Presente sem Fim

Presente Sem Fim

O vírus chegou, não sei se só ou acompanhado, se instalado ou pelos ares. Só sei que pareceu vir numa onda, previsível e esperada, com o medo surfando um pouco à sua frente. Já o aguardávamos ansiosos. Lavamos as mãos, vestimos máscaras e abraçamos o medo. Mergulhamos na solidão de nossos lares e de nossas almas, e ali ficamos à espera de um desfecho. Alguns se escondendo, mas a maioria enfrentando, seja por necessidade ou incredulidade.

O tempo foi passando e um certo torpor tomou conta dos dias. O que era para durar um tanto, se estendeu mais e mais. Durou tanto que certo dia amanhecemos como se assim sempre fora. Já não tínhamos para onde ir, quem encontrar, o que ansiar. Vivíamos em comunhão com o inimigo que conhecíamos intimamente, sem nunca tê-lo visto. Não o queríamos, mas já não o temíamos.

O que foi prometido provisório e breve mostrou-se definitivo e desolador. E como seres adaptáveis que somos, os que sobrevivemos ao vírus nos encontramos num indesejável presente, rumo a um futuro mais incerto do que nunca. A incredulidade deu lugar a um medo silencioso e impronunciável quando números tornaram-se rostos e nomes. De repente, éramos espectadores incrédulos de nossa própria rotina, e todos nos tornamos passageiros de um mesmo imprevisto. Descobrimos, da pior forma, o valor da confiança num futuro melhor.

O mundo se reduziu a uma aldeia invadida por inimigos invisíveis, com poucos soldados a protegê-la. Seus habitantes, igualados pelo medo e paralisados pela impotência, experimentamos o início de uma nova era. Uma era em que sonhar com o futuro passou a ser apenas desejar um presente sem pandemia.

Num mundo onde impera o medo, de repente, o passado passa a ser o futuro e o presente não tem fim.