O(cupim)ção: um arranjo estético de corrosão

Raquel Alquatti (UFRGS/CNPq)

 

Busco neste trabalho refletir sobre a forma estética de resistência materializada nas ocupações de espaços urbanos. Trata-se de pensar nos efeitos que este arranjo estético produz pela singularidade de sua formatação. Tenho como ponto de partida o caso de ocupação de um prédio público abandonado há dez anos no centro de Porto Alegre que a um ano abriga cerca de setenta famílias que se organizam sob o nome de Ocupação Lanceiros Negros. Para problematizar este arranjo, trago como metáfora a imagem de uma infestação de cupins, como uma praga urbana corriqueira que insiste em habitar nossas moradias, tomando pouco a pouco móveis, portas, rodapés, janelas e paredes. No campo da Análise de Discurso de vertente francesa a língua é tomada como uma estrutura, base material pelo qual processos discursivos podem se estabelecer. Proponho pensá-la como madeira onde se materializa a homogeneidade lógica do sentido sobre as coisas do mundo. Espaço onde a dominação ideológica trabalha pra solidificar a evidência de que as palavras coincidem completamente com as coisas. Entretanto, a língua só existe enquanto ato de uma “colônia” de sujeitos falantes. Nesta condição, todo enunciado pode vir a deteriorar as estabilizações lógicas, tornando-se outro. Sujeitos abrem fissuras na homogeneidade do sentido tornando porosas as estruturas que habitam. Da mesma forma, ocupar, como um modo de habitar a estrutura, diz respeito a um arranjo estético da ordem de um acontecimento. A infestação de sujeitos em um ponto da cidade funciona como um equívoco da estabilidade lógica da organização da cena urbana, mas também do modo pelo qual a luta das classes dominadas compõe sua disposição na cena política. Isso por que a dominação não é um objeto de fronteiras fixas. Resistir não concerne à derrubada de um muro. Resistir é corroer a estabilidade das relações de desigualdade que sustentam a dominação.