O Preferido

O preferido

 

 

Entre os filhos, sempre há um preferido da mãe. A menos que só haja um, único. Todas as mães negam, mas isso faz parte de ser mãe. Eu acho que em situações ideais, quando não há filhos doentes, por exemplo, a escolha do preferido é, em geral, bastante óbvia. Assim como é óbvio que não seja deliberada, consciente. A preferência deve surgir naturalmente, mas creio que há alguns fatores que geram um certo padrão. Se há filhos e filhas, a preferência da mãe deve recair sobre um dos filhos, pode ser o mais velho, por ter sido o primeiro, pode ser o mais novo, se for um caçula temporão. Se for só um filho, então não há qualquer risco de não ser o próprio. O fato é que a diferença dos sexos de mãe e filho é determinante - pelo menos durante boa parte da vida do filho e bem antes do fim da vida da mãe.

 

A mãe de menino é forçada a entrar num mundo diferente, masculino, cheio de descobertas para ela. Só não podem ser muitos, nem ser só meninos, pois aí a mãe fica cansada do mundo masculino ao mesmo tempo em que fica obcecada  nas meninas que não teve. E como até a adolescência o filho é naturalmente mais apegado à mãe do que ao pai, fica fácil criar uma relação diferente de tudo o que ela já viveu. Por exemplo, se ela teve irmãs mais novas, provavelmente vai preferir variar e cuidar de um menininho. Se teve irmãos mais velhos ou não muito mais novos, provavelmente sempre achou misterioso e mais poderoso o mundo deles – até porque deve ter notado a relação diferenciada de sua mãe com eles. No entanto, em grande número de casos, quando ela pensa que está no controle, o adolescente muda de rumo, identifica-se agora com a figura masculina do pai, e aquela relação perde toda sua força. É natural, portanto, que no fim da vida, se necessário for, serão as filhas que se aproximarão da mãe, respondendo ao instinto feminino de cuidar, acarinhar, acolher.

 

Minha mãe teve oito filhos e, por isso, teve o direito de ter mais de um preferido. Arrisco dizer que teve três, cada um em uma fase diferente da sua vida. Três filhos e cinco filhas deram a ela um leque variado de opções. Não foram os três filhos homens os preferidos, mas foram dois deles e mais uma filha. Um filho era o primogênito, e foi único por oito anos, portanto, natural que assim fosse. O outro, já o sexto e último homem, com outras razões para lhe conquistar especialmente. A filha, a sétima, seu anjo da guarda no fim da vida.

 

O preferido durante a maior parte da vida de minha mãe foi o sexto filho. Quando o primogênito saiu de casa, o sexto filho tinha uns sete anos, todos eram nascidos, e minha mãe deve ter sabido que não haveria outros. Mas esse irmão era realmente muito bonitinho e acho que, ao contrário de vários de nós, era muito carinhoso também. Menos racional, menos duro, mais sensível, descontraído, mais meu pai do que minha mãe. Acho que tudo isso a atraía. Assim como atraiu muitas mulheres depois. Ser o preferido não quer dizer que era o mais perfeito em tudo. Ao contrário, foi o que mais deu trabalho na adolescência, não queria estudar, nem trabalhar, e dormia muito. Comparado com os outros irmãos, era de fato um garoto-problema. Mas para a minha mãe nada disso parecia importar, ela o achava o máximo, mesmo o expulsando de casa certa vez. Devia estar com o coração partido, coitada. No final, tudo se resolveu, e após uma carreira de músico, ele se formou e, para a alegria de mamãe, seu jornalismo o levou à TV. Grande orgulho!

 

Mas a longa adolescência nos conturbados anos 70 deixou suas marcas. Vida desregrada e desgarrada, 5 filhos de várias uniões, tudo contribuiu para que ele se tornasse também o preferido de nossas preocupações. É difícil dizer se aquela preferência contribuiu para torná-lo diferente. Não acredito. Mas é curioso que justamente ele tenha se destacado de diferentes maneiras entre todos nós. Vivendo longe da mãe, com o tempo, passou a ser sua mais doce lembrança, sua mais doída decepção. Eu acho que se ela pudesse escolher um de nós para o último adeus, teria sido ele. Mas ela o poupou disso. Seria uma lembrança muito penosa para o seu preferido, que, ao contrário do que ela gostaria, mal conseguiu suportar o que fez de si próprio.

 

Hoje, em outro plano, a mãe feliz tem seus dois filhos preferidos perto de si eternamente.

 

04/02/2015