Texto escrito por um componente do grupo sobre troca de dinheiro.
O Sr. Capim
Havíamos chegado em Santa Rosa com poucos Pesos Argentinos devido a gastos imprevistos na cidade anterior, em Comodoro Rivadavia. Estabelecidos no Hotel Unit Santa Rosa, fomos informados que nos arredores da praça central (Plaza San Martin) poderíamos fazer câmbio.
Na manhã seguinte, após um belo café da manhã, nos dirigimos à praça em busca de uma casa de câmbio. Pesquisando no Google Maps a loja mais parecida com o que se esperava de uma casa de câmbio era a Western Union. Enquanto meus amigos aguardavam na fila fui em busca de informações de onde poderia haver uma casa de câmbio nas imediações.
Logo em frente a Western Union havia um Kiosko (uma espécie de “mercadinho”) onde entrei e dei de encontro no caixa da loja com um senhor de cabelos grisalhos bastante gentil, abaixo segue o diálogo:
Buenos dias ! Permisso, una informacion, joy estoy a necessitar cambiar dinero por pesos argentinos, aca tienes alguna loja de cambio ?
( Sim, meti um “portunhol” que aprendi ao longo de duas semanas de viagem pela Argentina e Chile, hehehe)
¿Cuánto quieres cambiar?
Mais ou menos mil dólares
(gesticulando com uma mão um sinal de mais ou menos. Na verdade eram mais de 1500, fiquei com receio de aparentar estar com muito dinheiro)
Vale, bueno, aquí en Santa Rosa no hay cambio. Pero podemos cambiar dinero aquí.
É mesmo? que bom ! (Falei em português mesmo rsrs e nesse momento ele busca uma calculadora atrás do caixa)
Mira, mil dólares cambiarei por 360 mil pesos (me mostrando o calculo na calculadora)
Apesar de ser um cálculo fácil de se fazer de cabeça, não compreendi qual era a proporção da troca dos dólares por pesos argentinos, e pedi para ele me mostrar pausadamente por quanto ele estava multiplicando. Segue o diálogo:
Si si, entendi. (360 pesos por cada dolar, duhh!). Ok Gracias. Voy a conversar com my amigos que estão lá fora para podemos combinar e cambiar aca. Como se chamas su nombre amigo?
Mi nombre és “Rôro”, en portugués como se llama lo que comen las vacas?…éhh…..Capim!
É mesmo, nossa que curioso! legal! Bem, voy a chamar my amigos e retorno daqui a pouco, grácias.
Atravesso a rua de volta a W.U. e repasso a informação que em Santa Rosa não tem casa de câmbio (de fato não encontrei nenhuma no Google Maps, somente bancos e a W.U. onde poderíamos talvez fazer câmbio) mas que naquele Kiosko onde entrei ele poderia fazer câmbio para a gente, informei a taxa de conversão, todos concordaram que estaria uma taxa razoável e então decidimos fazer o câmbio no Kiosko.
Nós três adentramos o Kiosko e novamente encontramos o Sr. Capim. apresentei meus amigos e então começamos as negociações propriamente ditas. Ele perguntou quanto cada um queria cambiar e disse que cambiaria notas que estivessem em boas condições, que não tivessem rasgadas, rasuradas ou manchadas, que se não seriam difíceis de serem passadas adiante.
O primeiro amigo começou mostrando os dólares dele, queria trocar US$ 220, mas só foi possível trocar US$120 dele, dado o estado das notas.
De mim, seriam US$ 1300 (sendo U$1200 de outra companheira de viagem, onde no dia anterior combinamos usar os dólares dela para pagar as despesas de maior volume rateados entre todos, abastecimento e hospedagem dos dias restantes até a divisa Argentina/Brasil, reembolsando-a ao final da viagem). Ele conferiu e tudo certo.
Do outro amigo, US$ 100 e também sem problemas. Sempre ao final de cada conferência dos dólares, o Sr. Capim informando o valor em Pesos Argentinos para cada montante de Dólar.
Até aqui tudo estava ocorrendo bem, num clima bastante amistoso de ambas as partes, mas é aqui que as coisas começam a mudar. Ele de posse de nossos dólares se direciona para um corredor ao lado do caixa e trás sua esposa para ficar no caixa, enquanto no nosso entendimento todos iríamos para a parte de trás da loja fazer o câmbio. Quando começamos a caminhar em direção ao corredor ele nos interrompe e diz:
NO NO NO, Solamente um, los otros aguardam aqui.
Meus amigos…neste momento, se vai todo o clima amistoso e paira a tensão e o suspense do que estaria por vir. Na minha cabeça já passa todo um filme de máfia, uma música de trailer policial. “É agora que eu vou morrer…esse cara vai nos assaltar, talvez até me matar, não sei!”
