Contabilidade ambiental - 2

Custos, provisões e seguros ambientais

por Francisco Quiumento

Definições iniciais

Numa definição bem simples, podemos definir custo ambiental como todo aquele gasto de uma empresa (ou governo) o qual se relaciona com questões ambientais.[1]

Definido gasto como todo sacrifício financeiro que uma organização, pessoa ou governo tem a fim de obter um produto ou poder realizar um serviço, podemos classificar os gastos ambientais em dois tipos, a partir desta definição mais formal e categórica:

Custos ambientais - todo gasto relacionado às questões ambientais por sua vez diretamente relacionadas à produção de um produto e captação dos recursos para a prestação de um serviço.[2]

Ex.: As aparas de papel de uma gráfica, os efluentes líquidos e gasosos, proporcionais ao volume de produção de um formulado químico, a limalha e aparas da produção metal-mecânica (usinagem), as aparas de borracha da produção de pneus, etc.

Despesas ambientais - todo gasto relacionado às questões ambientais realizados pela organização em questão, mas não diretamente relacionados ao volume de produção ou serviço, e sim, como despesa que é, relacionado ao volume de obtenção de receita.

Aqui, a questão de Química Verde é abordável, na obtenção de matérias primas e processos ambientalmente dentro das melhores práticas.

Ex.: Aqui pode-se colocar o descarte de embalagens não proporcionais à produção, como de insumos, material de limpeza, os próprios efluentes de limpezas e desinfecções, simples estopas na usinagem, os abrasivos, o descarte das utilidades, o próprio esgoto e todas as questões relacionadas à Logística Verde, na execução das operações de logística dentro das melhores práticas do ponto de vista ambiental.

Pelas mesmas analogias que aqui fizemos, poderíamos também desenvolver a contabilidade de custos ambientais com as categorias e classificações de custos ambientais fixos (ou fixos ambientais, sem alteração do sentido) como sendo aqueles que são fixos em taxa no tempo, como uma taxa mensal a ser paga a um aterro sanitário, ou taxas públicas relacionadas à questões ambientais, ou custos ambientais variáveis, como o custo do volume de aparas produzidas, ou ainda a classificação de custo ambiental direto, ou indireto. Pode-se ainda tratar a questão em termos de custos ambientais correntes (como taxas à determinadas organizações), de maneira similar a como tratamos por custos ambientais fixos e custos ambientais não correntes (como custos de prevenção de contaminações).[3]

A provisão ambiental

Mas nossa abordagem aqui será destacada sobre a questão de risco ambiental, que pode vir a gerar um passivo ambiental, uma incidente que tem de ser previsto, ou a provisão para uma modificação de legislação, que ainda que sem um incidente, torna alguma prática até então normal o fator que gera e acumulou um passivo ambiental, e tal se descarregará no caixa como um despesa a ser realizada constantemente, ou um novo custo, ou ainda, um passivo ambiental a ser liquidado ou amortizado em tempo determinado.[4][5][6][7]

Antes de continuarmos, apresentaremos um princípio básico da legislação ambiental, que sempre norteará de qual caixa, no fim, sairão os recursos para cobrir o dano ambiental:

Princípio da Responsabilidade

Pelo Princípio da Responsabilidade o poluidor, pessoa física ou jurídica, responde por suas ações ou omissões em prejuízo do meio ambiente, ficando sujeito a sanções cíveis, penais ou administrativas. Logo, a responsabilidade por danos ambientais é objetiva, conforme prevê o § 3º do Art. 225 CF/88.[8]

O custo ambiental como gerador de lucro no longo prazo

O custo/gasto ambiental é sempre um debitador de caixa, e portanto, pode, destacamos, apenas pode, num primeiro momento ser um redutor de lucro, mas será, pela redução no longo prazo de custos/gastos ambientais de natureza punitiva (pelo estado), de imagem dos produtos e serviços (pelo consumo consciente) e de acidentes minimizados em ocorrência, a ser um gerador de sunstentabilidade dos lucros e até mesmo da própria atividade. O custo/gasto ambiental, em suma, gera competitividade.[9]

