Miopia em Marketing Ambiental - 4

Ciclo auto-ilusório da confiança em técnicas e medidas adotadas do trato do ambiental e de questões relacionadas

Levitt e inúmeros outros profissionais que dedicaram-seá fenomenologia da Miopia em Marketing alertam que a memória é curta. Para cada saudação dada com confiança aos gênios da informática e aos enormes progressos da química e da ciência dos materiais é difícil conceber-se que estes setores de tecnologia de ponta possam vir a enfrentar problemas no futuro, embora o seja fácil perceber na indústria pesada e nas atividades economicamente mais consolidadas. Como Levitt cita, no caso do grande empresário de Boston que jogou-se ao investimento no negócio de bondes elétricos, o mesmo podemos afirmar sobre quem pensa que carros mais econômicos movidos a combustíveis fósseis são o avanço final de toda a indústria de transporte individual ou familiar. O próprio caso de novos bondes - no básico, mas com outra roupagem e novos termos pelos quais sejam agora chamados - em pressão sobre a indústria de ônibus já é uma amostra de tal processo contínuo.[1]

Consultando-se de maneira idêntica a que Levitt fez ao tempo de seu artigo um grupo atual de empresários, muitos demonstram extrema confiança na indústria de tecnologia de ponta e confiam tremendamente na eficiência de suas medidas na área ambiental em seus negócios mais “clássicos”. Quando se apresenta a permanente evolução rumo não às minimizações de determinados danos, mas ao completo abandono dos fatores que os produzem, da mesma maneira que Levitt fez com a questão clássica dos bondes como exemplo da miopia em marketing tradicional, ouvir-se-á o mesmo “Ah! Mas é algo completamente diferente!”. Mas tal como Levitt perguntou, temos de perguntar se tal é realmente diverso do caso clássico.

Veremos que as duas miopias desfrutam dos mesmo fatores que as geram.

Assim como Levitt não acreditava que realmente existissem o que fossem “setores de rápida expansão”, aqui não acreditamos que existam empresas real e totalmente engajadas ambientalmente. O que existe são empresas engajadas na mitigação de seus danos ambientais diretos e nos causados por terceiros. Toda empresa que acredita estar se dedicando intensamente ao engajamento em questões ambientais invariavelmente estagnará numa posição de conforto entre os custos necessários e os benefícios obtidos. A história de todos os negócios “verdes”, mesmo os distantes claramente de simples “lavagem verde”, revelam ciclos auto-ilusórios de intensa dedicação e acomodação queda despercebida.

Quatro condições homólogas as de Levitt em geral provocam este ciclo:

1 . A crença de que a confiabilidade das ações no ambiental são asseguradas por uma população ou mercado satisfeitos com as medidas tomadas pela empresa. Leia-se em suma, um “mercado cativo”.

2. A crença de que não há concorrentes diretos que possam apresentar ainda mais confiável imagem nas políticas ambientais e nem ações mais positivas e técnicas superiores neste campo. Leia-se em suma, um “mercado nicho isolado”.

3. Fé exagerada na resposta na confiabilidade, no cativar do mercado de consumidores conscientes e em não haver outra empresa que obtenha custos menores no trato do ambiental, propiciando mais e melhores ações neste campo. Leia-se em suma, “custos mínimos insuperáveis”.

4. A preocupação com um produto que já se considere “verde” o suficiente, em cegueira de que a concorrência não produza algo melhor nestes aspectos do que já é feito. Leia-se em suma, um “insuperabilidade tecnológica”.

