* - O Sabor de Voar no PT-GVL

O Sabor de Voar no PT-GVL

Hangar do Aeroclube de Ilhéus - Bahia.

Maria disse a Socorro que o ventilador era tão forte que só faltava sair correndo pela sala. Daí, não resisti e entrei no papo, dizendo que era o princípio do funcionamento dos aviões, faltando apenas asas, cauda, rodas e piloto.

Comecei a recordar os bons tempos do Aeroclube de Ilhéus, com as inscrições, nas paredes: "Aqui, o difícil se faz imediatamente, o impossível demora um pouco mais!", e "A Vida é uma sucessão de sacrifícios que nunca terminam e de vitórias que nunca satisfazem!", das apostilas de Navegação Aérea, Teoria de Voo, Meteorologia, Motores, Aerodinâmica e Regulamento de Voo, além das Aulas Práticas, que culminavam com o Banho de Óleo, nos homens, e Champanha, nas mulheres, quando voávamos sozinhos, pela primeira vez, o instrutor, depois de uma decolagem e um pouso, nos mandava parar o avião sobre a pista, abria a porta, saltava, e dizia:

- Espera eu sair de baixo da asa, feche a porta, acelere e decole. Você vai sentir o avião um pouco mais leve, mas depois acostuma.

Faço um paragrafo, para lembrar a experiencia narrada pelo Monteiro, colega com quem eu compartilhava a aprendizagem:

https://sites.google.com/site/grilosdoraul/cuspindo-na-cabeca-da-sociedade

Recordei o CIGEMAC (Comandos, Instrumentos, Gasolina, Estabilizador, Magnetos, Ar Quente e Cabina), na cabeceira da pista, antes da decolagem.

O aviãozinho Paulistinha, PT-GVL (nós o amávamos como a um gatinho) era (por irresponsabilidade, foi derrubado e incendiou sobre uma casa, matando os dois pilotos e uma senhora idosa) de tela (acho que era de lona especial), e antes de dar partida, tínhamos de fazer a inspeção nas "longarinas" das asas, montantes (suportes das asas), fuselagem (corpo do avião) e cauda, para testar a estrutura. Depois, tínhamos de drenar o motor para retirar a água conrcentrada na gasolina, o que ocorria apenas à noite, mas fazia parte da aula, e nós drenávamos.

A parte superior da asa é curva, e chamada de extradorso, a inferior é reta, chamada de intradorso, a parte curva da frente é a borda de ataque e a parte de trás, mais fina, é a borda de fuga.

Vale ressaltar que o fluxo de ar que passa nas asas, da frente para trás, flui com maior facilidade no intradorso, por ser reto, e maior dificuldade no extradorso, por ser curvo, formando na parte superior traseira da asa um "turbilhonamento" invisivel, semelhante à água nos remos das canoas, puxando-a para cima, como uma Águia que captura um Coelho, fazendo o avião ganhar altitude (altitude é em relação ao nível do mar, e altura é a partir da base).

Do meio das asas, para a ponta, na borda de fuga, estão os ailerons, que funcionam ao contrario, isto é, quando um sobe, o outro desce, e são os responsáveis pelas curvas que a aeronave faz no ar, descendo uma asa e subindo a outra, comandados pelo manche, para a esquerda ou para a direita, em parceria com o leme de direção, na cauda, vertical, comandado pelos pedais superiores. Não esquecer que tanto os ailerons, quanto os lemes de direção e profundidade funcionam graças ao "turbilhonamento".

Aquilo, nós faziamos com o carinho de quem afaga um bichinho.

Em seguida, comunicávamos ao Nôca, Antenor Andrade Reis, nosso instrutor, que nos mandava sentar no banco dianteiro (só tinha dois), e "dava na hélice" (não tinha motior de partida), como as motos. (Depois de algum tempo, nós mesmos dávamos na hélice). O avião tem dois magnetos que fornecem centelhas para duas velas em cada cilindro (no PT-GVL, eram quatro).

Sentava no banco traseiro (havia duplo comando de pedais e de manches, para o instrutor e aluno), atracávamos os cintos, fechávamos as portas (uma para cima, e a outra para baixo, até o meio), ele ordenava a saída, acelerávamos (coloco no plural, porque era o padrão das aulas, e não que coubesse a todos dentro do bichinho), rolando pela pista de acesso, puxando o manche até a barriga, para levantar o profundor ou leme de profundidade, a fim de manter a cauda presa ao solo, e, no asfalto, seguíamos em zigue-zague, por causa da altura do nariz da aeronave, que não permitia ver em frente, até uns cem metros da cabeceira da pista de decolagem, deslocávamos para o acostamento da esquerda, girávamos uns quarenta e cinco graus para a direita, para termos boa visão da "perna do vento" (rota dos aviões, paralela, acima e à direita da pista, antes da "curva base", para atingir a "reta final", no pouso), e só então faziamos o CIGEMAC. Era pratica dizer que "Uma aproximação bem feita, é metade do pouso".