Assim, abordaremos o gasto ambiental sob uma ótica atuarial, no qual este tipo de custo que não possui contante fluxo no tempo nem necessidade dentro das práticas normais da empresa passa a ser tratado dentro de dois enfoques:

I - O incidente - que gera passivo ambiental que necessita de aprovisionamento de capital ou reservas de crédito a ser tomado para ser resolvido.[NOTA 2]

Devemos, antes de continuar, de afirmar que os acidentes sempre acontecem, tendencialmente, no tempo, portanto toda a prevenção, mesmo que custosa, não seria anuladora da necessidade de prover-se reservas ou seguros para os acidentes.

Aqui, citaremos mais um Princípio do Direito Ambiental:

Princípio da Precaução

Estabelece a vedação de intervenções no meio ambiente, salvo se houver a certeza que as alterações não causaram reações adversas, já que nem sempre a ciência pode oferecer à sociedade respostas conclusivas sobre a inocuidade de determinados procedimentos.[8]

II - A securitização - que é o tratamento de gastos ambientais como questões atuariais, em suma, a aquisição de "seguro ambiental" para o mesmo tipo de incidentes.

Para o caso de I a questão é simples. A empresa (ou qualquer organização) disponibiliza de seu caixa uma parcela que aplicada em um “fundo”, torna-se reserva, uma provisão, para cobrir um incidente relacionado á suas atividades que cause um dano ambiental (p.ex.: o tombar de uma carreta de produtos químicos próximo a um rio). nesta provisão tem de ser contabilizados os procedimentos a serem realizados por meios próprios ou terceiros (o mais habitual) e as multas e custos das sanções previstas (p.ex.: interdição de um pátio de operações logísticas ou uma unidade de produção).

Lembremo-nos de algo básico:

O princípio “verdadeiro e justo”: Deve-se aumentar a despesa prevista, quando é mais provável, embora não seja cem por cento verdade, e para tais casos, é constituída provisão.

O princípio da prudência: Deve-se aumentar as despesas, assim como não há notícia de que ele possa ser produzida, prevendo riscos, perdas e despesas.[10]

Esta provisão pode também ser substituído pela capacidade de tomar-se crédito, dentre todo o volume de crédito disponibilizado pelo mercado para a organização em questão. Resumindo-se, é apenas uma questão de manipulação prudente do caixa, com previsão do que possa ocorrer.

A questão II será tratada por um “seguro ambiental”.

O Seguro Ambiental

A apólice de seguro ambiental garantirá um determinado limite máximo de indenização ou reembolso das quantias pelas quais o segurado vier a ser responsabilizado civilmente, em sentença judicial transitada em julgado ou em acordo, independente de ação judicial, autorizado expressamente pela seguradora, por conta de reclamações reparatórias por danos materiais e/ou corporais e/ou morais involuntários resultantes de poluição e/ou contaminação por vazamento súbito e acidentais de produtos perigosos, poluentes ou contaminantes.[11]

Deverá garantir, ainda, a descontaminação da área do incidente (solo, subsolo, lagos, rios, represas e cursos d água), o transporte dos resíduos até o local de sua destinação final, o ratamento dos resíduos e as despesas com a destinação finalição de tais resíduos

Este tipo de seguro, relativamente recente no mercado, tem sido motivo de preocupação no ramo de seguros. Sua classificação por este ramo tem sido a de "sinistros causadores de danos ambientais", e são enquadrados dentro das carteiras de "Responsabilidade Civil", as quais cumprem tal adequadamente.[12]

É apontado que estas apólices cobrem apenas eventos súbitos e inesperados, devendo ser desenvolvido com o tempo coberturas mais adequadas, que cubram não perdas diretas, visíveis, mas os estragos mais significativos, com danos de longo prazo, causados por tais sinistros, de características até mesmo momentaneamente desconhecidas.

