Faremos aqui um rápido apanhado de alguns temas relacionados ao importante campo das barragens de rejeitos de mineração de recentes tão altos custos e, futuramente, campo de grande preocupação e gastos das empresas e estruturas de estado envolvidas, objetivando a informação de público leigo e graduandos de engenharia, assim como ambientalistas e profissionais relacionados à gestão ambiental.
O fenômeno de piping
O fenômeno chamado piping (“tubulação”, no sentido de “haver a formação de dutos”) é um fenômeno relacionado ao campo mais amplo da chamada “erosão interna” e é definido como o desenvolvimento progressivo de erosão interna por infiltração, aparecendo a jusante como um buraco vertendo água. O piping é induzido pela erosão regressiva das partículas a jusante e ao longo da linha a montante em direção a um ambiente externo até que um duto contínuo seja formado. A erosão pode ocorrer no subsolo se houver cavidades, rachaduras na rocha ou outras aberturas grandes o suficiente para que as partículas do solo possam ser lavadas e transportadas para longe por infiltração de água.
Como outros processos do quadro de erosão interna, o piping, de acordo com a International Commission on Large Dams (ICOLD, Comissão Internacional de Grandes Barragens), existem quatro modos gerais de falha para a erosão interna das barragens de aterro e suas fundações:
Através do aterro
Através da fundação
Aterro-em-fundação
Associado a estruturas de penetração
Quanto ao fenômeno através do aterro e através da fundação, podemos ter uma noção rápida e simples na ilustração abaixo:
Editado a partir de Bentaher, Lubna. (2012). Prediction of Peak Breach Outflow, and Breach Parameters for Embankment Dams Using Fuzzy Logic and Artificial Neural Network Techniques. 10.13140/RG.2.2.16007.65443. - www.researchgate.net - artigo no qual pode-se ter informações de outros fenômenos com barragens
Quanto ao fenômeno de piping pela fundação, um quadro mais amplo das etapas pode ser visto na ilustração abaixo:
Editado a partir de DSD-NL 2014 - Geo Klantendag - 4. Modeling groundwater flow and piping under dikes and dams - www.slideshare.net
Observemos que a formação de dutos por piping não necessita se tratar de duto único, mas pode apresentar ramificações, tanto no plano horizontal quanto vertical, a montante e jusante, o que leva a um aumento de uma porosidade “grosseira” da barragem, e consequente perda de sua resistência tanto a carga de pressão do material represado que suporta como de seu próprio peso.
Observemos que o fenômeno de piping pode ser remediado com a intervenção nos dutos (um processo que pode ser tratado com a filosofia “dedo do menino holandês”, de permanente vigilância e ação) compactação dos materiais do dique, o aumento da espessura da barragem, que veremos adiante, aplicação de filtros e materiais específicos em pontos da seção da barragem, etc.
O processo de piping, entretanto e consequentemente, não refere-se especificamente ao material represado, embora possa ter certas relações na interface dique-material represado, em especial no arraste de particulados que colaboram com a erosão.
Os métodos construtivos e seus custos
As barragens de rejeitos são construídas com três técnicas de geometria bem clara e distinta de construção e alteamento (o aumento de sua altura), embora hajam barragens que usam técnicas mistas, realizando uma primeira etapa com determinada técnica, normalmente o chamado alteamento a jusante, e posteriormente variando para outra técnica, como o alteamento a montante.
Um quadro comparativo destas técnicas pode ser visto abaixo:
Dissertacao - Miguel M 25-06-1 F.doc - 2. Barragem de Rejeito - www.maxwell.vrac.puc-rio.br
Como vemos claramente, o alteamento a montante não aumenta uma espessura máxima do dique, havendo apenas a reprodução do dique de partida, e os diques do alteamento usam o próprio material do rejeito represado como fundação, e possivelmente, mas não necessariamente, parte do dique abaixo. Outra observação que devemos fazer é que o tapete drenante limita-se em área a base do dique de partida, e se outras instalações são feitas, limitam-se mais uma vez à espessura do dique replicado.
