Muito prazer, Paúba




Muito prazer, Paúba

Anelê Volpe, 2024

Me chamam de praia, mas sou muito mais que isso. Sou rio, mar, areia, mata, sertão, vila, animais e gente.

De todas as praias do Atlântico, sou uma das mais charmosas: 500 metros de areia branca e macia, destino de incansáveis ondas, ora pequenas e tranquilas, ora grandes e violentas. Dois grandes morros cobertos de vegetação me ladeiam e me dão essa forma arredondada que abraça meus visitantes. Quem só olha para cima e não presta atenção nas pedras que ficam entre morro e mar, perde o espetáculo das tartarugas marinhas que me visitam. Mas não só elas. Com menos frequência, baleias, pinguins, golfinhos passam por aqui, para o deleite de quem os vê e para o desespero dos muitos peixes que aqui habitam.

O rio que me empresta o nome traz suas águas para se encontrarem com as águas do mar numa das extremidades da praia. Ao gosto das ondas, o rio adoça levemente as águas do mar, que responde temperando suavemente as águas do rio. As areias, sujeitas a um e a outro, desenham a cada dia um leito diferente: estreito ou largo, escondendo ou revelando pedras e pequenas praias sob a mata que o ladeia. Mas o tímido rio tem seus dias de cheia, e é quando lava a vila e invade o mar. São avisos que dou de tempos em tempos, mas não parecem efetivos.

Os coqueiros que separam minha praia da vila não são meus, mas me enfeitam e eu fico muito bem nas fotos. E eles dão sombra a quem contempla minhas águas, as ilhas no horizonte, os barcos que me navegam e o por do sol que me torna ainda mais encantadora. No verão, ele mergulha lentamente sobre minhas águas, e no inverno prefere se deitar atrás dos morros. Nunca desaponta meus visitantes. E, quando voltam seus olhares para trás, encontram um exuberante trecho da Mata Atlântica que completa o adorno verde que me contorna.

Me identifico com os caiçaras que vivem por aqui. Não precisam de muito, e nem desejam muito. Sobrevivem com pouco, fazem de tudo um pouco, constróem suas casas feias e deixam que se deteriorem; não se apegam. Deixam para os turistas ricos a tarefa de transformar a vila, trazendo consigo suas mansões, seus muros, suas piscinas e suas próprias plantas. Condomínios fechados reproduzem fielmente suas vidas fora daqui e ironicamente os protegem de tudo aquilo que vieram procurar. Têm orgulho ao pensar que são fonte de renda para os moradores locais. Mesmo juntos e misturados nas minhas areias, em trajes de banho, é muito fácil distinguir uns dos outros. Meus moradores são sempre os serviçais, os carregadores de cadeiras e guarda-sóis, os garçons dos trailers, os vendedores de picolé, de queijo coalho, de artesanato, de tapetes e redes, de amendoim, os pescadores com suas canoas e redes. Meus moradores quase nunca tomam banho de sol ou de mar. O sol para eles é sinal de trabalho e o mar é fonte de renda.

São várias as tribos que circulam por minhas ruas e areias. Hippies que fazem e vendem artesanato vêm de outras praias, ficam por um tempo e se vão. Deixam para trás improváveis tererês em cabeças que jamais pensarão como as suas. A comunidade dos espiritualizados aqui se encontram e encontram aqui a paz que proclamam e procuram. Há os músicos dos saraus na varanda da casa amarela pé-na-areia, os surfistas que me procuram sempre que minhas ondas estão grandes e eventualmente trazem seus campeonatos e alguns surfistas famosos, as crianças que preferem meu rio ao meu mar, os que atravessam o morro que me separa da praia vizinha, parando para me admirar a partir dos mirantes, os banhistas que caminham várias vezes meus 500 metros de praia, ansiosos por compensar as horas de academia que deixaram de fazer, os que vêm apenas ver o por do sol, os que se contentam apenas em passar horas admirando meu horizonte, os cachorros livres da vila, que gostam de minhas águas e se dedicam a tentar alcançar aves ou embarcações inalcançáveis.

Mas há vida ao atravessar a estrada também. A maioria dos meus visitantes desconhece meu sertão, mas ali tem escola, tem moradia, tem trabalho e tem cachoeira, que natureza nunca é demais. Ali no sertão, sem o glamour da praia, a realidade dos caiçaras se assemelha mais com a dos desfavorecidos do país. A estrada que liga Santos ao Rio de Janeiro divide sonho, do lado do mar, e realidade, do lado do sertão, numa relação de dependência mútua que ignora os limites que a natureza impõe.

Dizem que sou um pedaço do paraíso; são olhos pouco treinados. Sou um microcosmo, uma miniatura deste país. Existo para dar prazer a alguns poucos. Muito prazer, Paúba.