As Máquinas

As Máquinas

É provável que nunca se conhecessem, não fossem as máquinas. Elas os unem feito uma força invisível. Quando presentes ou ausentes. Quem seriam eles sem as máquinas? Pássaros sem asas? Caçamba sem corda? Pipa sem barbante? Será que a amizade que os une é pretexto para falarem das máquinas ou estas foram obra do destino para unir amigos de verdade? Jamais saberemos.

O fato é que os homens das máquinas são crianças crescidas. Formam um microcosmo interessante. Ali exercitam os mais nobres sentimentos e gestos de solidariedade. As máquinas acima de tudo e, em cima das máquinas, seu condutor!

O grupo dos homens das máquinas, como há de se compreender, tem em comum suas máquinas. Mas, estranhamente, não é necessário possuir uma para pertencer ao grupo, ainda que pelo menos um membro tenha que ter uma máquina, caso contrário, não haveria sentido haver um grupo. Quem já teve uma será sempre membro do grupo. Seu estado sem-máquina é temporário, ou mesmo eternamente temporário. Falará dela com o respeito com que se fala de um ente querido que já se foi. E os demais hão de respeitar a perda. Quem nunca teve faz parte daqueles que admiram os demais. E eles são tão importantes quanto os outros. As máquinas têm que despertar a ambição de possuí-las, caso contrário, não seriam máquinas. Uma vez no grupo, com máquina, não necessariamente vai permanecer nele, pois há muitos fatores envolvidos na relação homem-máquina-família-do-homem. Ainda assim terá seu momento de glória quando apresentar sua máquina aos demais membros do grupo. Trata-se do clímax de uma história que começa sempre muito antes. Não importa se é a primeira máquina de um homem ou se está substituindo uma outra. Há uma certa semelhança com o relacionamento entre homem e mulher.

Ao contrário de um casamento tradicional, supostamente com ambos os envolvidos apaixonados, as máquinas não se apaixonam pelos seus homens. Afinal, não é necessário, pois eles têm paixão suficiente para manter a relação pelo tempo que quiserem. O namoro começa mesmo se o homem já estiver envolvido, seja com uma mulher, ou com outra máquina, ou com ambas. Apenas o homem observa a máquina. É provável que ele ambicione a máquina de outro. Mas, ao contrário do outro caso, aquele vai adorar exibir sua máquina e mais prazer sentirá quanto mais ela for cobiçada.

Todos do grupo dos homens das máquinas vão opinar sobre o novo relacionamento. Caberá ao envolvido sobreviver às pressões e decidir pelo mais racional. Em geral isso não acontece. Não existe decisão racional no grupo dos homens das máquinas. Eles são movidos apenas por sua paixão por elas. Uma vez concretizada a união, no entanto, todos formam um coro uníssono em adoração à noiva, ou melhor, à máquina.

Se havia uma máquina anterior, certamente há um ritual secreto, íntimo mesmo, de gratidão por parte de seu homem. É possível que ela venha a ser lembrada com alguma saudade no futuro. Mas não no momento da união com a outra. Esse momento é único e só é compreendido por aqueles do grupo.

Se há uma mulher envolvida, bem, isso não é coisa de mulher.

Viagens nas quais não levam suas máquinas não são viagens que mereçam ser relembradas. No máximo servem para descobrir caminhos que valem a pena para voltarem com elas. E, nesse caso, se for necessário levar alguém mais – necessariamente uma mulher – que ela esteja preparada: tudo será feito conforme as características e os limites da máquina, jamais dela. Que ela não estranhe se muitas vezes for tratada ou confundida com uma mala (valendo aqui o trocadilho): para a máquina, e também para o homem da máquina, é isso o que ela representa naquelas circunstâncias. No entanto, isso nunca é um grande problema para a mulher de um homem que possui uma máquina. Chegará o momento em que, se ela quer vê-los felizes – refiro-me ao casal -, vai receber aliviada a proposta de adiar aquela viagem para quando não for possível levar a máquina. Ora se isso não remete a um casamento!

(2009)