Depois de constatado o tráfego livre, acionávamos, com a mão esquerda o acelerador, um pouco abaixo do ombro, puxávamos o manche para trás, no meio das pernas, apertávamos o pedal do freio direito (eram quatro pedais: um para cada roda dianteira, nos calcanhares, e dois para o leme de direção, com o peito dos pés, quando em voo), e acertávamos a posição da aeronave no eixo da pista, "espetávamos" o manche para a frente, baixando o profundor, para levantar a cauda e manter o aparelho grudado ao solo, e acelerávamos, comandando apenas os dois pedais superiores, do leme de direção, para que se mantivesse reto, na pista. Aos poucos, a aeronave ia ganhando velocidade, ia ficando cada vez mais leve, e, conforme o Grande Exupery, nós retirávamos a aeronave do solo "... com um gesto mais leve que o de colher uma flor".

Após a decolagem e atingida a altitude desejada (a altitude é medida a partir do nível do mar, e a altura é a partir da base, no solo), nós o estabilizávamos e ficávamos apenas observando se as asas e o nariz do avião estavam nivelados com a Linha do Horizonte.

Uma observação importante é que as decolagens ou pousos devem ser feitas sempre contra o vento, sob pena de o avião "pilonar", ou seja, entrar de nariz no solo e ficar de rodas para cima.

Os movimentos da aeronave, no ar, eram feitos ao redor de três eixos imaginários:

LONGITUDINAL, do nariz até a cauda;

TRANSVERSAL, da ponta de uma asa à outra, e

VERTICAL, do Infinito Superior ao Solo. O ponto de encontro dos três eixos está localizado na cabeça do piloto.

As curvas eram de pequena inclinação, de média inclinação e de grande inclinação.

Os comandos eram feitos pela simultaneidade dos pés e das mãos, e, eram chamados de Manobras Coordenadas. O manche para a direita ou esquerda levantava uma asa e baixava a outra, sobre o EIXO LONGITUDINAL, os pedais superiores faziam movimentar o leme de direção, vertical, na cauda, para a direita ou para a esquerda, ao redor do EIXO VERTICAL, e também o manche, puxado um pouquinho para trás, comandava o profundor, sobre o EIXO TRANSVERSAL, para que a aeronave mantivesse a altitude e não entrasse "de asa", para o solo. E, assim, era uma manobra coordenada perfeita.

Nestes dois vídeos podemos ter uma noção exata dos movimentos coordenados de uma aeronave:

Música Movimento do Avião

https://youtu.be/v4tfTx2PhZc

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https://www.youtube.com/watch?v=pPuPMS4kN3E

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Os 3 Eixos Imaginários do Avião

https://youtu.be/rTGUP8xeA08

O treinamento da coordenação era feito com a escolha de um referencial fixo, bem à frente (uma árvore, um morro, mas nunca uma nuvem, que muda de lugar), e pilotávamos em zigue-zague, para conhecermos o perfeito funcionamento do aparelho.

Como o assunto é Instrução de Voo, treinávamos as "perdas", manobras simples para conhecer a sensação do pouso, que consistia em puxar o manche para a barriga do piloto, fazendo o avião subir, entrando em funcionamento os pedais, no leme de direção, para manter o voo de subida e não "entrar de asa", pois os ailerons perdiam totalmente as suas funções, enquanto a aeronave perdia cada vez mais a velocidade.

Ao atingir a velocidade próxima do "zero", a tendência era a de "entrar de asa", e o piloto tinha de comandar energicamente os pedais superiores, e, sem opção para os lados, "entrava de nariz". Neste momento, ao cruzar a linha do horizonte, o piloto soltava levemente o manche, a aeronave mergulhava quase na vertical, o piloto puxava o manche, levemente, e retornava ao voo de cruzeiro.

Era maravilhoso!!!...

As perdas eram do primeiro tipo (muito chatas), do segundo tipo (um pouco melhores) e do terceiro tipo (o ponto alto das emoçoes, depois, naturalmente, das manobras de acrobacias).

Neste vídeo é possível de se fazer uma ideia de como é a Segunda Metade de uma perda do terceiro tipo:

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https://youtu.be/LRPVmu-o4iU

E, assim eram as aulas práticas, até o momento do pouso, em que entrávamos no tráfego, pela perna do vento, curva base e reta final, já descritos.

Próximo do solo, reduzíamos a aceleração para perder altitude, com o cuidado de não mergulhar de nariz, no solo, e aos poucos íamos puxando o manche para elevar o profundor, o que fazia a aeronave querer subir, mas, sem aceleração, tendia a mergulhar, e, neste momento entrava em funcionamento um aparelho que somente os pilotos possuem nas traseiras, denominado BUNDÔMETRO, que nos fazia sentir como seria o pouso, sem mergulhos nem arremetidas, até que tocava o solo, e, conforme o toque, chamávamos de POUSO MANTEIGA!!!...

E, assim, foi nossa aprendizagem no querido PT-GVL!!!...

Nossa, que saudade!!!...

Nossa, que saudade!!!...

Raul Santos

Recordações dos tempos de Aeronáutica e de Aprendizagem,

no Aeroclube

de Ilhéus,

Bahia.

Porto Velho,

Rodônia,

11 de fevereiro de 2019.

Alfabeto do

Matematiquês:

Vamos vestir esta Camisa???!!!...