* - Retrato de Mãe, de Maria Dolores

RETRATO DE MÃE

Do Espírito Maria Dolores

Psicografado por Francisco Cândido Xavier

Depois de muito tempo sobre os quadros sombrios do calvário,

Judas, cego no além, errava solitário.

Era triste a paisagem, o céu era nevoento,

Cansado de remorso e sofrimento,

Sentara-se a chorar.

Nisso, nobre mulher de planos superiores,

Nimbada de celestes esplendores

Que ele não conseguia divisar,

Chega e afaga a cabeça do infeliz.

Em seguida, em tom de carinho profundo,

Quase que em oração, ela lhe diz:

Meu filho, por que choras?

Acaso, não sabeis?

Replica o interpelado, claramente agressivo.

Sou um morto, e estou vivo.

Matei-me e novamente estou de pé,

Sem consolo, sem lar, sem amor e sem fé.

Não ouviste falar de Judas, o traidor?

Sou eu, que aniquilei a vida do Senhor.

A princípio julguei poder fazê-lo rei,

Mas apenas lhe impus

Sacrifício, martírio, sangue e cruz,

E em flagelo e aflição

Eis a que a minha vida agora se reduz.

Afastai-vos de mim,

Deixai-me padecer neste inferno sem fim.

Nada me pergunteis, retirai-vos, Senhora!

Nada sabeis da mágoa que me agita,

Nunca penetrareis minha dor infinita.

O assunto que lastimo é unicamente meu!

No entanto, a dama, calma, respondeu:

Meu filho, sei que sofres, sei que lutas,

Sei a dor que te causa o remorso que escutas.

Venho apenas falar-te

Que Deus é sempre amor em toda parte!

E, acrescentou, serena:

A bondade do céu jamais condena.

Venho por mãe, a ti, buscando um filho amado.

Sofre com paciência a dor e a prova,

Terás em breve uma existência nova.

Não te sintas sozinho ou desprezado!

Judas interrompeu-a e bradou, rude e pasmo:

–Mãe?

Não me venhais aqui com mentiras e sarcasmo.

Depois de me enforcar num galho de figueira

Para acordar na dor,

Sem mais poder fugir à vida verdadeira,

Fui procurar consolo e força de viver,

Ao pé da pobre mãe que me forjara o ser.

Ela me viu chorando, escutou meus lamentos,

Mas teve medo dos meus sofrimentos.

Expulsou-me a esconjuros, chamou-me monstro, por sinal,

Disse que eu era unicamente o Espírito do mal.

Intimou-me a terrível retrocesso,

Mandando que apressasse o meu regresso

Para a zona infernal de onde, por certo, eu vinha.

Ah! Detesto lembrar a horrível mãe que eu tinha!

Não me faleis de Mãe, não me faleis de amor,

Sou apenas um monstro sofredor!

Inda assim, - disse a Dama, docemente,

Por mais que me recuses, não me altero,

Amo-te, filho meu, amo-te e quero

Ver-te de novo a vida

Maravilhosamente revestida

De paz e luz, de fé e elevação.

Virás comigo à Terra,

Perderás pouco a pouco o ânimo violento,

Terás o coração nas águas de bendito esquecimento.

Numa nova existência de esperança,

Levar-te-ei comigo

A remansoso abrigo.

Dar-te-ei outra mãe!

Pensa e descansa!

E, Judas, nesse instante,

Como quem olvidasse a própria dor gigante,

Ou como quem se desgarra de pesadelo atrós,

Perguntou:

Quem sois vós

Que me falais assim, sabendo-me um traidor?

Sois divina mulher irradiando amor

Ou anjo celestial de quem pressinto a luz?

No entanto, ela, a fitá-lo, frente a frente,

Respondeu, simplesmente:

Meu filho, eu sou Maria, eu sou a mãe de Jesus!...