A seguir, pela mesma metodologia de Levitt, examinaremos com detalhes cada uma dessas condições. Com o objetivo de apresentar argumentos tão contundentes quanto os de Levitt para a “Miopia Clássica”, trataremos de três grandes setores da economia, o primeiro uma extensão do focado por Levitt, o segundo idêntico, mas com a nuance de relacioná-lo com o primeiro e o terceiro um conjunto levemente adaptado ao contexto ambiental: combustíveis fósseis, automóveis e bens de consumo eletrônicos. Trataremos até exaustivamente dos combustíveis fósseis pela sua implicação global, tanto da poluição de efluentes quanto atmosférica quanto a um nível indiscutível de alteração climática, que não é discutida por ninguém no nível que apresentaremos. Estes setores passam pelo mais basal da sociedade, que é a geração de energia, pesos significativos na produção industrial e na logística mais abrangente, quanto abordam os mais efêmeros desejos de consumo e representatividade de riqueza, e causam por si modificação de todos os demais setores, como vê-se nas comunicações e na informática. Se estes setores, em empresas isoladas, podem chegar pelas questões ambientais ao colapso, e alertamos que qualquer atividade pode chegar ao mesmo.

O Mito da População Satisfeita com o “Verde que Vê”

Da mesma maneira que na “Miopia Clássica” a crença de que os lucros são assegurados por uma população em crescimento e mais opulenta, na sua versão ambiental a crença de que a população se satisfaz com as ações no ambiental tomadas pelas empresas é profunda em todos os setores.

A crença na população abundante e sempre disponível, seja no que for, é uma providente mas perigosa segurança ilusória que permeia toda a atividade econômica. O futuro no qual “estaremos todos mortos” e portanto em nada implica de necessário desde o presente é um perigo que inclusive permeia teorizações econômicas. O maior problema é que sempre que há o econômico há alguém vivo, e se existe o alguém e o econômico estes estarão no ambiente. Estes “alguém” no ambiente mais cedo ou mais tarde terão uma posição que talvez não se torne simpática às ações no ambiental que a empresa executa, e se direcionará ou para não consumir o que tal empresa vende ou deslocar-se para outra que atenda os ditames de sua consciência, ou ainda seus simples desejos nesta área do viver. Logo, o adversário mais ativo no ambiental sempre pode estar a espreita, e superar o que se acha no campo já consolidado.

Ainda continua a ser um dos exemplos mais interessantes com referência a este fato, assim como o é para a versão “clássica de miopia”, a indústria de petróleo (e combustíveis fósseis, por relação clara). Este setor, que continua a apresentar um constante ritmo de expansão tem uma história única de ser parte de uma enorme revolução (dos transportes) e de estagnação, tanto interna como pressionada pelo externo. Conquanto haja alguma tensão entre a sociedade - por meio tanto dos mais ‘xiitas’ ecologistas como da comunidade científica, esta indústria tende a se manter demonstrando até imprudente segurança.

Acreditamos, assim como Levitt acreditou, que se possa demonstrar que ela está passando por uma mudança em seus mais profundo paradigmas, embora com certa relutância e um tanto afastada de clamores populares e do meio das afirmações científicas. Não somente está deixando de ser um negócio de rápida expansão como já o foi quando focada em combustíveis fósseis (pois normalmente uma empresa de petróleo é também uma empresa de gás natural) como pode, se não tornar-se uma consciente empresa de energia, passar a fazer parte de um setor em decadência, relativamente a outros setores e concorrentes, empresa a empresa.

Embora com a sempre presente ameaça do “pico da produção de petróleo de Hubbert” podemos colocar um período de tempo para o futuro ainda - uma “folga” - no qual boa parte da indústria de combustíveis fósseis viva na ilusão de permanentes glórias e opulência (“o melhor negócio do mundo quando bem administrada, o segundo quando mal”), e diversas destas empresas e suas relacionadas marcharão para uma inexorável catástrofe, não só pelo próprio cenário energético, mas pela pressão de concorrentes que acordaram previamente e/ou ganharam mais velocidade na mudança de paradigmas e sobre estas exerçam enorme pressão competitiva.

