constituem razão suficiente para se derivar a conclusão, na indução, ao contrário, chega-se à conclusão a partir de evidências parciais.

A indução por enumeração é uma argumentação pela qual, a partir de diversos dados singulares constatados, chegamos a proposições universais. Nesse tipo de argumento ocorre uma generalização indutiva, que pode ser de dois tipos:

a)A indução completa é aquela em que há condições de ser examinado cada um dos elementos de um conjunto, como nesse caso: “A visão, o tato, a audição, o gosto, o olfato (que chamamos sentidos) têm um órgão corpóreo. Portanto, todo sentido tem um órgão corpóreo”.

b)A indução incompleta é aquela em que de alguns elementos conclui-se a totalidade. Seguem dois exemplos:

•Esta porção de água ferve a cem graus, e esta outra, e esta outra...; logo, a água ferve a cem graus,

•O cobre é condutor de eletricidade, e o ouro, o ferro, o zinco, a prata também. Logo, todo metal é condutor de eletricidade.

Diferentemente do argumento dedutivo, o conteúdo da conclusão da indução incompleta excede o das premissas, por isso a conclusão da indução tem apenas probabilidade de ser correta.

A generalização indutiva é precária quando feita apressadamente e sem critérios. É preciso examinar se a amostragem é significativa e se existe número suficiente de casos que permita a passagem do particular para o geral. Por exemplo: ao fazer uma pesquisa de intenção de voto, um instituto consulta amostras significativas de diversos segmentos sociais, segundo metodologia científica. Ao considerar que dentre os eleitores da amostra 25% votarão no candidato X e 10% no Y, conclui que a totalidade dos eleitores votará segundo a mesma proporção da amostragem pesquisada.

Apesar da aparente fragilidade da indução, por não alcançar o rigor do raciocínio dedutivo, trata-se de uma forma muito fecunda de pensar, responsável pela fundamentação de grande parte dos nossos conhecimentos na vida diária e de grande valia nas ciências experimentais. Além disso, a indução é utilizada em nossas previsões, quando partimos de alguns casos da experiência presente e inferimos que ocorrerão com a mesma regularidade futuramente. Cabe ao lógico especificar as condições sob as quais devemos tomar a indução como correta.

PARA SABER MAIS

Sobre o método das ciências, consulte o capítulo 31,

"O método das ciências da natureza".

Analogia

Analogia (ou raciocínio por semelhança) é uma indução parcial ou imperfeita, na qual passamos de um ou de alguns fatos singulares não a uma conclusão universal, mas a uma outra enunciação singular ou particular. Da comparação entre objetos ou fenômenos diferentes, inferimos pontos de semelhança. Observe: “Paulo sarou de suas dores de cabeça com este remédio. Logo João há de sarar de suas dores de cabeça com este mesmo remédio”; “O macaco foi curado da tuberculose com tal soro; logo os seres humanos serão curados da tuberculose com o mesmo soro”.

É claro que o raciocínio por semelhança fornece apenas probabilidade, e não certeza, mas desempenha papel importante na descoberta ou na invenção, tanto no cotidiano como na ciência, na tecnologia e na arte. Grande parte de nossas conclusões diárias baseia-se na analogia. Como nesse exemplo: “Li um bom livro de Graciliano Ramos. Vou ler outro desse autor, pois deve ser igualmente bom”. Ou nesse: “Fui bem atendido nessa loja. Voltarei a comprar aqui, pois serei bem atendido novamente”. Quando as explicações de determinado fato nos parecem complexas, costumamos recorrer a comparações, que na verdade são analogias: “Quem não está habituado a ler, sofre como um nadador iniciante, engole água e perde o fôlego”. Igualmente, o texto literário é enriquecido pela metáfora, que é uma forma de estabelecer semelhança: “Amor é fogo que arde sem se ver” (de um soneto de Camões).

Alexander Fleming trabalhando em seu laboratório, 1950.

Quando 0 médico Alexander Fleming estava cultivando colônias de bactérias, observou que elas morriam em torno de uma mancha de bolor que se formara. Se 0 bolor destruía as bactérias, supôs que aquele fungo poderia ser usado como medicamento: assim foi descoberta a penicilina.

Que tipo de raciocínio foi usado por Fleming?

Em todo caso, convém observar se os diferentes objetos comparados obedecem ao critério de relevância para chegar a uma conclusão. Assim, as analogias podem ser fortes ou fracas, dependendo da relevância das semelhanças estabelecidas.

Por exemplo: quando as conclusões de experiências biológicas feitas em cobaias são estendidas a seres humanos, geralmente a analogia é forte. Embora a fisiologia de ambos os seres não seja idêntica, as semelhanças tornam a analogia adequada e fecunda.

A analogia é fraca quando a conclusão se baseia em considerações irrelevantes. Se desejo comprar um automóvel que tenha o mesmo rendimento do de meu amigo, a analogia é fraca se levo em conta as semelhanças de cor, estofamento e recursos do painel. A analogia será forte se, ao contrário, considero a marca, o modelo, a potência, 0 número de cilindros, o peso da carroceria e o combustível utilizado. Esse exemplo, dado pelo professor norte-americano Irving Copi, serve para ressaltar que “o fator de relevância deve ser explicado em função da causalidade” e que, portanto, “para apreciar argumentos analógicos são requeridos alguns conhecimentos das conexões causais” e estas “só podem ser descobertas pela observação e pela experimentação".2

Falácias

QUADRO DE FALÁCIAS