Não Sou Casado, Senhora


Lembre-vos quão sem Mudança

Lembre-vos quão sem mudança,

Senhora, é meu querer,

perdida toda esperança;

e de mim vossa lembrança

nunca se pode perder.

Lembre-vos quão sem por quê

desconhecido me vejo;

e, com tudo, minha fé

sempre com vossa mercê,

com mais crecido desejo.


Lembre-vos que se passaram

muitos tempos, muitos dias,

todos meus bens se acabaram,

com tudo, nunca mudaram;

querer-vos, minhas porfias.

Lembre-vos quanta rezão

tive pera esquecer-vos,

e sempre meu coração,

quanto menos galardão,

tanto mais firme em querer-vos.


Lembre-vos que, sem mudar

o querer desta vontade,

me haveis sempre de lembrar,

té de todo me acabar,

vós e vossa saudade.

Lembre-vos como pagais

o tempo que me deveis,

olhai quão mal me tratais:

Sam o que vos quero mais,

o que menos vós quereis.


Lembre-vos tempo passado,

não porque de lembrar seja,

mas vereis quão magoado

devo de ser c’o cuidado

do que minha alma deseja.

Lembre-vos minha firmeza,

de vós tão desconhecida,

lembre-vos vossa crueza,

junta com minha tristeza,

que nunca foi merecida.






Lembre-vos que se quiséreis,

assi como consentistes

nestes meus males, fizéreis

com o menos que pudéreis

não serem meus dias tristes.

Lembre-vos quão mal tratado

lembranças vossas me trazem;

eu sempre menos mudado,

quando mais desesperado

vossas mostranças me fazem.


Lembre-vos a quão má vida

tenho, por bem vos querer;

esta dor faz mais crecida

não vos ver arrependida

de mo assi desconhecer.

Lembre-vos, minha senhora,

que, por já me verdes vosso,

mostrais que vos desnamora

procurar ver-vos cada hora,

o que eu escusar não posso.


Lembre-vos que nem por isso

minha fé vereis mudada,

o que está craro e bem visto,

pois cousas mores naquisto

tiveram forças de nada.

Lembre-vos que outra mercê

de mim nunca foi pedida,

senão só que minha fé,

pois tinha causa por quê,

fosse de vós conhecida.


Nestes dias dezimados,

lembre-vos com quanta pena

hão-de viver meus cuidados,

sendo já desesperados,

vendo que nada os condena.

Lembre-vos que vida tal

nunca vo-la mereci;

olhai bem em quanto mal

me pagais o ser leal

c’o tempo que vos servi.


Bernardim Ribeiro, in 'Antologia Poética'