Exposição "A PUJANÇA FERIDA DA COR ", de Éder Braz (RS)
A PUJANÇA FERIDA DA COR
A pujança ferida da cor surge a partir de um incômodo que me acompanha a um tempo e que se concretizou ao encontrar no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - uma das principais fontes de pesquisa sobre nosso país - a parte que se refere ao histórico da cidade em que nasci, Caxias do Sul. (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/caxias-do-sul/historico)
“Caxias do Sul, como tantos outros da então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, resultou do agrupamento de imigrantes oriundos da Itália.
Em maio de 1875, chegavam a Porto Alegre os primeiros colonos saídos em fevereiro de Olmate, província de Milão. Em pequenos grupos foram transportados até o porto de Guimarães (atual cidade de Caí), e seguindo o vale do rio Caí, chegaram ao Campo dos Bugres, onde hoje está localizada Caxias do Sul, paragem assim denominada porque tinha sido habitada pelos índios Caáguas.
O grupo étnico que compunha a primeira leva de colonizadores era o mais variado possível, constituído de tiroleses, venetos, lombardos e trentinos, vindos das cidades italianas de Cremona, Beluno e Milão.
As facilidades que se apresentavam aos que desejassem emigrar para o Brasil fez com que outros grupos, acrescidos de emigrantes russos. poloneses e suecos, fossem chegando até 1894, época em que terminou a concessão do transporte transoceânico gratuito por parte do governo.
Um recenseamento efetuado em dezembro de 1876 acusou a existência de 2.000 colonos concentrados na região. Ao chegarem, eram recebidos por uma comissão governamental, que se incumbia da demarcação dos lotes e da abertura de estrada. Em geral, os colonos permaneciam poucas semanas em barracões, enquanto aguardavam a demarcação dos lotes. O Governo Imperial dava-lhes, além das terras para cultivar, as ferramentas e sementes necessárias.
Em 1877 a sede da Colônia de Campo dos Bugres recebeu a denominação de 'Colônia de Caxias'. Nesse mesmo ano era rezada a primeira missa pelo padre Antônio Passagi. A 12 de abril de 1884. foi desligada da Comissão de Terras do Império e anexada ao Município de São Sebastião do Caí, do qual ficou constituindo o 5° Distrito de Paz.”
Eu enquanto pessoa oriunda de uma família negra campesina com raízes no interior de Cambará do Sul, que fixaram morada em Caxias após a década de 60 seguindo o movimento migratório do êxodo rural, não via representada nas narrativas sobre a formação da cidade a contribuição dos negros nessa construção, fosse ela material ou cultural.
Por isso concordo com Chimamanda Adichie quando ela reflete sobre o perigo da história única. Ela alerta que narrativas repetidas como histórias únicas, criam estereótipos que trazem uma visão limitada sobre determinada questão. Há tantas outras histórias que desconhecemos e que, na maioria das vezes, não encontram espaço para serem contadas.
Nesse trabalho utilizo a manipulação digital de arquivos fotográficos e objetos pessoais e familiares, datados aproximadamente entre 1930 a 1995 para dialogar com Eustaquio Neves, Gordon Parks, Lélia Gonzales, Frantz Fanon e o mestre Milton Santos sobre minhas aflições que expandem a fotografia e se encontram com outras pessoas negras na diáspora, principalmente por entender que ser afrobrasileiro é ser um eterno caçador de mim e da história invisibilizada.
O texto do IBGE conta sobre a travessia transoceânica feita pelos imigrantes europeus com financiamento e suporte do Estado brasileiro - que na época executava seu projeto de embranquecimento do país.
Em contraste às facilidades e privilégios oferecidos aos grupos europeus, pessoas negras foram arrancadas de suas terras e de sua cultura no continente Africano, atravessando o oceano sem sentir a brisa do mar.
Depois de séculos de exploração pela elite econômica do país durante o regime escravagista, foram largados à própria sorte sem nenhum tipo de reparação ou garantia para que reconstruíssem suas vidas, tendo que encontrar suas próprias formas de sobrevivência e continuidade.
Em pujança ferida da cor reafirmo, através das memórias da minha família, a existência e resistência da população negra que constituiu e segue construindo a história de Caxias de Sul. Reverencio àqueles que - ao contrário do que afirma a história única - não descendem de pessoas escravizadas, mas de reis e rainhas africanos que tiveram sua humanidade negada e sua história apagada pelo racismo.
Reflito neste trabalho, que se essa é uma das fontes oficiais sobre nossa construção como nação, que história estamos contando sobre nosso país e nossa cidade? Considerando a importância da palavra de documentos oficiais, que narrativas elas sustentam?
“Antes de ser memória, a fotografia precisa ser provocação.”
Nair Benedicto
Éder Braz
Nasceu em Caxias do Sul-RS, 1988. É bacharel em Comunicação Social pela Universidade de Caxias do Sul.
De 2020 a 2022 viveu em Caruaru e Garanhuns, cidades do agreste pernambucano, onde esteve em confluência com comunidades quilombolas rurais. A partir dessa vivencia a arte visual surge em sua vida como uma necessidade de resgatar memórias afetivas, poder contar histórias e fazer parte destes territórios existenciais.
Em seu trabalho busca construir um senso estético e crítico combinando diferentes técnicas e práticas artísticas, como fotografia, audiovisual, colagem e impressos.
Raça, identidade, saúde da população campesina negra e modo de vida quilombola são temas que atravessam a sua vida e seu corpo-território movendo os principais questionamentos levantados em seu trabalho.
Nos seus primeiros passos artísticos destacam-se a seleção para leitura de portfólio no Festival de Fotografia de Paranapiacaba-SP (2021) e Documentário "Guerreiras Quilombolas do Castainho: Nossa Ancestralidade nos Guia" Pernambuco (2022).
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