Nem todo problema tem solução

Nem todo problema tem solução

 Anelê Volpe, 2022


Querem nos fazer acreditar que todo problema tem solução. Pode ser enorme, difícil, complexo, levar muito tempo, mas a solução existe, basta encontrá-la.

Ao contrário disso, estou convencida de que nem todo problema tem solução.

No meu bairro há uma rua com um eterno problema no asfalto. É um declive, quase um buraco, que obriga os carros a reduzirem quase a uma parada para passar sobre ele. O motorista se dá conta do problema pouco antes de passar por debaixo de um pontilhão de linha férrea, antigo, estreito e movimentado, que ele quer ver pelo retrovisor o quanto antes. A propósito, a rua é estreita e de mão dupla, o que torna o desvio do declive impossível.

É raro passar um mês sem que haja alguma obra nessa região. Quer seja porque houve um alagamento devido à chuva, quer seja um desmoronamento dos muros que isolam um terreno baldio que fica acima do nível da rua. Quando chove muito, o terreno encharca e derruba o muro, que avança na rua e interrompe o trânsito.

Tudo leva a crer, portanto, que há um problema de excesso de água, só que não na superfície, mas embaixo dela. E todas as obras feitas solucionam o problema apenas temporariamente. É porque ele não tem solução? Não. É porque o problema não se limita ao problema propriamente dito. Ele inclui igualmente quem cabe solucioná-lo. E essa variável do problema impede sua solução. Seja por incompetência, por falta de vontade política, má gestão ou avaliação, o motivo que for, longos anos já demonstraram que essa parte do problema é insolúvel. Logo, jamais haverá solução completa para o problema, pelo menos não pelo período de toda vida de muita gente.

E, como esse, há vários outros problemas sem solução. Alguns, cujas formulações envolvem dezenas de variáveis, são muito mais complexos. Ainda assim, nos fazem crer que solucioná-los é só uma questão de vontade, tempo, dinheiro, dedicação, votos. Veja o caso do nosso país. Problemas antigos povoam nossos corações e mentes desde que cada um de nós nasceu. E não é incrível que, de tempos em tempos, nos são apresentadas soluções a todos eles? Não, isso não é incrível, é completamente compreensível que isso seja usado para obter votos para eleição. Incrível mesmo é nossa total falta de percepção de nosso papel nas equações desses problemas.

Nos fizeram acreditar que as virtudes de nosso país e de seu povo são fruto de atos heroicos de poucos de nós, que surgem com suas armas sempre que estamos à beira do abismo, para nos salvar de algum grande inimigo ou para resolver nossos grandes e antigos problemas. Nessas horas, o herói da vez nos faz esquecer os heróis passados, muitas vezes demonizando-os, e procura disfarçar-se com roupas novas e discursos tão antigos quanto nosso costume de passar uma borracha no passado e seguir em frente.

Eleito o herói da vez, a ele caberá resolver todas nossas mazelas. E quando nos lembrarmos dos problemas novamente, eles não mais serão nossos, mas, sim, de alguém que deve resolvê-los. Como se nós não fossemos parte deles, como se não fossemos uma importante variável de suas equações.

Nosso desafio é saber qual é nossa posição na equação da solução: somos o desnível no asfalto ou somos quem deve consertá-lo? Somos o fogo na floresta, o educador na sala de aula, ou o político ganancioso? Somos o pedestre atropelado, o motorista embriagado ou o policial armado? Somos a criança indefesa, o adulto pedófilo ou o espectador atônito?

De fato, somos todos eles, e a dificuldade em formular soluções para problemas tão complexos os coloca na categoria de problemas sem solução. Pelo menos, sem uma solução completa, ou pelo menos, sem solução pelo período de toda a vida de muita gente.