Devemos aqui lembrar outro princípio básicos da legislação ambiental:

Princípio da Prevenção

É muito semelhante ao Princípio da Precaução, mas com este não se confunde. Sua aplicação se dá nos casos em que os impactos ambientais já são conhecidos, restando certo a obrigatoriedade do licenciamento ambiental e do estudo de impacto ambiental (EIA), estes uns dos principais instrumentos de proteção ao meio ambiente.[8]

Este seguro específico de possuir, longo da vigência da apólice, no sentido de acompanhar os processos e práticas da atividade segurada, e mesmo de interferir nestes, se necessário. Noutras palavras, exigiria um constante fluxo de informações e cooperação entre o segurado e o segurador, o que nos leva novamente às práticas e processos ambientalmente corretos e consequentemente, seus custos/gastos ambientais.

A apólice de Seguro Ambiental, assim passa a necessitar de duas coberturas distintas, somada a uma ação permanente de controle dos riscos inerentes às atividades do segurado, uma atividade constante de prevenção, controle e acompanhamento, monitoração e interferência:

1. A cobertura de Responsabilidade Civil típica, clássica – cobrindo os eventos súbitos e inesperados, inerentes a qualquer atividade;

2. A cobertura de Responsabilidade Ambiental – cobrindo eventos inesperados, de características especiais, com evolução ao longo de um período não inicialmente passível de ser previsto (biologia/ecologia não podem ser tratados de maneira mecanicista, os processos mostram-se sempre estocásticos).[13][14]

Esta mútua ação, entre segurado e segurador, exige, de ambos os lados, o treinamento, a autoridade delegada de quadro profissional técnico. Portanto, deverá se desenvolver entre segurado e segurador a aceitação e a análise do conjunto de seguros contratados pelo segurado, assim como o entendimento e a aprovação da metodologia do acompanhamento, da monitoração e da interferência previstos para o processo que passa a se tornar a aquisição de tal apólice, durante toda sua validade. Ainda noutras palavras, deverão as partes compartilhar sua Gestão Ambiental.[15]

Neste tipo de apólice, fatores a serem considerados seriam estudo acurado das possibilidades de falhas, pela análise dos sistemas de prevenção do segurado e das condições de equipamentos e métodos.

Inspeções prévias as emissões de efluentes diversos buscariam os limites de aceitação e definiriam a periodicidade das vistorias de acompanhamento, variando tais práticas com a natureza de cada atividade.

Observações finais

Casos específicos em andamento com tais tipos de problemas de possível interrupção de atividades pela ausência de lastros tanto de caixa quanto de securitização ambiental são os postos de combustíveis, em crescente pressão pela ação das autoridades municipais e estaduais.[16][17]

O fim último de tal securitização é a formação de produtos e serviços que apresentem certificação ambiental, sendo, portanto, no prazo, como já citamos, gerador de lucro.

Notas

[NOTA 1] Aqui, custo no sentido mais popular do que seja um gasto em contabilidade.

[NOTA 2] Aqui deve-se colocar incidente de acidente, pois um incidente pode, sob determinada ótica, não ser um acidente, como o acúmulo ao longo de anos de contaminação no solo, sem um único derrame acidental, mas que a partir de uma determinada ação pública ou de outros, gera o que passa o então passivo ambiental. Assim, para nossa análise, todo acidente é um incidente que produz passivo ambiental, mas nem todo incidente que passa a ser um passivo ambiental é necessariamente um acidente. Noutras palavras, um incidente pode ser a mudança de um cenário, como uma conjuntura legal (coisa que seria típica de um país em desenvolvimento e aperfeiçoando seus controles sobre os danos ambientais como o nosso), e não propriamente aquilo que no setor de seguros é tratado como um “sinistro”.[18]

Referências

[1] RIBEIRO, M. de S. Contabilidade e meio ambiente.1992. Dissertação (Mestrado Contabilidade e Controladoria) – Universidade de São Paulo, São Paulo.

[2] BERGAMIN, JR. S. Contabilidade e riscos ambientais. Revista do BNDES – Banco Nacional de desenvolvimento Econômico e Social. Rio de Janeiro, RJ: n.11, 1999.

