Muito para a Cabeça

Muito para a Cabeça

Se o pulmão é o órgão sensível para essa doença da pandemia, foi a cabeça o órgão que teve que ser forte para suportar tamanha pressão. E quando falo em cabeça, refiro-me tanto àquela interna, onde formam-se os pensamentos – quanto à externa, formada pelo crânio, cabelos, rosto e pescoço.

A cabeça que pensa ficou desorientada e sobrecarregada com tamanha quantidade de surpresas, informações desencontradas, verdadeiras ou falsas, científicas ou leigas, opiniões absurdas. O que chegava a ela provocou medo, incredulidade, raiva, empatia, tristeza, luto, amor, revolta, tudo quase ao mesmo tempo. A inércia levava a pensar, refletir e decidir agir ou não, obedecer ou se rebelar. As cabeças sofreram as consequências de uma explosão sensorial com noticiários sem fim, filmes, lives, músicas, podcasts. E quando tudo era demais, curar essa cabeça exigiu mais reflexões, mais esforço e estímulos externos para o equilíbrio do que ia dentro.

Como se não bastasse todo esse conflito interno, do lado de fora também não foi fácil para as cabeças humanas. Incorporaram de forma quase permanente as máscaras sobre boca e nariz. Para a maioria, não era uma opção, era a maior proteção contra o vírus. Às vezes muito incômodas, sobrava para orelhas e pescoço suportarem esses acessórios. Ora penduradas como grandes brincos sem pares, ora enfeitando pescoços feito colares de pano.

Não tardou para que diferentes modelos e padrões de máscaras dessem exclusividade a quem as usava. Tecidos combinando com a roupa, desenhos alusivos a personagens conhecidos, até pinturas que refletiam a própria área que estava coberta, na tentativa de revelar a identidade do portador, tudo era válido para adornar aquela parte da cabeça que foi obrigada a se esconder.

Os rostos deixaram de receber alguns produtos nessa época: protetor solar e batom já não eram tão usados, embora as máscaras não protegiam de fato contra os raios nocivos do sol. Mas alguns itens não podiam ser eliminados ou substituídos. Os óculos, por exemplo. Para quem usava óculos de grau, eles viraram problema e solução. Problema, porque em geral eram embaçados pela respiração sob a máscara. Era um tal de abaixar a máscara, limpar os óculos, ficar sem óculos, não enxergar, colocar os óculos, num ciclo sem fim. Solução, porque algumas máscaras teimavam em escorregar e nesse hora os óculos ajudavam a fixá-las sobre o nariz. E aí quem sofria era o nariz, que ganhava algumas marcas indesejáveis.

As orelhas, que ficaram responsáveis por segurar as máscaras do modelo mais usado, sofreram até que seus donos souberam se adaptar. Pobres daqueles que já sofriam com suas orelhas de abano; mais evidentes elas ficaram. Mas não eram só as máscaras que nelas se apoiavam; havia os brincos, as pernas dos óculos, os fones de ouvido, as tiaras para segurar o cabelo longo, o celular quando chamava, etc. E quando tudo isso se juntava num único indivíduo? É, sofreram as orelhas tal como seus ouvidos nessa pandemia.

E assim, sobrecarregada de pensamentos e dos mais variados itens, as cabeças da pandemia tentavam seguir em pé, firmes e positivas. Nem sempre conseguiam, menos pelos penduricalhos, mais pelo o que corria dentro dela, seja pensamentos, seja o próprio virus. Era muito para a cabeça!