Letramentos Digitais: questionamentos e problematizações
Pedro Carvalho
Larissa Cavalcanti
Pedro Carvalho
Larissa Cavalcanti
No cenário educacional atual, não se pode negar o impacto que as tecnologias digitais têm exercido sobre os processos de ensino e aprendizagem, envolvendo professores, alunos e pais, sendo um tema em evidência nos diversos espaços acadêmicos e profissionais. Observamos ainda a criação de novas práticas de comunicação e linguagem que marcam o surgimento do campo de estudos dos Letramentos Digitais, focado no desenvolvimento de conceitos e pesquisas para compreensão dessas práticas. Este é o tema do Minicurso - Letramentos Digitais, ministrado pela professora Drª Carla Viana Coscarelli, promovido pela Parábola Editorial, e foi a partir dele que surgiram os questionamentos e apontamentos apresentados neste texto.
Por muito tempo se associou o termo letramento à alfabetização, sendo importante relembrar aqui que o conceito de alfabetização, colocando em poucas palavras, se constitui como o “aprendizado do sistema alfabético e apropriação das habilidades de leitura e escrita" (SOARES, 2014 apud COSCARELLI, 2021). Ao tratarmos de letramentos, o conceito passa a abranger os usos sociais desse sistema, estando consolidado o entendimento de que alfabetização e letramentos constituem-se como práticas distintas. Coscarelli (2021) aponta que o termo letramento já se trata de um “termo guarda-chuva”, que abarca todas as habilidades de leitura e escrita, mas, ainda assim, diversas adjetivações e nichos se formaram em torno dos letramentos, entre eles o letramento digital.
Gilster (1997 apud PAIVA, 2021, p. 1165) apresentou inicialmente o conceito de letramento digital como sendo a “habilidade de compreender e usar informações em múltiplos formatos de uma ampla gama de fontes quando apresentados via computadores” dando uso na vida real, ressaltando a capacidade de pensamento crítico e leitura hipertextual. Partindo desta noção, Bawden (2008 apud PAIVA, 2021, p. 1166) definiu o letramento digital como a “capacidade de ler, escrever e lidar com informações usando as tecnologias e formatos da época”. Coscarelli (2021), em seu minicurso, retoma a Matriz de letramento digital elaborado em 2009 pela Ana Elisa Novaes e Marcelo Dias, apresentando as habilidades necessárias para o letramento digital, sendo elas: “utilizar diferentes interfaces, buscar e organizar informações em ambientes digitais, ler hipertexto digital e produzir textos orais e escritos para ambiente digital”.
Definido o entendimento sobre o letramento digital, muitos são os questionamentos e as controvérsias acerca deste campo que emergem ao debatermos educação e sala de aula. Ao discutir tal temática, esbarramos nas seguintes perguntas: E o acesso às tecnologias se dá para todos? É possível trabalhar com ferramentas digitais na sala de aula da educação básica envolvendo todos os alunos? E, ainda, como fazer um uso responsável das tecnologias digitais na sociedade na qual vivemos?
Entender o contexto e a realidade do aluno é algo já discutido na educação e que faz (ou deve fazer) parte do trabalho docente, em prol de desenvolver práticas pedagógicas que façam sentido a estes alunos. O mesmo acontece quando o uso de recursos tecnológicos faz parte dessas práticas pedagógicas. É preciso saber se os alunos possuem acesso a equipamentos tecnológicos como celular, computador, tablet, etc., e à internet. Em matéria jornalística publicada pelo portal G1, em março de 2022, foi apontado que, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, cerca de 33,9 milhões de pessoas não possuem acesso à internet e, ainda, 86,6 milhões de pessoas não possuem acesso todos os dias. Este levantamento de dados, sistematizado na figura abaixo, mostrou que 20% da população brasileira segue desconectada, sendo esse grupo formado por pessoas das classes sociais C, D e E, com baixa escolaridade e majoritariamente negra. Isto apresenta que as alternativas digitais ainda excluem uma considerável parte da população brasileira, com um significativo recorte social de classe.
Fonte: Elaborado pelos autores, com base nos dados apresentados pelo portal de notícias G1.
Ainda que tenhamos o entendimento de que os limites entre o digital e o analógico estão cada vez mais tênues e se entrelaçam em nosso cotidiano, não conseguimos dissociar esta discussão dos debates sobre a inclusão digital em nosso país. No ambiente escolar, essa discrepância ao acesso se viu muito presente durante a pandemia de Covid-19, com o fechamento das escolas e a instituição do ensino remoto. Ao analisar este período pandêmico, a antropóloga Renata Macedo (2021) ressaltou que a desigualdade social durante a pandemia foi ainda mais contundente, apresentando os dados da Rede de Pesquisa Solidária de que cerca de 8 milhões de crianças entre 6 e 8 anos de idade não realizaram nenhum tipo de atividade escolar entre março e julho de 2020. Os dados da pesquisa mostraram que isso representa 30% da população mais pobre sem acesso a atividades escolares, enquanto nas classes mais ricas os dados são de 4% (MACEDO, 2021). A charge abaixo, do artista Brum, ilustra essa realidade de exclusão, evidenciada ainda mais no período pandêmico.
Fonte: Extraído do Instagram (@rabiscosdobrum)
Dessa forma, muitos desafios foram vividos por professores e alunos durante este período, o que deixou mais clara a situação de exclusão do acesso ao mundo digital pelos estudantes, mostrando a importância de políticas públicas que abracem essa necessidade e que possam prover meios para que o alunos e as próprias escolas tenham condições de se desenvolver tecnologicamente.
Outro ponto que acreditamos ser um relevante debate sobre o tema é a própria formação do professor sobre o uso das tecnologias digitais de informação e comunicação. Para além das habilidades de manuseio das ferramentas, também levantamos a importância da formação acerca dos usos sociais das ferramentas digitais e trabalho com as tecnologias de forma a fomentar a responsabilidade social, desenvolver o pensamento crítico, produzir conteúdos de relevância social e que agreguem conhecimento, repudiando discursos de ódio e apologia à violência. Acreditamos que este debate é importante no campo da formação de professores, a fim de levantar a necessidade de instigar a criticidade no desenvolvimento de práticas docentes no meio digital.
As perguntas feitas anteriormente nos levam a refletir, portanto, sobre inúmeros aspectos da nossa sociedade que devem ser levados em conta quando o objetivo é promover melhorias nos processos de aprendizagem e desenvolvimento tecnológico nas escolas.
REFERÊNCIAS
MINECURSO LETRAMENTOS DIGITAIS. Parábola Editorial. Youtube: Setembro, 2020. Disponível em: https://youtube.com/playlist?list=PLJTYyIbC0Twleiwt_zPVlsNpsg3nrIwoA
Mais de 33 milhões de brasileiros não têm acesso à internet, diz pesquisa. Portal G1. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/03/21/mais-de-33-milhoes-de-brasileiros-nao-tem-acesso-a-internet-diz-pesquisa.ghtml
PAIVA, Vera Lúcia Medeiros. Letramento digital: problematizando o conceito. Revista da ABRALIN, v. 20, n. 3, p. 1166-1167, 23 dez. 2021. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1905
MACEDO, Renata M. Direito ou privilégio? Desigualdades digitais, pandemia e os desafios de uma escola pública. Estudos Históricos (Rio de Janeiro) [online]. 2021, v. 34, n. 73, pp. 262-280. Acesso em: 11 de Julho de 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S2178-149420210203. Epub 31 Maio 2021. ISSN 2178-1494. https://doi.org/10.1590/S2178-149420210203.