* - A Dentadura do Bisavô

A DENTADURA DO BISAVÔ

Raul Santos

O bom velhinho, coitado,

Na hora da refeição,

Para todos os parentes,

Era aquela gozação,

Pois falavam todo dia

Que o bisavô padecia

De problemas de audição.

Cada vez que terminavam

De almoçar ou de jantar,

Quem quisesse beber água

E fosse um copo pegar,

Alguém dizia: " _ Que horror,

Vi no copo o bisavô

A dentadura guardar!..."

O papo da dentadura

Todo mundo repetia,

Era assunto de chacota,

Fosse de noite ou de dia,

E o bisavô, caladinho,

Sentado no seu cantinho,

A conversa toda ouvia.

Certo dia, já cansado

Daquela esculhambação,

Avisou para os parentes:

" _ Tomei uma decisão:

A partir deste momento,

Resolvi tomar um tento,

Não quero dentes mais, não!..."

Ocultou a dentadura

Num lugar desconhecido,

E ninguém ficou sabendo

Onde ele tinha escondido,

Mas, por mais que procurassem,

Por mais que eles perguntassem,

Ele nunca dava ouvidos.

Confusa, toda a família

Demonstrou toda a amargura

E a bisnetinha querida

Pediu com toda a ternura:

" _ Bisavô, solta essa voz,

Por favor, fale pra nós,

Cadê sua dentadura?..."

O bisavô respondeu:

" _ Agora, já me cansei,

Vou contar para vocês

Esta verdade que eu sei:

Ninguém bebeu água pura,

Porque minha dentadura

Foi no filtro que eu guardei!..."