Machado de Assis: autoria e citação

Prof. Dr. Antônio M. V. Sanseverino

UFRGS

A partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis aprimora a construção de um narrador em primeira pessoa, que ganha autonomia. Em processo de desidentificação, esse narrador não-confiável pode ser lido a partir de sua identidade ficcionais e das circunstâncias de produção. Essa construção narrativa percorre contos, crônicas e romances. Dois traços aparecem de modo recorrente nos diferentes gêneros: a citação e a ironia. No primeiro caso, enquanto leitor, o narrador se apropria da cultura letrada e constrói seu texto a partir do desvio, do deslocamento, da alteração da tradição. No segundo caso, o traço corrosivo da ironia faz com que o gesto da citação seja o ato profanador de obras canônicas. Assim, Na arca é um conto que dessacraliza o  Antigo Testamento e devolve o texto bíblico ao uso comum. Encontramos algo similar no romance já citado e em várias crônicas, quando a criação literária passa pela leitura e pela apropriação profana da tradição canônica.