* - A Barreira do Inferno

A BARREIRA DO INFERNO

Entrei na Aeronáutica no dia dezessete de fevereiro de sessenta e quatro e quarenta e dois dias depois teve início o movimento militar a que deram o nome de Revolução de Sessenta e Quatro. Nos meados de sessenta e cinco fui para Recife fazer o Curso de Formação de Cabos Radiotelegrafistas, onde fiquei de julho a novembro. Entrei de férias, em Salvador, e voltei em janeiro de sessenta e seis para estagiar na Estação Rádio de Recife. Como a escala de serviço era folgada para os sargentos, nós, cabos, só trabalhávamos como estafetas.

A estação tinha várias posições de telegrafia que falavam com várias capitais do país, como Belém, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Maceió, Aracaju, Salvador, Rio de Janeiro, Brasília e outras cidades controladas pelo tráfego aéreo, de tal forma que uma mensagem para ir de Natal para Brasília ou vice-versa teria de passar por Recife, que é onde fica o Quartel General da Segunda Zona Aérea, na região Nordeste.

Nós não sabíamos que havia uma base de lançamento de foguetes em Natal, no Rio Grande do Norte, chamada de Barreira do Inferno. O presidente da República era o General Artur da Costa e Silva e em dezembro de 1965, foi enviada uma mensagem telegráfica comunicando o lançamento do primeiro foguete, no Brasil.

Se ninguém sabia da existência da base, como poderia alguém acreditar no lançamento de um foguete?

Desta forma, a estação de Natal enviou a mensagem para Recife retransmitir para o Presidente da República, em Brasília. As posições telegráficas eram diferentes e o cabo estafeta levou-a para o CMG (Centro de Mensagens), na mesma sala, onde foi protocolada nos livros de entrada e de saída, e o cabo estafeta levou para a posição Recife/Brasília. Quando o sargento da posição leu o teor que "dizia": COMUNICAMOS VOSSENCIA (Vossa Excelência) LANÇAMENTO PRIMEIRO FOGUETE BARREIRA DO INFERNO VG NATAL/RN VG DIA TAL VG HORA TAL PT, simplesmente pensou tratar-se de uma brincadeira, jogou-a no balde de lixo e disse:

– Esses caras só vivem de sacanagem!... – E deu o assunto por encerrado!...

Para ele, sim, foi encerrado, em Recife, porque, em Brasília, o presidente Costa e Silva estranhou a falta de comunicação e mandou cobrar de Natal, que respondeu haver comunicado o lançamento, e as mensagens trafegaram de Brasília para Natal e vice-versa, através de Recife, em precisão cronológica até ficar provado o extravio da original. Pelo número dado ao documento, Natal cobrou do CMG de Recife. O chefe da estação, pela data, verificou o protocolo de entrada e comprovou o recebimento de Natal para Recife, mas no de saída, faltava o fechamento no arquivo do turno e seguintes. Buscou o LRC (Livro de Registro de Comunicações) e, pela assinatura e indicativo do sargento (cada operador de telegrafia, controlador de voo ou meteorologista tinha um indicativo de três letras e quatro algarismos: o meu era DFB-2159), colocado na coluna da direita da página, lá estavam os dele. Foi apurar a irregularidade e ouviu a pergunta, como explicação:

– Pô!... Vocês ainda não pararam com essa sacanagem, né?...

O pobre coitado só não foi expulso da Aeronáutica, porque ficou provada a sua inocência, numa época em que a moda eram as palavras subversivo e terrorista, como sinônimos de comunista e sociólogo...

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Raul Santos

https://pt.wikipedia.org/wiki/Centro_de_Lan%C3%A7amento_da_Barreira_do_Inferno