Miopia em Marketing Ambiental - 2

A transposição da Miopia em Marketing “clássica” para A Miopia em Marketing Ambiental

Parte I

Não existe empresa que não tenha uma existência no ambiente, o que nos parece uma obviedade. Tomando o exemplo clássico de Levitt[1], da indústria das estradas de ferro, mesmo sendo um prestador de serviço, é evidente que tal indústria demande energia. Sendo esta de combustíveis fósseis, uma mínima produção de gases, entre outros resíduos, já se dá em seus veículos. Sendo de locomotivas elétricas, o mesmo se dará nas suas fontes mais iniciais de energia. Por fim, todo empreendimento ocupa espaço, e este, num determinado momento, avança sobre o que chama-se popularmente de “natureza”. Não há atividade humana que não atinja o ambiente de algum modo.

O dano ambiental pode ser mitigado, remediado, jamais anulado por completo, ainda mais quando, apesar de uma remediação total, considerarmos o aspecto histórico. Os passivos ambientais tem de ser cobertos por ativos financeiros, em última instância, como no pagamento de operações de remediação, pois não podem ser cobertos por ativos ambientais.

Exemplificando, um derrame de carga tóxica de uma companhia de logística operando no modal ferroviário não pode ser coberto, ressarcido, pela troca de um hectare de mata destruída por outro de floresta preservada de posse da companhia que causou o dano, ou uma terceira que tal troca faça. Noutro exemplo, uma massa de água contaminada acidentalmente, ou cronicamente por anos de operação, não pode ser trocada por um lago no qual se faça piscicultura de fauna aquática nativa. Nem mesmo um volume de solo contaminado pode ser simplesmente trocado por outro volume de solo são. Sempre existe o “túmulo” do contaminante, e do contaminado, se irrecuperável viavelmente. Os passivos ambientais são cobertos apenas pela remediação na área/volume de sua ocorrência.

Assim, se uma empresa existe, e opera, não pode se ver, por lógica simples, separada estanquemente de seus aspecto de atuação no ambiente.

Considerando-se o aspecto tempo de existência, a empresa que opera, e visando seus clientes, fugindo da Miopia de Marketing clássica, deve considerar seus clientes no ambiente, o também consequente ambiente dos clientes, onde exercem suas atividades. Lembremos também que o ambiente é o que abriga o histórico humano, seja em que atividade for. Portanto, toda empresa é, por sua própria natureza como atividade humana, também um agente responsável do trato do ambiental, pois mais cedo ou mais tarde os passivos ambientais serão exigidos. O que diferirá uma empresa plenamente responsável da centrada apenas em seus lucros num prazo limitado de um consciente de seu papel e da razão fundamentalmente focada na lucrabilidade no longo prazo, uma lucrabilidade sustentada, é esta preocupação com o ambiental.

Retomando o exemplo de Levitt concluímos aqui que assim como uma empresa de estradas de ferro é uma empresa de transporte, é uma empresa, como todas, que atua no ambiente, e tem nesta sua posição seus riscos, que conduzem às suas responsabilidades pela própria sobrevivência e lucros.

Todo setor de qualquer atividade econômica, ainda mais se de grande escala, em algum período já se considerou um setor ‘imprescindível” à sociedade que abastece, e como tal, “insubstituível”, como bem aponta Levitt, e nisto, julgaram seus gestores que sua ação no ambiental poderia ser justificada pela sua importância. Alguns setores que agora enfrentam antipatia pelas suas influências no ambiental, quando não oposição aberta à suas atividades por parte da sociedade, atravessaram um período desta segurança assoberbada, e como tal, por não mais ter-se adequado a novas necessidades e desejos da sociedade, contra uma miopia de Marketing clássica, vivem, se não concentrados numa ação de sustentabilidade ambiental, sob decadência ou numa marcha para a extinção forçada.

Em todos os casos em que empresas estão despreocupadas com o ambiental, ou ao menos de sua imagem ligada a este aspecto, trata-se de um caso em que os fatos que levarão a problemas com questões ambientais ou o surgimento de um concorrente direto com mais apelo “verde” (e disto a captação do cliente consciente) estejam sofrendo retardado, ou ainda, pura sorte, ou ainda benesses governamentais que podem mudar de humor de uma hora para outra. Sempre nestes casos, há uma falha administrativa de apreciação do cenário num maior prazo .