O que caracteriza este setor e outros é a confiança em um mercado (entenda-se pessoas e estas, formando uma população) que com suas necessidades de - no caso - energia in crescendo, com a própria população identicamente in crescendo, suportarão os custos e sacrifícios de um produto poluente e com política de preços asfixiante e ao qual não apresenta-se nenhum concorrente direto perceptível no longo prazo - o que é uma simplória ilusão quando se observa o conjunto completo de concorrentes - e que os concorrentes dentro do próprio setor não pensem permanentemente e atuem com passos firmes para ultrapassarem qualquer um estagnado numa visão limitada do que seja o setor, desde seus paradigmas do que seja energia, até seus padrões do que sejam boas práticas ambientais. Assim, a lógica que as vendas são proporcionais à população com o incremento de suas necessidades individuais é um erro desde o princípio.

Citando Levitt, num momento muito marcante de seu artigo:

Acredito ser significativo, por exemplo, que, desde que John D. Rockefeller enviou lampiões a querosene gratuitamente para a China, a indústria do petróleo nada tenha feito de realmente extraordinário para criar um mercado para seu produto.

Da mesma maneira que ao tempo de Levitt percebia-se que o chumbo-tetraetila não tinha advindo da indústria petrolífera, o acréscimo do etanol como anti-detonante adveio da indústria de biocombustíveis - mesmo que capitaneada em casos pela própria indústria de petróleo - e aqui vê-se o fator “quem acordou primeiro” - e a própria escala de seu uso no total de combustível fóssil vendido, em taxas de até 25%, já serve como exemplo claro de que a participação de combustíveis fósseis no que entende-se como mercado de combustíveis está diminuindo, ainda que o mercado como um todo possa ter crescido. O mercado de biodiesel, ainda que diluindo diesel fóssil, é o outro exemplo de tal processo de “tornar o combustível verde”.

Acumulando perigosamente passivos ambientais

A estratégia geral da indústria petrolífera de concentrar seus esforços na eficiência na obtenção de suas matérias primas e na fabricação de seus produtos tem sido mantida persistentemente, patologicamente, e tal como ao tempo do artigo de Levitt, não verdadeiramente no aperfeiçoamento de seu produto genérico - energia portátil - ou sua comercialização - como por exemplo, rede de distribuição de energia elétrica oriunda de massivas eficientíssimas pela escala usinas de termoelétricas movidas a biomassa. Se tais esforços fossem os principais, seriam indústria associada a carros híbridos, que continuariam a consumir seus combustíveis - ainda que acrescidos, para sua própria lucrabilidade e sustentabilidade, de biocombustíveis, e proveriam toda uma rede com energia elétrica de uma matriz energética imensamente mais diversificada, e não dependente de haver algo no subsolo, insustentável no longo prazo sob toda a análise.

cenvironment.blogspot.com

A indústria de combustíveis fósseis é poluidora em todas as suas etapas. A extração de petróleo cedo ou tarde implica em vazamentos, a extração de gás tem-se mostrado poluidora de águas subterrâneas, a de carvão, conhecida pela poluição produzida por sua mineração. O logística do petróleo tem seu histórico de problemas, de vazamentos de navios e dutos. Some-se a isso acidentes inexoráveis em ocorrência ao longo do tempo. A produção do petróleo é poluidora por sua própria natureza de separar agentes poluidores como o enxofre, e a indústria como um todo cai no final na produção de gases de efeitos estufa, por ser obviamente parte de uma economia de energia baseada em carbono.

abcnews.go.com

Por estas diversas questões, no horizonte da indústria de energia fóssil um monstro espreita, e afirmações de viabilidade não são confiáveis, vide o momento em que a energia eólica tornou-se, quando se considera os custos ambientais, mais barata que a energia a carvão. Logo, o marketing de companhias voltadas à dita “energia limpa” será convincente de uma população, seu governo e quando não, do simples custo para o bolso dos consumidores. Aqui perguntamos se não se poderia se afirmar o mesmo para a geração de energia baseada em energia geotérmica, ondas, marés, ou mesmo a conexão entre energia eólica, e outras, como a heliotérmica - termoelétricas solares - e a hidroelétrica de massas de águas elevadas, que garante fornecimento constante.[Nota 1]

ashland.oregon.localsguide.com

O que hoje pode ser considerado uma fortaleza inexpugnável dos custos baixos e da disponibilidade será o que trataremos na próxima etapa, mantendo o exemplo notável da indústria de energia fóssil.

