Exposição "Corpo-cas(c)a", de Carlos Toigo e Lara Klinger (RS)
Poesia A
Nos anos passados eu morri
Sou uma miserável!
Minha mente e meu corpo se violentam mutuamente
Para dar conta do absurdo, escrevo-o no papel e inscrevo-o no sintoma
Não me sinto pessoa, nem animal
Minha existência apenas tem o significado que lhe atribuo
E, sendo miserável, faltam-me forças
Mas talvez seja na fraqueza e na vulnerabilidade que haja alguma honestidade
E me surpreendo ao ser atravessada pelo efeito de Belo ao contemplar uma parede
que sustenta mais prantos do que a mesa
E eu estou aos pratos!
Assim sei que ainda há algo de vida
Mas, quando morro de amor - sem amar e sem morrer
Entrego tudo e ao mesmo tempo coisa nenhuma, alienando-me do meu próprio Desejo
E penso sobre pensar e sonho um sonho dentro de um sonho, dentro de outro sonho...
Encaro o abismo com uma esperança solitária e perigosa para uma mulher como eu ter
Uma vez que para o sofrimento só há saída temporária
E quando a areia na ampulheta termina de escorrer
Já é hora de encarar os furos e o que e(s)coa por eles - respiro
Pois se não é possível respirar, é possível amar?
E se não sou miserável, sou o quê?
O que serei quando for outra?
Como ser no mundo
Se não sei mais ser no meu corpo sem o mal-estar, o desconforto, o estranhamento?
Como andar com pernas que são como blocos de concreto
Em um mundo que um dia parou
E eu não desci?
Até ser parada de dentro pra fora
- descida forçada
Nos anos passados eu morri.
Poesia B
Na calada da noite eu me dano
Estou perdida num labirinto de espelhos
E a saída está adías de distância.
Poesia C
Atam-me
Diante do espelho eu vejo
Que não há por onde escapar:
As demandas infinitas da vida
Mata(m)-me ao contrário.
Poesia D
O que é casa e o que é corpo?
O que é casa e o que é corpo?
Em que momento me tornei parte do mobiliário, da estrutura, da decoração e da bagunça?
As ambivalências que antes se restringiam à esta estrutura de carne e ossos
Estenderam-se ao meu lugar seguro, minha metáfora pessoal de útero materno - lar
E o isolamento forçado me faz desejar conexão
tanto quanto socialização obrigatória me faz desejar
Silêncio
O que sinto, será solidão ou solitude?
Ou são as duas coisas, entrelaçadas?
Consigo viver comigo mesma?
Consigo viver com quem suponho amar?
Consigo amar?
Consigo viver?
Consigo sentar para um chá com meus demônios?
Consigo tomar um chá com os demônios alheios?
Não crendo em inferno ou paraíso,
é no movimento das oscilações que as coisas de vida acontecem
Na repetição,
paraliso.
Poesia E
Flutuei no céu como se fosse
Hoje sonhei com ontem
quando saí do útero com alguma demora
E amanhã não consegui sair da cama a tempo
Perdi a hora de pegar o trem
e ir dizer para o patrão em cima da estante
Que não há razão para sair do berço
Se o destino é o caixão
Mas parei e pensei, por um instante, Então
desisti de colocar minhas patinhas de volta
no chão
E passei o resto do tempo na parede,
como uma quase obra de arte
Um quase Grito de espanto
Uma quase Mulher
Uma quase Sujeita
Uma quase Coisa
Num Canto
qualquer
Até quase apodrecer junto com o conhecimento
que o fruto da árvore me deu
E até quase fazer engasgar com minhas tripas a Serpente
que me comeu
Mas parei e pensei, por um instante
Então desisti de vestir minha velha roupa de volta
e fui dar uma volta para fora do meu lugar seguro
Com a pele que eu visto agora, pós-troca:
Entrelaçamento de passado, presente e fu(tu)ro.
Poesia F
Quero viver do meu próprio veneno
Às vezes temo a morte
Às vezes é só o que desejo
Mas não importa se a temo ou se a desejo
Sei que está sempre à espreita
E em alguma virada de esquina
Encontraremos-nos
E quando a temo
Temo a falta de tempo
Para resolver pendências
Como meio poema escrito
Ou meia palavra dita
Ou meio bagunçada a casa
Ou o pote de comida dos gatos meio vazio
E quando a desejo
Desejo porque são insuportáveis as exigências
São frequentes os desencontros
São massacrantes os pesares
Está enredada demais a trama
Mas o que não percebo
É que quando a desejo
E sinto que nada mais importa
Que alguém mais pode limpar a casa
E alimentar os gatos
E terminar o poema
É porque já estou morta.
Mas veja só:
Independentemente do que se teme ou se deseja
(ou ambos, paradoxalmente)
A casa nunca permanece limpa
Os gatos estão sempre com fome
A palavra pode ser meia ou inteira,
Mas para bom desejador, meio poema basta.
Poesia G
Pernas-pra-que-vos-quero
Pernas e poemas… Para que vos quero?
Para circular em qualquer outro espaço
que não seja ao redor da minha cama
e ao redor do meu próprio umbigo.