Propósitos ambientalmente fatídicos

Como aponta Levitt, a falha sempre ao final está na cúpula. Os diretores responsáveis são, em última análise, aqueles que se ocupam das metas e diretrizes de maior amplitude, e destaquemos novamente, nada mais amplo que o ambiental. Assim, na análise de Levitt as estradas de ferro não pararam de desenvolver-se porque se reduziu a necessidade de transporte de passageiros e carga. Isso aumentou, pelo próprio crescimento vegetativo da população, ao qual se soma as variações de sua renda. De maneira análoga, as pressões sobre a preocupação ambiental de empresas de logística não surgem porque a sociedade impõe sobre estas específicas empresas tais preocupações. Surgem porque a sociedade impõe sobre todas as empresas a preocupação com o ambiental. A primeira empresa de logística a se preocupar com o ambiental passou a ter uma vantagem competitiva sobre as demais, ainda, que num primeiro momento, com aumento de seus custos. As ferrovias ao tempo do artigo de Levitt estavam em dificuldades não porque a necessidade de transporte passou a ser atendida por outros modais (automóveis, caminhões, aviões e até telefones, na transmissão das informações e não das pessoas, na transição das viagens de negócios para as diversas variedades da telereuniões e comunicação empresarial), mas sim porque não foi atendida pelas próprias estradas de ferro. De maneira análoga a que outras empresas do setor de transporte lhes tirassem os clientes por se considerarem apenas empresas ferroviárias, outras empresas do setor de transporte, preocupadas com o ambiental tiram hoje clientes de empresas de seus setores por se enquadrarem antecipada e intensamente como empresas engajadas no ambientalismo, seja de que maneira for, e encaixarem tais procedimentos, tal filosofia, a seus planos estratégicos. De maneira sempre análoga, a razão pela qual erraram no passado empresas na definição de seu verdadeiro ramo é hoje o erro de considerarem-se separadas, quando não distantes, de uma universal preocupação com o ambiente no qual todos estão; e novamente preocuparem-se com o produto, em vez de se preocuparem com o cliente e sua consciência sobre o ambiente em que vive.

Aponta Levitt que a indústria de cinema de Hollywood por pouco não foi totalmente arrasada pela indústria da televisão. Para responder a tal pressão todas as antigas empresas cinematográficas tiveram que passar por drástica reorganização, e entre estas algumas simplesmente desapareceram. Tais empresas conduziram-se a um quadro de dificuldade não por causa da invasão da televisão, mas devido à sua própria miopia sobre o que realmente faziam. Como no caso das ferrovias, a indústria do cinema não soube definir corretamente seu ramo de negócio, julgando estar no setor cinematográfico, quando na realidade seu setor era o de entretenimento.

Numa visão ambiental da cultura cinematográfica, e consequentemente da indústria de cinema, num determinado momento a indústria do cinema era um veículo para a visão da própria sociedade no quesito ambiental. Como exemplos máximos, podemos citar a visão negativa dos gorilas apresentada em King Kong, de 1933, dirigido por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, que posteriormente, em Mighty Joe Young, de 1949, respectivamente roteirizado e dirigido pelos mesmos, aborda de uma maneira menos monstruosa tais animais, descrevendo-os como as criaturas relativamente afetuosas e inteligentes que são. A própria refilmagem de King Kong de 1976 coloca como vilão e de cenário de fundo um executivo de empresa de petróleo. A representação glamourosa de caçadas de raposa, assim como a heróica de caçadores e lenhadores, também fazia parte desta visão ambientalmente aos nossos atuais olhos não muito correta. O filme máximo em bilheteria da década de 2000-2010, e da história do cinema, é Avatar, evidentemente um produto cultural engajado num discurso ambiental.

Exemplos constam já a dezenas desta visão do ambiental como atrativo. Posteriormente ao livro de Rachel Carson, Silent Spring (Primavera Silenciosa), a animação premiada “It's Tough to Be a Bird”, de 1969, da Disney, no Brasil intitulado com o criativo “Tem pena de quem tem pena”, The Last of the Curlews, de 1972 de Joseph Barbera, William Hanna (“O Último Maçarico”), do livro de Fred Bodsworth, “Last of the Curlews”. Inclui-se no espectro deste enfoque de temas as metáforas para a condição humana no ambiente terrestre como Rapa Nui (1994).