Indispensabilidade, ou “meu eterno e inexpugnável nicho”

Existe uma patológica soberba da indústria do petróleo que a leva a estar completamente convencida de que não há substituto no horizonte que possa concorrer com seus principais produtos, que são os combustíveis líquidos, todos derivados do óleo cru, especialmente a gasolina, a qual se somam o óleo diesel - embora convergindo nos últimos tempos para o óleo diesel nos veículos particulares - e o querosene para aviação. Levitt já alertava que há uma grande dose de otimismo exagerado nesta premissa, e soma-se para esta exagerada segurança a que as reservas de petróleo tem crescido, ainda que cada vez mais com mais dificuldade de serem encontradas, e o acréscimo das outrora inexploráveis economica e tecnologicamente reservas de areias betuminosas e de óleo e gás de xisto só trouxeram mais segurança ao que, bem analisado no longo prazo, não passa de uma ilusão, ainda que persistente.

As empresas de petróleo continuam só tendo valor se houver um mercado para os produtos em que o petróleo pode ser transformado, e com o pior dos usos, como já alertava Jacques Bergier, queimado, seja na forma que for.[2] Desta valoração advém a crença persistente na permanência de uma superioridade competitiva e insubstituibilidade dos combustíveis de origem fóssil, destacadamente, óbvio, do petróleo, para motores. Esta obstinação é não só profunda como resistente às evidências apresentadas crescentemente, tanto quando se somam os custos ambientais do paradigma, quando se apresentam vantagens de outros modelos de distribuição de energia, mesmo quando se apresentam posições médias, como os veículos híbridos.

Aqui devemos fazer a observação pertinente que as organizações descobriram que lhes tinham faltado oportunidades que estavam à vista, uma vez que adotaram uma visão mais ampla. Diversas companhias de petróleo redefiniram honestamente seu negócio como energia em vez de apenas petróleo. Por outro lado, quando a Royal Dutch Shell iniciou um programa de investimento em energia nuclear, não conseguiu demonstrar uma relação mais cautelosa com sua indústria.

Essas evidências e estudos de panoramas futuros mostram não somente que o petróleo nunca foi um produto de qualidade superior para qualquer fim durante muito tempo - como exemplo, os motores elétricos sempre foram superiores em eficiência energética[3] - como também, já apontava Levitt, o respectivo setor nunca foi realmente um negócio de rápida expansão, sendo mais uma sucessão de negócios diversos que atravessaram os habituais ciclos históricos de crescimento, maturidade e decadência. Sua sobrevivência geral se deve a uma série de felizes coincidências, escapando milagrosamente da completa obsolescência ou, no último momento e por um fator inesperado, da ruína total.

Notas

1. Para informações sobre geração de energia baseada em ondas:

en.wikipedia.org - Wave power

Marés:

en.wikipedia.org - Tidal power

www.mma.gov.br - Energia maremotriz

Geração conjunta eólica e outras, incluindo hidroelétrica de massas de águas elevadas::

en.wikipedia.org - Wind hybrid power systems

www.smartplanet.com - Hybrid turbine for when the wind doesn't-blow

www.renewableenergyworld.com - Creating a hybrid hydro-wind system on a spanish island

www.scientificamerican.com - Solar wind hybrid power plants

http://www.scientificamerican.com/article.cfm?id=a-path-to-sustainable-energy-by-2030

Heliotérmica:

en.wikipedia.org - Concentrated Solar Power

Com uma tradução parcial já disponível em:

pt.wikipedia.org - Energia heliotérmica

Referências

1. Wanja Nóbrega; VLT é a aposta para atrair novos usuários para o transporte público e desafogar trânsito de JP até 2014- 19/11/12 - portalcorreio.uol.com.br

2. Jacques Bergier; Os impérios da química moderna; Hemus, 2007.

3. Hybridcenter.org. "Hybrids Under the Hood (Part 2): Drivetrains". Union of Concerned Scientists.