Agora, comparemos medidas e proporções entre um alteamento de altura h em um alteamento a montante e um alteamento a jusante:
Nota-se que no alteamento à jusante, o ganho de uma altura h, dobrando a altura total da barragem, exige uma proporcional espessura E, que pela seção do dique, obriga a quantidade de material a ser relacionada ao quadrado do alteamento, ou, noutras palavras, uma duplicação de altura implica no quádruplo de material. Considerando o material do dique de partida, acrescenta-se mais 3 vezes material, de onde um índice “guia” da elevação de custos usual entre os especialistas de barragens é 3. Desconsidera-se aqui o que definamos como “largura”, que a medida que eleva-se a barragem no “vale” onde se situa, implica em ainda mais custos, e serão multiplicados pela seção do dique, sempre muito maior na barragem alteada a jusante.
No alteamento a montante, o aumento de altura é relacionado linearmente (a princípio) com a altura e a seção de material do dique, ficando como fator multiplicador apenas a largura do “vale” a ser unido com o cume da barragem, e disto advém sua escolha preferencial quando o critério - perigosamente - é apenas custos de construção.
Mas há uma medida crítica deste tipo de alteamento que é fundamental em entender-se como um perigo intrínseco em sua utilização.
A perigosa espessura e
Definimos como E a espessura da base de cada alteamento, e poderíamos por simples geometria, com o ângulo do talude (inclinação na superfície lateral de um aterro, de um muro ou de qualquer obra), tendo assim a espessura de base e de topo. Mas estas duas espessuras não são as espessuras efetivas para qualquer comportamento minimamente fluido ou de sólido granulado do volume de rejeitos, assim como as espessuras a serem enfrentadas pelo piping, não representando a espessura que oferece a resistência ao volume contido e seus líquidos associados, ou, metaforicamente, não são, mesmo a menor, “o elo mais fraco da corrente”.
Como vemos, por exemplo, o caminho a ser percorrido por um duto fruto de piping, no máximo, é igual a espessura de topo do dique, e pode, acreditamos jamais, ser simplesmente nulo pelo uso de fundação completamente amparada no material do rejeito. Destaquemos que não se executa alteamentos com o que apresento como e máximo, não sendo o talude das barragens alteadas a montante contínuo, sendo as barragens habitualmente escalonadas, aliás, sinal visível de se foram alteadas a montante ou jusante.
O claro escalonamento que conduz a e não ser igual a E de topo. - Vista da barragem Germano, da mineradora Samarco, na cidade de Mariana Foto: MÁRCIO FERNANDES/ESTADÃO - Samarco admite risco de rompimento de barragens - Luísa Martins, O Estado de S. Paulo 17 Novembro 2015 - brasil.estadao.com.br
Um gradiente de pressões
Aqui acrescentaremos uma ilustração para evidenciar um gradiente de pressões que há, considerando o rejeito forçadamente como totalmente fluido (o que não necessariamente é, e não deve ser), que se tornará um fator a ser permanentemente observado nos riscos deste tipo de alteamento. Noutras palavras, independendo de um comportamento crescentemente de “mecânica de solos” com a profundidade, o ideal, a questão é que em risco, seja por infiltração de água, pouca drenagem da água existente, um balanço positivo, acumulando água, ou mesmo com fenômenos de retenção de água pelas propriedades do material, como granulometria, capilaridade e adsorção, o material comportar-se-á regido perigosamente por uma “mecânica de fluidos”.
Reforçando o conceito, num comportamento predominantemente de “mecânica de solos”, quanto em mais profundidade do rejeito, mais o material terá uma concordância com o talude do dique, e por simples física, não o ultrapassa. Num comportamento tendencialmente fluido - que sempre existe acima no volume de rejeitos - o material se comportará aproximadamente como um líquido, sendo seu recipiente o dique e o “vale” - normalmente - onde está instalado.
Mas apontaremos aqui uma hipótese perigosa.
Fluidos não-newtonianos
Resumidamente, e esta definição curta e simples aqui é muito adequada, “fluidos não-newtonianos são aqueles que, sob estresse (tensão), ficam rapidamente sólidos”, ou, inversamente, “fluidos não newtonianos são aqueles que cessado o estresse, ficam rapidamente líquidos”.
Aqui, não trata-se do processo propriamente dito de “liquefação” do volume dos rejeitos pelo crescente acréscimo de água na sua massa, que é uma “liquefação de solo”, mas de um comportamento sólido (tanto que permite o alteamento), que pelo cessar da pressão exercida pelo dique, subitamente comporta-se como um líquido, fazendo surgir toda a continuidade do gradiente de pressões mostrada esquematicamente acima.