Seguidamente produções como A Civil Action (A Qualquer Preço), de 1998, e Erin Brockovich, de 2000, com estrelas como John Travolta e Julia Roberts retratam histórias reais sobre a luta pelas indenizações correspondentes a danos ambientais que causaram problemas de saúde em comunidades inteiras.

Mesmo produções com alvo sendo o mercado infantil e familiar, como as animações Pocahontas (1995), “Brother Bear” (“Irmão Urso”, 2003), WALL·E (2008), “How to Train Your Dragon” (Como Treinar o Seu Dragão de 2010), mantém o enfoque.

Acrescente-se a estes as distopias diversas com temática ambiental, como “The Day After Tomorrow” (O Dia Depois de Amanhã, 2004), Waterworld (1995), e mesmo visões modificadas para o ambiental em refilmagens do passado, como “The Day the Earth Stood Still” (O Dia Que A Terra Parou, 2008).

A televisão, que um dia foi o flagelo da indústria de cinema, como também lembra Levitt, pelo motivo da miopia em marketing “clássica” também hoje tem produções com uma ótica ambiental, ou “verde”.

A indústria de vidro e de plásticos, por meio de políticas de reciclagem, enquadraram-se imediatamente em políticas de sustentabilidade ambiental pela redução de custos, entre outros importantes fatores. Por outra abordagem, apresentam-se como produtoras de produtos ambientalmente inertes, como se pronuncia a de vidro, ou aplicam-se no desenvolvimento e na divulgação de suas conquistas de produtos biodegradáveis e ambientalmente corretos, como a indústria de polímeros e seus derivados. Muitas destas políticas não necessitam da pressão de um mercado consciente e exigente, e se antecipam a tais pressões, buscando estes mercados e até os fomentando com suas estratégias de marketing.

O “pensar verde”, para estas empresas, é uma questão de diferenciação dentro de sua concorrência, fazendo parte de seus métodos de venda, e disto um gerador de êxito constante. São pensadas até novas necessidades do ambiental do cliente, da mesma maneira que pensava-se antes em novas necessidades e desejos.

A indústria de metais, com destaque para a indústria de alumínio, é um exemplo de indústria que permanentemente usa sua escala de reciclagem como um dos eixos de suas campanhas de marketing. É usual o anexar de “embalagem totalmente reciclável” ou outras frases chave do tema em seus produtos e pelas empresas que usam seu produtos derivados.

O erro de análise no contexto ambiental

Levitt alerta que há quem julgue que é tolice comparar o caso das estradas de ferro com o do alumínio ou o do cinema com o do vidro, quanto ao aspecto clássico da Miopia em Marketing. Como se a questão da “onipresença” do ambiente pudesse ser desprezada ou não fossem as empresas relacionadas à logística as transportadoras de produtos que podem ser danosos ao ambiente, ou nele se acumulem por simples depósito irresponsável (quando não primeiramente ilegal).

Aqui, parafraseando Levitt, este erro de uma “isenção”, “exterioridade” ou “separação estanque” do que seja ambiental (e deste o social) leva exatamente ao erro que estamos aqui apresentando extensamente. Define uma indústria, um produto ou uma soma de conhecimento quanto ao ambiental de forma tão simplista (e por isso perigosa) que acaba determinando sua marcha para o enfrentamento destrutivo (da empresa) com as questões ambientais. Quando falamos de "empresas de ferro" devemos estar convictos que tal não pode ser realizado sem grande interface com o ambiental. Quando falamos da industria de refrigerantes, não podemos separá-la da lata que o envaza, nesta lata, do alumínio que tem de ser reciclado, e no alumínio que tem de ser reposto, da mineração que sempre ocupa uma área no ambiente, por menos dano que produza com suas modernas técnicas e tratamento rigorosíssimo de seu efluentes.

Referências

1. Levitt, T.. (1960). "Marketing Myopia". Harvard Business Review. - Disponível em www.portaldomarketing.com.br - Miopia em Marketing e em PDF em www.tioflavio.com