Sobre a Morte

Sobre a Morte

Tudo conspira para que pensemos que a morte é natural. E é, mas daí a concordarmos com isso, há uma distância enorme. E não me refiro à morte de pessoas próximas e queridas, tampouco a nossa própria. Essas são naturalmente ainda mais difíceis de encarar. Refiro-me à morte como fenômeno mesmo. Aquilo que é certo, definitivo, ao mesmo tempo imprevisível, inaceitável.

Passamos toda nossa vida lutando contra muitas coisas, tentando nos tornar melhores, mais felizes, mais realizados. E para quê? Para desfrutar um pouco mais desse tempo de luta? Claro é que não temos escolha. Toda essa racionalização de nada adianta, mas não deixa de me intrigar a capacidade do ser humano em agir como se fosse viver para sempre e, ao mesmo tempo, ser consciente do fim que terá.

Não estou defendendo qualquer outro tipo de comportamento, todo esse questionamento só me faz admirar mais o ser humano. Evidentemente as religiões têm papel determinante nessa questão; tentam dar um sentido à nossa finitude, ao menos por aqui. A maioria nos faz crer que nossa existência serve a algo ou alguém que não nós mesmos. Se somos bons ou maus, bonitos ou feios, doentes ou sãos, seja como for, servimos a alguma missão em que outros serão beneficiados – ou que seja só para louvar um deus, não importa. Ninguém, portanto, vive sem um propósito, ainda que seja para mostrar um certo lado obscuro ou ruim; afinal, não existe bem sem mal, amor sem ódio, paz sem guerra. Porém, se conseguíssemos desconsiderar as religiões e tudo que acarreta delas por um momento, será que, para um indivíduo, a morte faz sentido?

Trata-se de questão complexa e antiga, e tantos filósofos já trataram dela, quem sou eu para escrever sobre isso? Aliás, quem sou eu? É uma questão que tem muito a ver com essa história. Nos definir ajuda muito a pensar sobre nossa existência. Mas como nos definir sem nos confrontar com valores pré-estabelecidos? Como não pensar em nós mesmos como membros de uma sociedade organizada?

Sem mais rodeios, é sobre a morte que gostaria de refletir. Que sentido faz viver a caminho do fim? É por isso que buscamos sempre o prazer, seja no alimento, no sexo, na imagem refletida no espelho, na paisagem, na felicidade alheia? E o que tem a ver prazer com felicidade? Tudo? Nada?

Imagino que a questão da morte fica mais presente às pessoas que envelhecem. É natural. Mais do que a certeza do fim mais próximo, é a consciência de tudo o que não foi realizado – e dificilmente o será – que causa angústia nessa hora. Não as viagens ou compras ou posições sociais, mas a sua transformação no ser humano idealizado desde o nascimento.

Quem – e não o que – você quer ser quando crescer? Talvez essa seja a pergunta a ser feita às crianças. Sem poder respondê-la, seria interessante que a guardassem para fazê-lo na velhice, mas no pretérito: Quem você queria ser quando crescesse? Ou ainda, Quem você deixou de ser? Quem você não conseguiu ser? E mais: O que o impediu de ser quem você gostaria de ser?

E por que não nos aceitar como indivíduos únicos (que redundância!) assim como aceitamos a morte? Queremos nos tornar melhores – seja o que for que isso significa – para quê? Para contribuir para a sociedade, para fazer os outros felizes, bla, bla, bla....? E quanto a mim? Seria melhor para mim que me aceitasse como tal, sem querer mudar?

É verdade que as mudanças nem sempre são tão conscientes assim. Não mudamos por altruísmo; mudamos por que fomos forçados de alguma maneira. O retorno de nossas ações guiam nossas mudanças. Se somos bem-recebidos, reforçamos nossas atitudes; caso contrário, assimilamos o troco e tentamos mudar. Outra questão que se coloca é: até que ponto conseguimos mudar? Mudamos mesmo ou tudo ocorre apenas na superfície? Espertos, sabemos exatamente como devemos agir em cada situação, e tudo tem a ver com o que queremos de volta. Então precisamos mesmo mudar ou basta simular? E o que tudo isso tem a ver com a morte? Em que medida minha definição ajuda a aceitação do fim? Aceitar plenamente a morte transforma nossa ideia de vida, nossa autoimagem e autoaceitação?

Sem resposta para qualquer dessas perguntas, a mim parece que a aceitação plena e verdadeira da morte tiraria toda a graça da vida.

(2015)