O que a literatura nos ensina?

Professor Pedro Ivo Dias Secco (Ensino Médio)


Acordei de manhã. Abri os olhos estatelados no teto escuro. Inspirei forte o ar para dentro de mim. Levantei-me e me deparei comigo mesmo. Deparei-me com o profundo eu, sozinho, rondando meu quarto de quarentena. Deparei-me com fantasmas velhos que me habitam: Gracilianos, Cecílias, Clarices, Joões, Drummonds, Murilos e Jorges. E Gullares, vários deles. Continuei rondando e senti perfumes diferentes: Bias, Sofias, Takashis, Enzos, Ricardos, Giovannas, Luizas, Gabriéis... Turbilhões de nomes e essências, de letras e sentimentos. Não, já não me deparava comigo mesmo: deparava-me com a Literatura que nos habita e nos faz sermos mais nós mesmos!

Houve um tempo em que sabíamos olhar os insetos no chão, e inventávamos neles exércitos cavalgando rumo a batalhas. Houve um tempo em que sabíamos ver utensílios de cozinha na mesa, e inventávamos brinquedos dos mais mirabolantes. Houve um tempo em que escutávamos vozes internas, amigos imaginários, que nos puxavam para subir em árvores, para navegar riachos com barquinhos de papel, para voar os ares com aviões de papel. Houve um tempo em que éramos magia.

Mas, de repente, parece que perdemos o condão de inventar e nos prendemos ao chão dos afazeres diários. Metas, números, papéis, e-mails. Correrias, trânsitos, mensagens de whatsapp se acumulando para responder. Deveres, contas, somas, subtrações, aplicativos do banco nos lembrando os débitos. E foi aí que entramos em débito conosco mesmos. Já não tínhamos tempo de sorrir para insetos e passarinhos, para brincar com aviões e barquinhos, para ver o pôr-do-sol com olhos de inocência.

E, do nada, como um golpe inesperado pelas costas, nos vimos presos dentro de casa, tendo de lidar com um turbilhão de impossibilidades e limitações. Que bela oportunidade essa. Sim, oportunidade como nunca! Oportunidade de escutar vozes velhas que nos chamam. Graciliano chamou. Clarice chamou. Ferreira Gullar chamou. E a Literatura gritou velhos sonhos, velhas possibilidades de ser e de estar. E, mudando os nomes para Eduardos e Marianas, Marinas e Vítores, Vinícius e Laras, Gustavos e Júlias, nos puxou para dentro dela.

Sim, essa senhora tão velha e tão mágica olhou para nós e disse: “Hey, você aí de quarentena e cheio de turbilhões na cabeça, venha aqui reconhecer o que posso lhe dar!”. E fomos, e nos deixamos ir. E ela nos presenteou com possibilidades infinitas: ler, pensar, discutir, sentir. E depois escrever, reescrever, criar, colocar para fora o que somos. Tateando o universo dos livros, fomos compondo nossas próprias letras, cheias de experiências e sentimentos, cheias de sinceridade e paixão.

Ah, mas que jovens tão profundos que temos: leram, releram, sentiram, dividiram poemas entre si, banhados de lágrimas de amizade e amor. Expandiram o peito para depois escreverem os próprios poemas, os próprios textos, para se redescobrirem no meio dos desafios da quarentena. Ouviram a velha voz chamando a voar e navegar montados no papel, e ecoaram essa voz.

Agora, mais que acordado, agradeço a esses jovens por redescobrirem o mundo que nos permite sonhar e por me carregarem pela mão para dentro dele. Pois é minha vez de ecoar as vozes e dizer: “Hey, você que está lendo isso, venha ler os mundos desses jovens, e arrisque-se a se aventurar pelo seu próprio mundo, vivendo e produzindo essa velha arte dos sonhos: a literatura”.

Apatia

Sentimento de tudo, mas ao mesmo tempo de nada.

Um coração vazio ou um coração que sente demasiado.

Estamos aqui, por que sentimos ou por que temos a impressão do sentir?

