Górgias

Górgias nasceu em Leontini, na Sicília, por volta de 485/480 a.C., e viveu em perfeita saúde física mais de um século. Viajou por toda a Grécia, alcançando amplos consensos em torno de si. A sua obra filosófica mais importante intitula-se Sobre a natureza ou sobre o não-ser (que é uma inversão do título da obra de Melisso).

Enquanto Protágoras parte do relativismo para implantar o método da antilogia, Górgias parte do niilismo para construir o edifício de sua retórica. O tratado Sobre a natureza ou sobre o não-ser é uma espécie de manifesto do niilismo ocidental, baseando-se nas três teses seguintes:

1)Não existe o ser, ou seja, nada existe. Com efeito, os filósofos que falaram do ser determinaram-no de tal modo que chegaram a conclusões que se anulam reciprocamente, de modo que o ser não pode ser “nem uno, nem múltiplo, nem incriado, nem gerado” e, portanto, será nada.

2)Se o ser existisse, “não poderia ser cognoscível”. Para provar essa afirmação, Górgias procurava impugnar o princípio de Parmênides segundo o qual o pensamento é sempre e só pensamento do ser e o não-ser é impensável. Há pensados (por exemplo, podemos pensar em carruagens correndo sobre o mar) que não existem e há não-existentes (Cila, a Quimera etc.) que são pensados. Portanto, há divórcio e ruptura entre ser e pensamento.

3)Mesmo que fosse pensável, o ser permaneceria inexprimível. Com efeito, a palavra não pode transmitir verazmente coisa nenhuma que não seja ela própria: “Como é que (...) alguém poderia expressar com a palavra aquilo que vê? Ou como é que isso poderia tornar-se manifesto para quem o escuta sem tê-lo visto? Com efeito, assim como a vista não conhece sons, igualmente o ouvido não ouve as cores, mas os sons; e diz o certo quem diz, mas não diz uma cor nem uma experiência.”

Eliminada a possibilidade de alcançar uma “verdade” absoluta (a alétheia), parece que só restou a Górgias o caminho da “opinião” (doxa). Ele, porém, negou também a opinião, considerando-a “a mais pérfida das coisas”. Procura então um terceiro caminho, o da razão que se limita a iluminar fatos, circunstâncias e situações da vida dos homens e das cidades na sua concretitude e na sua situação contingente, sem chegar a dar a estes um fundamento adequado.

5. A nova doutrina da Retórica

Sua posição em relação à retórica é nova e original. Se não existe verdade absoluta e tudo é falso, a palavra adquire então autonomia própria, quase ilimitada, porque desligada dos vínculos do ser. Em sua independência onto-veritativa, torna-se (ou pode tornar-se) disponível para tudo. E eis que Górgias descobre, precisamente no plano teorético, aquele aspecto da palavra pelo qual (prescindindo de toda verdade), ela pode ser portadora de persuasão, crença e sugestão. A retórica é exatamente a arte que desfruta a fundo esse aspecto da palavra, podendo ser definida como a arte de persuadir, que no séc. V a.C. tinha enorme importância política. O político, então, era chamado também de “retor”.

Para Górgias, portanto, ser retor consiste em “ser capaz de persuadir os juízes nos tribunais, os conselheiros no Conselho, os membros da assembleia popular na Assembleia e, da mesma forma, qualquer outra reunião que se realize entre cidadãos”.

Niilismo. É a teoria filosófica que se fundamenta sobre a admissão de que não existe o ser, e portanto o nada existe. Em geral, do niilismo metafísico segue-se o relativismo gnosiológico e moral, enquanto, na ausência do ser, não é possível fixar uma verdade e um bem absolutos.

6. A doutrina gorgiana da arte

Por fim, Górgias foi o primeiro filósofo que procurou teorizar aquilo que hoje chamaríamos de valência “estética” da palavra e a essência da poesia, que ele definiu como produção de sentimentos pungentes.