Quero-vos para dançar e correr,
mas não fugir.
Quero-vos para não morrer mais.
Poesia H
Co(r)po meio vazio
Que bebida sacia
esse tipo de sede?
Que alimento mata
esse tipo de fome?
Que ombros amparam
essa cabeça pesada?
A bebida amarga está servida no cálice que eu afasto de mim mesma
mas em meu copo suado só há gotas de seco.
Eu vejo o corpo meio vazio.
Poesia I
Só sigo o mapa do tesouro do meu corpo
Cem meias palavras
(Ar)riscadas
Na parede de outra vida
Onde a infância
Virou depósito
De onde se retira e para onde se
retorna.
Num amanhã que foi ontem
Eu-objeto ao risco de vida
E – no desenho do mapa do tesouro do meu corpo -
Alguns traços tortos convocam à loucura
E confirmam
Que não é possível viver sem riscos.
Poesia J
Paradoxo da alteridade
Se uma árvore cai
Na floresta
E ninguém está lá para ouvir
Ela faz barulho?
Se meu barulho cai
Numa festa
E ninguém está lá para ver
Ele faz corpo?
Se o meu corpo cai
Numa fresta
E ninguém está lá para segurar
Ele existe?
Eu existo se ninguém souber de mim?
Eu existo se ninguém me ver
ouvir
tocar?
Você existe se eu não te ver chegar?
Poesia L
Em nome do gozo ou do trauma
Se ando em nome do gozo
ou do trauma
Distancio do desejo e da escolha
E ando em círculos
ao redor do meu próprio umbigo
Depois de ser consumida por completo
E não me restar mais nada.
A marca dos meus passos circulares e repetitivos
está visível a corpo nu
Mas já não se pode perceber minha nudez
pois estou vestida com essa estúpida roupa de humana
Nem posso sentir minhas pernas e pés
pois estão queimados e furados
Nem tenho mais corpo para compartilhar
Foi devorado e não recebe mais visitante
encolhe-se ao redor do próprio útero
(morada de ninguém)
barrado, protegido por espada flamejante
Que corta e queima quem já foi expulso do paraíso
e que às vezes faz pressão para retornar.
Mas uma vez que escolher significa renunciar
E que desejo implica responsabilidade
Bancar a desobediência é o inferno
E o inferno é o lugar onde o artista pode
Ser.
FICHA TÉCNICA
Fotografia A - Ficha técnica: “Estou aos pratos!” Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Fotografia B - Ficha técnica: “Labirinto de espelhos” Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Fotografia C - Ficha técnica: “Atam-me” Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Fotografia D - Ficha técnica: “O que é casa e o que é corpo?” Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Fotografia E - Ficha técnica: “Flutuei no céu como se fosse pássaro” Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Fotografia F - Ficha técnica: “Quero viver do meu próprio veneno” Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Fotografia G - Ficha técnica: “Pernas-para-que-vos-quero” Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Fotografia H - Ficha técnica: “Co(r)po meio vazio”Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Fotografia i - Ficha técnica: “Só sigo o mapa do tesouro do meu corpo “ Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Fotografia J - Ficha técnica: “Paradoxo da alteridade” Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Fotografia L - Ficha técnica: “Em nome do gozo ou do trauma” Foto com dimensões de 6016x4016 pixels com 300 dpi no formato digital, (nas verticais altera para 4016x6016 pixels). Fotografia: Carlos Augusto Toigo. Modelo: Lara Klinger.
Carlos Toigo
Nasceu em Caxias do Sul, em 11 de agosto de 1969. É design gráfico, publicitário, fotógrafo e vídeo maker, Trabalhou em diversas agências de propaganda de Caxias do Sul até 2010, onde montou sua própria agência, a Ziriguidum Serviços de Design Gráfico Ltda. Onde, além do serviço de design, agregou fotografia, migrando totalmente para a área de foto e vídeo em 2011, que atualmente é o principal serviço oferecido pela sua empresa.
No campo do audiovisual, em sua primeira colaboração com Lara, dirigiu e filmou o curta-metragem Mira.
Na área de fotografia realizou algumas pequenas exposições como o projeto fotográfico sobre roller derby em Caxias do Sul no ano de 2012, e uma participação do editorial da revista Afrodite em 2013 que virou uma exposição para o lançamento da edição da revista. Suas fotos estão disponíveis em algumas agências de fotografia como a Sutterstock, Wirestock e Adobe stock.
Lara Klinger
Nasceu em Caxias do Sul, em 7 de setembro de 1990. É Psicóloga de formação, com ênfase em Trabalho e Processos Institucionais e atua como Educadora Social na Fundação de Assistência Social do município.
No campo da literatura, até o momento, Lara foi premiada e publicada em antologias do concurso anual literário de Caxias do Sul nos anos de 2017, 2018 e 2019, nas categorias contos e crônicas, e em concursos literários de outros estados, nas categorias contos e poesias.
No campo do audiovisual, em sua primeira colaboração com Carlos, roteirizou e coproduziu o curta-metragem Mira, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema da Serra Gaúcha (Cineserra) de 2016.
Contato
Carlos Toigo:
Instagram: @carlostoigofotografia
Lara Klinger
Instagram: @palavras_no_corpo
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