O Senador

O Senador

Anelê Volpe, 2020


         Apesar de ser político há décadas, nunca teve tantas oportunidades de fazer tanto para seu estado. Ultimamente ele andava agitado, mais feliz do que nunca.

        Alguns mandatos como deputado federal em Brasília proporcionaram-lhe valiosas amizades. Sempre foi muito discreto, nunca quis holofotes; bastava que o deixassem circular pelos corredores do Congresso angariando ora um apoio para um projeto, ora uma foto com colegas proeminentes para sua campanha, tendo a garantia mínima para continuar por ali, sem previsão de volta à longínqua terra natal.

         Há dois anos houve sua primeira grande oportunidade com os venezuelanos, pobres coitados que fugiam de um país governado por lunáticos. Do governo federal cobrou-se uma posição humanitária, e muito dinheiro foi enviado ao seu estado – segundo ele, graças principalmente ao seu esforço político. Em plena campanha eleitoral presidencial, foi fácil se aproximar tanto de quem saía quanto de quem liderava as pesquisas. Dessas negociações, ele entendia muito bem. Tudo o que sabia e que havia conseguido era fruto daquela vida nos corredores do Congresso Nacional. E assim foi possível fazer algo pelos imigrantes, algo pelos conterrâneos, muito pela sua eleição como senador, e muito pelo seu patrimônio.

         Agora que era amigo declarado do homem, do messias, membro do alto escalão de seu governo, nada lhe faltaria. Só queria aproveitar bastante, surfando na boa onda. Mas eis que surgiu uma outra grande oportunidade: a pandemia. Político que se preza agarra com força a chance de conseguir recursos para seus eleitores, e ele não perdeu tempo em usar sua proximidade ao homem para que seu estado recebesse mais verba para a saúde na crise pandêmica do que outros 20 estados-irmãos – ainda que este estado seja exatamente o último da federação, em número de habitantes. Isso é ou não sinal de prestígio? Ele sabia que sim.

         E assim, sob os olhares agradecidos de prefeitos, médicos e população em geral, e para orgulho de toda sua família, aplicou toda a verba em material hospitalar para o combate ao coronavirus.  E, sentindo-se poderoso e protegido, fez o que já estava acostumado desde sempre: solicitou um superfaturamento das compras, e a diferença do valor retornou em forma de patrimônio familiar. Nada diferente do que fizeram vários colegas seus. A diferença, para seu azar, é que no seu encalço estava a Polícia Federal.

         Sua história com a PF era antiga e ele sempre se safou; agora que era íntimo do homem, o que poderia temer? Mas as 5h da madrugada de um dia qualquer da semana, na sua casa na capital do seu estado, toca a campainha insistentemente. Mas que diabos, onde estão os seguranças? Pois eram os seguranças. A empregada bate à porta do quarto e sua mulher, ainda ensonada, levanta para atendê-la. Dona Selma, o Carlos disse que a polícia está aí fora. Que polícia, mulher? Ele falou que é a polícia federal.

         Selma se voltou para chamar o marido, mas este já estava passando às pressas por elas, se dirigindo ao escritório. Ela não disse nada; já percebeu que ele sabia do que se tratava. Selma pediu que a empregada avisasse que esperassem, pois estavam se trocando para recebê-los. Ela colocou o vestido da véspera, escovou os dentes e se penteou rapidamente. Quando voltou, não viu sinal do marido. Ao sair do quarto, a fresta de luz na porta do lavabo denunciava onde ele estava. Ela bateu, perguntou do que se tratava e ele disse que esperasse mais um pouco para deixá-los entrar.

         Lá fora os policiais discutiam impacientes com o segurança até que entraram à revelia deste. Selma foi informada que se tratava de uma busca e apreensão autorizadas pela justiça enquanto o senador aparecia na sala para receber aquela visita indesejada. Falava ao celular com um de seus assessores em tom de voz suficientemente alto para que os policiais soubessem que essa invasão iria ser imediatamente informada aos assessores do chefe supremo. Não se abalaram. Disseram a que vieram e, após uma busca minuciosa pela casa, tendo recolhido computadores, papeis, pediram que o senador os acompanhasse até a delegacia.

         O senador parecia tranquilo, porém incomodado. Tentava demonstrar que respeitava o trabalho daquelas pessoas e que estava acima daquilo tudo. Mais uma vez iria se safar. Mal sabia ele que uma revista corporal, recentemente incorporada ao procedimento de uma averiguação, o colocaria nas manchetes do país e do mundo na pior versão que poderia ter de si mesmo.