[3] Ana Carla Filipe Pereira; A Contabilidade Ambiental - A sua Relevação no Relato Financeiro; JORNAL DE CONTABILIDADE N.º 367 - OUTUBRO 2007

http://www.apotec.pt/fotos/jornais/out2007_1192526928.pdf#page=12

[4] Maria Elisabeth Pereira Kraemer; Passivo ambiental; Monografia

http://br.monografias.com/trabalhos/passivo-ambiental/passivo-ambiental.shtml

[5] PRICEWATERHOUSE COOPERS – AUDITORES. Passivo ambiental. Coleção Seminários CRC-SP/IBRACON. Temas contábeis em destaque. Coordenação: José Barbosa da Silva Júnior. São Paulo: Atlas, 2000.

[6] RIBEIRO, M. de S. LISBOA, L. P. Passivo ambiental. Revista Brasileira de Contabilidade. Brasília - DF: ano 29, nº 126, p.08-19, nov/dez.2000.

[7] JACOMETO, M. A. Passivo ambiental: conceito moderno, velhas práticas. http://www.ambientebrasil.com.br/

[8] http://www.jurisambiente.com.br/ambiente/principios.shtm

[9] KRAEMER, M. E. P. Contabilidade ambiental – o passaporte para a competitividade. In. CONVENÇÃO DE CONTABILIDADE DE MINAS GERAIS, 3., 2001,Belo Horizonte. Anais da III Convenção de Contabilidade de Minas Gerais. Belo Horizonte: MG, 2001.

[10] BAPTISTA DA COSTA, Carlos: “Princípios Contabilísticos: Geralmente Aceites ou Legalmente Definidos?”, in revista de Contabilidade e Finanças, Abril/Junho de 1997.

[11] Condições Gerais – RC-Danos Ambientais – V1.3 – Processo SUSEP N.º 15414.003621/2008-16

http://www.mapfre.com.br/Portal/PortalMapfre/Arquivos/Download/Upload/3937.pdf

[12] Roberto Rodrigo Octavio; Seguro Ambiental

http://www.irb-brasilre.com.br/revista/289/roberto_rodrigo_octavio_289.pdf

[13] SÁ, A. L. de. Progressos no campo da Contabilidade aplicada aos fatos do Ambiente Natural - Revista Pensar Contábil do Conselho Regional de Contabilidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: n. 17, p. 4-8, ago/out-2002.

[14] TINOCO, J. E. P. Ecologia, meio ambiente e contabilidade. Revista Brasileira de Contabilidade. Brasília - DF: ano 23, nº 89, p.24-31, nov.1994.

[15] KRAEMER, M. E. P. O impacto da contabilidade do meio ambiente no sistema de gestão ambiental. In SEMINÁRIO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL, 2., 2002, Aquiraz. Anais do II Seminário da Responsabilidade Social e Ambiental. Aquiraz: CE, 2002.

[16] RIBEIRO, M. de S. GRATÃO, A. D. Custos ambientais – o caso das empresas distribuidoras de combustíveis.In CONGRESSO BRASILEIRO DE CUSTOS, 7, 2000, Recife. Anais do VII Congresso Brasileiro de Custos. Recife: PE, 2000.

[17] FIDELIS, Carlos dos Santos; dos SANTOS, Ediwaldo S.; QUIUMENTO, Francisco, da CRUZ, Jair Pereira; NEVES, Marcel Fernandes. Contabilidade Ambiental. Trabalho de Pós-Graduação em Gestão Ambiental, Anhanguera Educacional, São Paulo, 2011.

https://docs.google.com/leaf?id=1zPpp9u1jSh7kq7fqXCqJ7RcJSE2gNejRoR9xxiyghG2nB7wy95igj2Zu1WRZ&hl=pt_BR

[18] SANTOS, A. SILVA, F. SOUZA, S. SOUSA, M. Contabilidade ambiental: um estudo sobre sua aplicabilidade em empresas brasileiras. Revista Contabilidade & Finanças. São Paulo, SP: n. 27, ano XII, vol. 16. p. 89-99, set/dez-2001.