A Dama da Vila


A Dama da Vila

Regina é a moradora mais conhecida e querida daquele quarteirão. De fato, é conhecida em toda a vila onde nasceu e vive por mais de sessenta anos. Quantos anos realmente tem, ninguém sabe. E não há a quem perguntar, pois vive sozinha desde que a mãe faleceu há alguns anos. Filha única, solteira, sempre viveu com a mãe viúva e cuidou dela com todo o carinho que se espera de uma filha dedicada e agradecida.

Mas Regina também vive sua própria vida, gosta de bailes, forrós, churrascos, uma boa cervejinha, e teve vários namorados. Nunca namorados visíveis, mas aqueles misteriosos, talvez comprometidos, amores fugazes, proibidos. Embora não convencionais, esses relacionamentos nunca lhe causaram sofrimento; ao contrário, ela sempre encarou sua vida amorosa com muita leveza, acreditando que sua liberdade era mais importante do que uma relação que pudesse lhe provocar mais dor do que prazer. E como gostava de conhecer pessoas novas!

Seus cabelos loiros platinados e seu andar de mulher provocante, ainda que num corpo maduro de quase setenta, não passam despercebidos pelas ruas. Andando somente a pé, sem pressa, vai desfrutando do sol, das prosas e dos olhares que rouba no caminho. Provoca desejos nos homens, mas não parece proposital. Nas mulheres, vencida uma barreira inicial, desperta uma simpatia quase imediata. Sempre de bom-humor, parece não ter problema algum com que se preocupar. Muito solícita, parece gostar de todos e não distingue entre os vizinhos mais abastados, os mais pobres e os miseráveis, aqueles pedintes comuns na vila que recorrem a ela para oferecer pequenos serviços por pequenas ajudas. Enquanto alguns moradores se esquivam, ela abre seu portão para uma prosa com todos eles.

Olhando para essa mulher, fica difícil acreditar na sua história passada. Quando tinha 9 anos, teve um caso raro de câncer linfático e sua mãe moveu mundos e fundos para salvá-la. Eram uma família simples, o pai era maquinista de trem aposentado e viviam nessa mesma rua, em casas geminadas construídas para os trabalhadores da estrada de ferro, ali vizinha. Sem muito o que fazer, além de rezar para que os médicos a salvassem, a mãe prometeu aos seus santos devotos que, uma vez livre da doença, Regina iria se dedicar à vida religiosa. Pobre Regina, livrou-se da doença e teve seu destino traçado sem poder de escolha.

A vida religiosa forçada, ao contrário de revoltá-la, moldou-lhe um comportamento caridoso e resignado. Conforme o tempo passou, sua mãe se contentou em vê-la frequentar regularmente a igreja e rezar diariamente um terço aos santos milagrosos a quem devia a graça de sua vida. Afinal, precisava de alguém que cuidasse dela na velhice, pois ficou viúva tão logo Regina ficou curada.

Regina era uma garota loira engraçadinha, vaidosa e logo atraiu admiradores quando chegou à adolescência. Gostava do que provocava, mas nunca se apaixonou realmente. Certa vez um pretendente quis fugir com ela, já que a mãe seria um obstáculo muito grande para essa união. Regina concordou em fugir, chegaram a viajar para uma cidade próxima, mas ela desistiu antes que a noite avançasse demais. Desesperada, abandonou o namorado, pegou o primeiro ônibus e voltou para casa onde a mãe aguardava já um pouco preocupada. A mãe nunca soube o que aconteceu, e a filha nunca se arrependeu de ter se arrependido naquele dia. A partir de então passou a ter apenas namoros relâmpagos.

Regina trabalhou na prefeitura da cidade por muitos anos até se aposentar. Era um trabalho burocrático e entediante, mas ela fazia com que tudo parecesse prazeroso. Era amiga de todos, mas especialmente de Clarice. Dividia com ela todo seu tempo e seus segredos. Foi uma amizade de mais de 30 anos, até que Clarice morreu repentinamente num acidente automobilístico. Regina sofreu demais, sua mãe pensou que aquilo a mudaria para sempre. Depois de um tempo, no entanto, Regina decidiu que a vida era assim mesmo, e que tinha que seguir em frente, que novos amigos apareceriam, que cada dia deve ser vivido da melhor maneira e que o futuro a Deus pertence.