Notemos que os dois fenômenos, aumento da presença de água e o comportamento não newtoniano no colapso, podem ocorrer conjuntamente e apresentarem sinergismos, um potencializando o outro. A ocorrência de tremores de terra potencializam ambos os fenômenos. Diversos estudos tem sido apresentado na literatura especializada sobre este comportamento.
Uma nota físico-química adicional
É da natureza das barragens de rejeitos de mineração serem amplos coletores de água de chuva pelas suas dimensões, assim como as elevações ao seu redor e mesmo posições inferiores ao seu nível lhe introduzirem água, como as nascentes e lençóis freáticos, assim como a própria água associada à produção de rejeitos, que, portanto, percola o material sólido do rejeito, constantemente, o “lavando”.
Este processo contínuo de “lavagem” arrasta solúveis do rejeito, que invariavelmente, apresentam contaminantes minerais, como o semimetal arsênio, os metais tóxicos cobre e zinco, os acumulativos chumbo e mercúrio, este poderosa neurotoxina, os metais de transição também tóxicos próximos ao ferro, como o níquel e o cobalto, e o ferro, alumínio e manganês, que ainda de toxicidade mais baixa, geram elevações de custos no tratamento de águas para consumo.
Portanto, pelo acima, percebemos que as barragens de rejeitos de mineração são intrinsecamente poluidoras de massas de água.
Bibliografia e leituras recomendadas
Antonio Fernandez; LIQUEFACTION OF EARTH EMBANKMENT DAMS TWO CASE HISTORIES: (1) LIQUEFACTION OF THE EMBANKMENT SOILS, AND (2) LIQUEFACTION OF THE FOUNDATIONS SOILS - pdfs.semanticscholar.org
HERBERT MIGUEL ANGEL MATURANO RAFAEL; ANALYSIS OF THE LIQUEFACTION POTENTIAL OF A TAILING DAM; PPG EM ENGENHARIA CIVIL; PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO, 2012. - bdtd.ibict.br
José Maurício Machado Pires; Jorge Carvalho de Lena; Carlos Cardoso Machado; Reginaldo Sérgio Pereira; Potencial poluidor de resíduo sólido da Samarco Mineração: estudo de caso da barragem de Germano; Rev. Árvore vol.27 no.3 Viçosa May/June 2003.
Li, Xingyue & Zhao, Jidong. (2018). Dam-break of mixtures consisting of non-Newtonian liquids and granular particles. Powder Technology. 338. 493-505. 10.1016/j.powtec.2018.07.021. - www.researchgate.net
MINUSSI, Roberta Brondani and MACIEL, Geraldo de Freitas. Numerical experimental comparison of dam break flows with non-Newtonian fluids. J. Braz. Soc. Mech. Sci. & Eng. [online]. 2012, vol.34, n.2 [cited 2019-02-04], pp.167-178. - www.scielo.br
Muhunthan, Balasingam & Schofield, Andrew. (2000). Liquefaction and Dam Failures. Conference Paper · July 2000 - 266-280. 10.1061/40512(289)20. - www.researchgate.net
Piping in Embankment Dams - research.engineering.ucdavis.edu
Raghvendra Singh, Debasis Roy, Sudhir K. Jain; Investigation of Liquefaction Failure in Earthen Dams during Bhuj Earthquake - www.iitk.ac.in
Romeu Thomé, Matheus Leonardo Passini; BARRAGENS DE REJEITOS DE MINERAÇÃO: CARACTERÍSTICAS DO MÉTODO DE ALTEAMENTO PARA MONTANTE QUE FUNDAMENTARAM A SUSPENSÃO DE SUA UTILIZAÇÃO EM MINAS GERAIS; Ciências Sociais Aplicadas em Revista; v. 18, n. 34 (2018) - e-revista.unioeste.br
Silva, W. P. D. (2010). Estudo do potencial de liquefação estática de uma barragem de rejeito alteada para montante aplicando a metodologia de Olson (2001) - www.nugeo.ufop.br
Alguns dos pontos de contaminação de rios e problemas para o tratamento de água de consumo foram tratados em nosso blog:
Tristes notas Marianas - 1 - quarta-feira, 7 de março de 2018 - medioesustentabilidade.blogspot.com
Tristes notas Marianas - 2 - quinta-feira, 15 de março de 2018 - medioesustentabilidade.blogspot.com
A trivial Wikipédia possui bons artigos com sólidas referências sobre os temas mais gerais tratados acima: