Autonomia: uma construção constante

Professora Beatriz von Lasperg Careli (Educação Infantil)


Como podemos desejar tanto algo e, ao mesmo tempo, nos assustarmos com as implicações práticas de nosso desejo?

A palavra autonomia é utilizada de maneira recorrente no contexto da educação das crianças na primeira infância. Desejamos que nossos alunos e filhos adquiram a capacidade de decidirem de maneira autônoma, mas, ao mesmo tempo, nos sentimos, por vezes, envolvidos pelo receio de deixarmos que eles tomem decisões independentes, diante de um mundo que ainda é, em partes, desconhecido.

O frio na barriga de vermos uma criança tão pequena explorando o espaço de um parque sem que um adulto pegue em sua mão para ajudá-la a se equilibrar nos brinquedos ou, então, a autocobrança pela busca de um estímulo e direcionamento constantes nas atividades do dia a dia nos acometem por diversas vezes. Tudo isso acontece, porque sabemos que, de certa forma, as crianças ainda estão descobrindo o mundo e isso, realmente, é um pouco assustador.

Apesar de convivermos com tais inseguranças e questões, o fato é que o exercício da autonomia é fundamental para a construção de uma personalidade saudável. O ambiente escolar, bem como a estrutura familiar têm papel importante neste processo de oferecer às crianças possibilidades de explorar, tentar, formular hipóteses, construir raciocínio, adquirir maturidade corporal e resolver problemas. É por meio do exercício da autonomia que as crianças serão capazes de compreender a responsabilidade de cada atitude tomada e as consequências geradas a partir de cada decisão. Essa construção será importante ao longo de toda a vida e possibilitará às crianças crescerem e se tornem adultos capazes de solucionar conflitos e arcar com as próprias decisões.

É papel do adulto distribuir responsabilidades, de acordo com a faixa etária das crianças; deixá-las tentar realizar alguma tarefa cotidiana sem ajuda; incentivá-las responder ao questionamento do outro, a partir da formulação de hipóteses sobre determinado assunto e valorizar a criatividade, de cada uma, na construção do raciocínio.

Diante do momento que vivemos, buscamos possibilidades de construirmos e estimularmos o desenvolvimento de atitudes autônomas de nossas crianças. Como sabemos, são muitas as questões que são colocadas neste período atípico e o convite que fazemos, enquanto educadores, é continuarmos trabalhando coletivamente para que nossas crianças sigam ganhando autonomia.

A tecnologia, certamente, tem sido aliada no processo de socialização e nos convocou para reinventarmos, diariamente, as possibilidades de trabalho e construção da autonomia na Educação Infantil, oportunizando o contato das crianças com seus amigos e professores e permitindo que façam, dos períodos de aulas remotas e de momentos de escuta com as professoras, espaços para partilharem sentimentos e emoções, formularem respostas e hipóteses e, também, para se apropriarem, de maneira cada vez mais autônoma, de novas ferramentas.

Esperamos que, dentro desta realidade, possamos, cada vez mais, aprender com as crianças e suas vozes na primeira infância. Afinal, não somente elas ainda estão descobrindo o mundo, mas nós também. Neste momento, com certeza, a percepção delas diante da realidade e a garantia de espaço para o compartilhamento de ideias e opiniões, não só oportuniza um crescimento emocionalmente mais saudável, mas, também, nos convida a ressignificarmos a nossa relação com o outro e com o mundo.