Os Sons da Saudade

Os Sons da Saudade

É incrível o poder que tem a música de nos transportar no tempo. Basta tocar uma música de determinada época do passado e pronto! Lá estamos nós revivendo todas as emoções que porventura sentimos e que nos marcaram. E por reviver não quero dizer lembrar, não. Reviver no sentido de nos transportar de corpo e alma. Enquanto a música toca, a gente é capaz até de voltar a amar uma pessoa, de chorar a perda de outra, de voltar a ser de esquerda, de odiar ditaduras, militares e alguns políticos já esquecidos, e no fim, sentir pena de si mesma por ter perdido algo que lhe era precioso.

Muitas vezes a letra da música não diz nada de especial, outras vezes, nem é compreensível naquela língua estrangeira, pode falar de uma situação corriqueira, mas que, naquele contexto do passado, foi trilha sonora de alguma situação especial. Nesses casos, a música pode lhe remeter romantismo ou perda ou protesto, ainda que sua letra não diga nada sobre isso.

Mais do que situações e emoções, as músicas do passado me fazem reviver o que eu era, e isso me traz saudade. Sinto que aquele eu se perdeu, se transformou e eu gostaria de recuperá-lo, de partir daquele ponto e seguir outros caminhos, quem sabe. Emoções que nunca mais senti, pessoas e lugares que nunca mais vi ou verei, tudo isso gera uma nostalgia que chega a doer fisicamente.

Se você tem um pouco mais ou um pouco menos de sessenta anos, deve, como eu, ter saudades dos bailinhos em clubes ou nas garagens de casas dos amigos da turma, quando tinha por volta de 15 anos. Bons tempos aqueles de inocência, quando bastavam olhares correspondidos para que todo nosso corpo estremecesse. Músicas românticas, sempre em língua estrangeira, embalavam nossas paixões e até hoje me remetem àquele tempo. Chego a sentir ainda hoje, quando as ouço, as mesmas emoções daqueles encontros.

Se fecho meus olhos, sou capaz de sentir o corpo de meu parceiro de dança, suficientemente próximo para que faíscas geladas transpassem meu corpo e levem minha mente de volta aos lugares romanticamente imaginados naquela época. Minhas mãos suam com a lembrança do encontro com a mão que me levava pelo salão, misteriosamente sinto um perfume marcadamente masculino que já não se encontra mais, e, na boca, um gosto de chiclete misturado com um aperitivo de martini branco. Meu corpo volta a ter quinze anos apenas e bailo pela sala, tentanto eternizar aqueles momentos até que a música chegue ao fim.

O que a vida me deu após aqueles dias quase nada tem a ver com meus sonhos de então, por isso, um dos meus maiores prazeres hoje é ouvir os sons daquele tempo e que me trazem, num passe de mágica, além daquelas pessoas, minhas mais puras sensações.

Teriam as emoções memória auditiva? Teria a música um poder hipnótico? O que produzem, além do som, as ondas sonoras no nosso cérebro? Impregnam-se quimicamente às emoções e essas à memória? E qual o critério para que uma música, e não outra, uma certa emoção, e não outra, marquem tão profundamente nossa memória?

Que bom que não temos (ao menos não eu) respostas para todas essas perguntas! Dessa forma, permanece o mistério e permanece a delícia de ser surpreendida por esse revivenciamento.