Górgias, nascido em Leontini, na Sicília, e expoente da teoria do niilismo, que põe o nada como fundamento de tudo. Na imagem é reproduzida a Sicília como descrita na Geografia de Ptolomeu.

Como a retórica, portanto, a arte é moção de sentimentos, mas, ao contrário da retórica, não visa a interesses práticos, mas ao engano poético (apáte) em si e por si (“estética apatética”). E tal “engano” é, evidentemente, a pura “ficção poética”. De modo que Górgias podia muito bem dizer que, nessa espécie de engano, “quem engana está agindo melhor do que quem não engana, e quem é enganado é mais sábio do que quem não é enganado”. Quem engana, ou seja, o poeta, é melhor por sua capacidade criadora de ilusões poéticas, e quem é enganado é melhor porque é capaz de captar a mensagem dessa criatividade.

7. Pródico e a sinonímia

Nativo de Céos em torno de 470-460 a.C., Pródico lecionou com sucesso em Atenas. Sua obra-prima intitulava-se Horai (talvez as deusas da fecundidade).

Também Pródico foi mestre na arte de discursar, e Sócrates chegou a recordá-lo jocosamente como “seu mestre”. A técnica que propunha baseava-se na sinonímia, ou seja, na distinção entre os vários sinônimos e na determinação precisa das nuanças de seu significado. Essa técnica não deixou de exercer influências benéficas sobre a metodologia socrática, como veremos, tendo em vista a busca de “o que é”, ou seja, a essência das várias coisas.

No campo da ética, ficou famoso por uma sua reinterpretação, na chave própria da doutrina sofista, do célebre mito representando Hércules na encruzilhada, ou seja, diante da escolha entre a virtude e o vício. Nessa reinterpretação, a virtude é apresentada como o meio mais idôneo para alcançar a verdadeira “vantagem” e a verdadeira “utilidade”.

Sua interpretação dos deuses foi originalíssima. Segundo Pródico, os deuses são a hipostatização (isto é, a absolutização) do útil e do vantajoso: “Em virtude da vantagem que daí derivava, os antigos consideraram como deuses o sol, a lua, as fontes e, em geral, todas as forças que influem sobre nossa vida, como, por exemplo, os egípcios fizeram em relação ao Nilo.”

III.Erísticos e Sofistas-políticos

Alguns Sofistas, abusando da técnica de refutação, sem ter qualquer ideal a realizar, perderam-se na pesquisa de Jogos de conceitos e na formulação de dilemas insolúveis, do tipo dos raciocínios que ainda hoje,chamamos de sofismas. Tais Sofistas são chamados de “Erísticos”, homens empenhados na briga de palavras.

Alguns Sofistas, denominados “Sofistas políticos”, aplicaram a arte dialética à práxis política e a forçaram à conquista do poder, pondo-se contra a moral e a fé tradicional de modo provocativo.

Crítias, particularmente, dessacralizou o conceito dos deuses, reduzindo-os a “guardas que vigiam interiores”, criados pelo poderosos para ter o controle sobre os subalternos. Teorizou também o princípio pelo qual o justo mais não é do que a vontade do mais forte sobre o mais fraco.

Nesta mesma perspectiva Trasímaco de Calcedônia afirmou que “o justo é a vantagem do mais poderoso”.

Os Erísticos

Corrompendo-se, a antilogia de Protágoras gerou a erística, a arte da controvérsia com palavras que tem por fim a controvérsia em si mesma. Os Erísticos cogitaram uma série de problemas, que eram formulados de modo a prever respostas tais que fossem refutáveis em qualquer caso; dilemas que, mesmo sendo resolvidos, tanto em sentido afirmativo como negativo, levavam a respostas sempre contraditórias; hábeis jogos de conceito construídos com termos que, em virtude de sua polivalência semântica, levavam o ouvinte sempre a uma posição de xeque-mate. Em resumo, os Erísticos cogitaram todo aquele arsenal de raciocínios capciosos e enganosos chamados de “sofismas”. Platão representa a erística de modo perfeito em Eutidemo, mostrando todo o seu vazio.