Teias da memória: o resgate do corpo torturado no romance Em Câmara Lenta, de Renato Tapajós

Gabriela Rocha Rodrigues

UFRGS

 

 

Este trabalho objetiva analisar o trauma, a ferida na memória, segundo Freud, no romance Em Câmara Lenta (1977), de Renato Tapajós. Nesta obra o narrador utiliza a técnica do flashback e do flashfoward para reconstituir a imagem do corpo dos guerrilheiros e denunciar a barbárie ocorrida durante o regime militar de 1964 no Brasil. Uma alucinatória compulsão à repetição é um dos vieses marcantes do romance de Tapajós: o fluxo incontrolável da memória faz com que o narrador represente seis vezes ao longo da narrativa a prisão da companheira Ela, principiando de forma fragmentada e desconexa, até atingir, paulatinamente, o que será o desenho completo da perseguição, prisão, tortura e morte da personagem. O corpo é o meio utilizado para resgatar as memórias oriundas do trauma, pois a imagem do corpo dilacerado pela violência e pela tortura equipara-se à mente do sujeito traumatizado: as memórias fragmentadas pela dor do trauma resistem e retornam incessantemente operando também uma espécie de violência contra o sujeito. No entanto, o corpo reconstruído também simboliza a coragem de enfrentar as visões aterradoras do passado e transmutá-las em narração, o que exprime um tipo de reelaboração positiva da memória e, sobretudo, a força criadora dos sobreviventes.