Um lugar onde a ilusão e a realidade se misturam,

onde as emoções se perdem e se encontram,

onde as dúvidas se disfarçam de respostas.

E, nesse mesmo lugar,

a apatia explode em sensação.

Sofia Zanardi Cronhal

Prisões


O ser humano sempre viveu em uma prisão. A nossa fisionomia nos prende ao chão, nos prende à terra, nos prende ao ar que nos mantém vivos. O tempo sempre prendeu o ser humano. “Que horas são?”, “Quanto tempo falta?”, “Quantos anos você tem?”, “Quanto tempo eu ainda tenho?”. O ser humano sempre prendeu a si próprio, e disfarçada com o nome de rotina, essa prisão cíclica nos impede de explorar o que tem no meio dos outros muros que já nos cercam. E, assim, criamos caixas dentro de caixas e alguém, que não é você, escolhe em qual você irá ficar.

Eu ouvi dizer que a verdadeira liberdade só vem quando a sua alma deixa o seu corpo. E eu nunca vi ninguém voltar de lá. Logo, só consigo pensar que a real liberdade ou é tão boa que me faça querer ficar, ou tão grande ao ponto de me perder e não conseguir voltar.


Vitor Critelli

Simplesmente ser


O ato mais corajoso e aterrorizante que o ser humano pode experimentar, em sua momentânea passagem por estas terras, é o proveito e o deleite de sua própria vida. É irônico dizer, pois, é claro, deve-se aproveitar a vida da melhor maneira possível. Só temos uma chance. E haverá falhas. Haverá paixões momentâneas e duradouras. Haverá dor, tristeza, pânico, ansiedade. Você experimentará todas as mais variadas emoções que são conhecidas e, acredite, até as desconhecidas. Seremos incompreendidos, atacados e, talvez, ameaçados a sermos de outro modo. Entregar a nossa essência para ser mais um padrão. E, sim, isso acontece quando estamos menos preparados. Devo resistir a essa regra de ser igual a todos? Mas, e se eu perder meu emprego? Meu amigo, amor, família? Minha dignidade? Minha personalidade? Devo me obrigar a ser o que não sou? A minha resposta é gritante. NÃO!!! Eu lhe rogo para não ser mais uma pessoa sem cor, sem alma, sem nada. Eu quase perdi tudo para essas obrigações. Quase perdi a minha vida. E hoje eu vejo que não é certo exigir que humanos se moldem como vasos. Mesmo que a sociedade, a escola, o trabalho e seus entes digam frases condicionais. Devemos ser quem somos. E esse é o maior medo que muitos têm. Pois, para que arriscar? Perder tudo ou perder a mim? Ser ou não ser? Eis a fatídica questão. Bom, ainda estou aprendendo sobre o meu “ser” e optando pelo caminho de não ser perfeccionista, não exigir ser melhor ou igual a ninguém. Não quero basear minha vida nesta competição. Quero ser apenas eu. Feliz com momentos tristes e completamente apaixonada pela minha liberdade.


Beatriz Sécolo Piedade

Meia-noite


Meia-noite

e eu fico na janela.

A rua sem sinais de vida,

Mas, ela não é a única.


Cada som é esperança,

no meio da escuridão.

No céu sem estrelas,

não se vê sequer a lua,

mas ela há de estar ali.


Trago os olhos às grades,

que nunca foram tanto.

Como se um dedo fora,

de algo adiantasse,

mas ele se deu a liberdade.


Volto-me a outras janelas,

cada qual em sua história.

Mas, nada mais é o mesmo.

Já é meia noite e um.


Beatriz Mirão Estoco

Quem sou?


Quem sou eu de mim mesmo?

Pergunta tão severa,

que quase em branco ficou.

Quem sou eu de mim mesmo?

Sou o maldoso tempo,

o tal que veloz passou.

Quem sou eu de mim mesmo?

Sou a ave que livre voa,

porém no sangue sinto a prisão.

Quem sou eu de mim mesmo?

Sou a palmeira que sente o vento,

mas que a natureza prende ao chão.


Gustavo de Paulo Panico