Eu estava à frente de meus amigos, ainda na primeira metade do corredor e eles mais atrás, ainda no hall de entrada do Kiosko. Continuei entrando pelo corredor, tentando manter contato visual com meus amigos. Sr. Capim à frente pedindo para continuar a frente e a esquerda, daí em diante já sem contato visual com meus amigos, contando com a própria sorte para com os acontecimentos por vir em breve.
Para aumentar ainda mais o clima de tensão e suspense, o Sr. Capim começa a descer uma escada íngreme, estreita e pouco iluminada dizendo:
Vamos, tendremos que descer até al sótano.
Eu pensando: “É agora, vai dar merda…vai, vai dar merda”. Ao final da escada uma porta. Ele adentrou o cômodo e eu perguntando onde era a luz, terminando de descer as escadas e tentando achar o interruptor. Ao também entrar no cômodo, onde haviam dois ambientes, um na penumbra e o outro ao lado um pouco mais claro, eu tentando ver se havia outra pessoa neste segundo ambiente, já pensando ser uma espécie de “emboscada” enquanto isso ele no fundo do primeiro ambiente apontando para a parede para que eu acendesse a luz.
Luz acesa, e ele no fundo do ambiente e eu não ter visto mais ninguém fez com que baixasse um pouco o clima de tensão. Aqui começo a me situar onde estava. Em um ambiente de cerca de 5x4 metros, com bastante coisas jogadas pelo chão, formando apenas um corredor até o fundo da sala onde lá estavam um cofre, uma máquina de contar dinheiro que ele faz questão de apresentar, pois segundo ele não poderia deixá-la na parte de cima da loja para não “chamar a atenção”. Na parede de fundo havia caixas e mais caixas de charutos empilhadas, formando quase uma meia parede de 1 metro de altura. Em minha direita uma estante de livros que tomava quase toda a parede, uma escrivaninha onde ele se sentara e então começava a tirar da estante mais outras caixas de charutos, e nestas, bolos e mais bolos de notas de 1000 pesos. a nota de maior valor deles que em câmbio do dia, valendo pouco mais do que 15 Reais.
Neste momento, aquele clima de tensão que estava em uns 100% baixou para uns 30%, novamente o semblante e jeito daquele simpático Sr. Capim que conheci se tornam presentes e daí começamos as tratativas de contagem de dinheiro pela máquina.
Ele começa pela contagem em pesos dos mil e trezentos dólares que estavam em minha posse. Ao todo 468.000 Pesos. quase meio milhão!, sendo contados em 4 montes de 100 mil, mais outro de 68 mil. Aponto para uma sacola perguntando se poderia usá-la e ele gentilmente me cedeu seu uso. Guardei tudo na sacola, deixando ela ao alcance de minhas vistas e mãos.
Em seguida para a contagem dos pesos do segundo amigo. Forma-se um pequeno bolo de 36 notas de 1000 pesos, peço uma liga para fazer um bolo, dobro e ponho em meu bolso direito.
E por fim, a contagem dos pesos do primeiro amigo, 43 notas de 1000 pesos e mais uma de 200 pesos. Peço mais uma liga e peço também para que ele coloque a nota de 200 por fora do bolo, para poder diferenciá-lo facilmente. Coloco em meu bolso esquerdo. Por fim recolhi a sacola com o montante maior e trago para junto de meu corpo, pois ali era a garantia do abastecimento e hospedagem de todos até o fim da viagem.
Conversamos brevemente algumas amenidades, agradeci pela negociação e então começamos a sair do ambiente, eu a frente dele, pois ele haveria de trancar a porta do subsolo. Novamente sobe o nível de tensão, para uns 50% eu diria, pois eu estava de costas para ele, com dinheiro, mas ainda dentro de seu estabelecimento, e sem saber como estavam meu amigos na parte de cima, “Será que eles estão lá?”, “Será que alguém rendeu eles?”, “Será que foram dominados, amarrados, amordaçados e pendurados de cabeça para baixo e eu serei o próximo?”....tudo isso passou pela minha cabeça enquanto subia as escadas. Ao voltar para o corredor e retomar o contato visual com eles pude respirar aliviado, tudo deu certo até então.
Então no hall de entrada do kiosko conversamos mais algumas amenidades com o Sr. Capim, falamos de nossa viagem, agradecemos mais uma vez pela negociação e saímos de seu estabelecimento.
Eu ainda em um clima de tensão, com a pressão da responsabilidade de estar portando todo o dinheiro de nossa volta até o Brasil, fomos caminhando de volta para o carro, preocupado se não estávamos sendo seguidos (ainda estava remoendo o fato de dois dias atrás nossos veículos foram arrombados e roubados alguns pertences de valor, o senso de alerta e perigo estava bastante ativo). Enquanto caminhavamos para o nosso veículo, fui relatando para meus amigos o “filme de suspense”, no mínimo um documentário do que tinha acabado de viver.