Estol ou Parafuso?

ESTOLANDO PROPOSITALMENTE SUA AERONAVE

- CUIDADO COM O PARAFUSO -

Volto a relatar outras impressões que obtive ao longo destes anos de inspetor de aviação civil e desta vez, vou comentar alguma coisa sobre o exercício de estol.

Este exercício tem obviamente todo um preparo que apesar de variar de aeronave para aeronave, existe sempre a obrigatoriedade de que ele seja feito em uma altitude de segurança e, antes de executá-lo, o piloto deve "clarear" a área a fim de evitar surpresas com outras aeronaves próximas à sua.

Minha preocupação nesta matéria prende-se ao fato de que por várias vezes me deparei com uma situação muito perigosa para este tipo de exercício.

Vou explicar...

Em síntese o exercício tem por objetivo fazer com que o piloto reconheça como a aeronave reage numa condição de pré estol ou, dependendo da aeronave, até efetivamente estolar. Ou seja, o piloto estará mantendo um voo num grande ângulo de ataque, aguardando o momento certo de perceber que a aeronave está perdendo (ou se já perdeu) a sustentação.

Ângulo de ataque

Imediatamente após identificar tal situação, o piloto deve executar determinados procedimentos para recuperar a sustentação de sua aeronave, que basicamente consiste em ceder o nariz do avião, aplicar potência para desenvolver uma velocidade necessária para recuperar os controles de voo e trazer a aeronave suavemente para uma atitude de voo nivelado.

O erro observado na execução deste exercício está justamente no controle da aeronave durante o intervalo de tempo em que o piloto “luta” com os comandos de voo para manter a reta, com o nariz cabrado e perdendo velocidade.

Voei com vários pilotos que tentam manter este controle (voar na reta + nariz cabrado + perdendo velocidade) aplicando com amplitude considerável o comando de leme para manter a reta.

Já tive meus momentos de muita conversa tentando explicar o porquê disto estar errado, mas agora vou fazer diferente.

Começo por uma pergunta:

Você sabe como se comanda um parafuso?

Descobri que na maioria das vezes o piloto para quem perguntava não sabia e/ou não tinha a mínima ideia do que responder, mas mesmo quando alguém sabia na teoria, acabava confidenciando que nunca havia executado esta manobra. Para piorar, a grande maioria não sabia (nem na teoria) como SAIR do parafuso.

Então acredito que a questão está justamente em perceber qual a analogia entre os dois exercícios e chegar à conclusão de que um estol mal executado poderá levar sim a aeronave a entrar num parafuso inadvertido.

Vejamos,

O comandamento de um parafuso intencional acontece da seguinte forma:

A aeronave está numa atitude cabrada, em baixa velocidade (bem próximo à velocidade de estol). Neste momento o piloto comanda o parafuso puxando o manche para trás até completar o curso total no sentido “cabrar” e aplica simultaneamente o pé para o lado que deseja girar sua aeronave no parafuso.

Entenderam a semelhança de procedimento?

Imagine então você dentro da nacele puxando o manche para manter a atitude cabrada durante a execução de um estol. Para manter a mesma atitude, essa puxada vai aumentando na medida em que a velocidade vai diminuindo e nesse momento você percebe que o nariz da aeronave começa a perder a reta e então aplica o pedal para fazer a correção. Lá está você com o nariz alto, baixa velocidade (bem perto da velocidade de pré estol), manche bem atrás e aplicando um comando de pedal... – falta muito pouco para você entrar em parafuso!!! Este é o perigo.

Se você nunca teve a oportunidade de executar a manobra de parafuso certamente entrará numa situação bastante anormal, principalmente no aspecto visual, afinal a sensação de enxergar o solo girando, com o nariz da aeronave bastante picado não é das mais agradáveis para quem vê pela primeira vez, principalmente devido ao aumento da aceleração do giro da aeronave caso você “cristalize” dentro da nacele. (veja um exemplo)

Ainda para quem nunca executou esta manobra, ao se deparar com esta atitude de nariz picado e com giro asa, o piloto poderá ser induzido a ter o reflexo de querer cabrar a aeronave para sair desta situação de picada agressiva.

Só entenda agora uma coisa: A manobra de cabrar durante um parafuso só tem uma finalidade que é a de garantir que a aeronave nunca saia do parafuso – ela só vai parar de girar quando atingir o solo. Para sair desta situação o piloto deve saber descomandar!!! E como fazer?

Siga esta sequência: reduza a manete de potência da aeronave e aplique pedal para o lado contrário do giro (é aplicando o pedal que o giro vai cessar e não de aileron). Com o manche centralizado de aileron, leve-o até a posição neutro de arfagem.

Quando o giro cessar (isso vai acontecer com o nariz da aeronave bem picado), centralize os pedais e puxe suavemente o manche para a atitude de voo nivelado.

Pronto!

Assim, da próxima vez que for executar a manobra de estol tenha em mente quais os desdobramentos que este exercício pode gerar e, para você instrutor, faça um “mental” sério, mas bem sério sobre quais os procedimentos deverão ser executados caso o aluno te leve para um “passeio” num parafuso inadvertido.

Bons voos...

Sergio Koch - TCel Av R/R