A GRANDE EDUCADORA
(BALADA AOS QUE SOFREM)
Léon Denis
(Página psicografada por Yvonne do Amaral Pereira)
CHAMA-SE DOR!
Revela-se na desventura do amante, na desolação da orfandade, na angústia da miséria, no alque-bramento da saúde, no esquife do ser querido que se foi, deixando atrás de si a lágrima e o luto, no o-próbrio da desonra, na humilhação do cárcere, no aviltamento dos prostíbulos, na tragédia dos cada-falsos, na insatisfação dos ideais, na tortura das impossibilidades – no acervo das desilusões contra que se confunde e se decepciona o coração da humanidade.
Não obstante, a Dor é a grande amiga a zelar pela espécie humana, junto dela exercendo missão elevada e santa.
Estendendo sobre as criaturas suas asas, úmidas sempre do orvalho regenerador das lágrimas, a Dor corrige, educa, aperfeiçoa, exalta, redime e glorifica o sentimento humano a cada vibração que lhe extrai através do sofrimento.
O diamante escravizado em sua ganga sofre inima-gináveis dilacerações sob o buril do lapidário até poder ostentar toda a real pureza do grande valor que encerra. Assim também será a nossa alma, que precisará provar o amargor das desventuras para se recobrir dos esplen- dores das virtudes imortais cujos germens o Sempiter-no lhe decalcou no ser desde os longínquos dias do seu princípio!
A alma humana é o diamante raro que a natureza – Deus – criou para, por si mesmo aperfeiçoar-se no desdobrar dos milênios, até atingir a plenitude do inimaginável valor que representa como imagem e semelhança d’Aquele mesmo Foco que a concebeu. Mas o diamante – homem – acha-se envolvido nas brutezas das paixões inferiores. É um diamante bruto! Chega o dia, porém, em que os germens da imortalida- de nele decalcados se revolucionam nos refolhos da sua consciência, nele palpitando, então, as ânsias por aquela perfeição que o aguarda, num destino glorifica- dor: Foi criado para a beleza do espírito e vê-se inferior! Destinado a fulgir nos mostruários de esferas redimi- das, reconhece-se imperfeito e tardo nas sombras da matéria! Sonha com a sublimização das alegrias em pátrias divinas, onde suas ânsias pelo ideal serão ple- namente saciadas, mas se confessa verme, porquanto não aprendeu ainda sequer a dominar os instintos pri- mitivos!
Então o diamante – homem – inicia, por sua vonta- de própria, a trajetória indispensável do aperfeiçoamen-to dos valores que consigo trazem em estado ignorado, e entra a sacudir de si a crosta das paixões que o entra- vam e entenebrecem.
E essa marcha para o melhor, essa trajetória para o alto denomina-se evolução!
A luta, então, apresenta-se rude! É dolorosa, e lenta, e fatigante, e terrível! Dele requer todas as reservas de energias morais, físicas e mentais. Dilacera-lhe o cora- ção, tortura-lhe a alma, e o martirológio, quase sempre, segue com ele, rondando-lhe os passos.
Mas seu destino é imortal, e ele prossegue!
E prosseguindo, vence!...
Então, já não é o bruto de antanho...
O diamante tornou-se jóia preciosa e refulgente ago-ra, pleno de méritos e satisfações eternas, nos grandes mostruários da espiritualidade – esferas de luz que bor-dam do Eterno Artista, que é Deus!
A Dor, pois, é para o espírito humano o que o sol é para as trevas da noite tempestuosa: – Ressurreição! Porque, se este aclara os horizontes da Terra, levan-tando com seu brilho majestoso o esplendor da natu-reza, aquela desenvolve em nosso ego os magnificen-tes dons que nele jazem ignorados: – fecunda a inteli-gência, depurando o sentimento sob as lições da expe-riência, educando o caráter, dignificando, elevando, num progredir constante, todo o ser daquele em quem se faz vibrar, tal como o sol, que vivifica e benfaz as regiões em que se mostra.
A Dor é o sol da alma...
A criatura que ainda não sofreu convenientemente carrega em si como que a aridez, desola os pólos glaci-ais e, como estes, é inacessível às elevadas manifesta-ções do bem, isto é, às qualidades redentoras que a Dor produz. Nada possuirá para oferecer aos que se lhe a-proximam pelos caminhos da existência, senão a indi-ferença que em seu ser se alastra, pois que é na des-ventura que se aprende a comungar com o bem, e não pode saber senti-lo quem não teve ainda as fibras da la-ma tangidas pela inspiração da Dor!
O orgulho e o egoísmo cancerosas chagas que cor-rompem as belas tendências do espírito para os surtos evolutivos que o levarão a redimir-se; as vaidades per-turbadoras do senso, as ambições desmedidas, funes-tas, que não raro arrastam o homem a irremediáveis, precipitosas situações; as torpes paixões que tudo arre-batam, e tudo ferem, e tudo esmagam na sua voragem avassaladora são parasitas que infestam a alma huma-na, inferiorizando-a ao nível da brutalidade, e os quais a Dor, ferindo, cerceia para implantar a humildade, a fé, o desinteresse, a tolerância, a paciência, a prudência, a discrição, o senso do dever e da justiça, os dons do a-mor e da fraternidade e até os impulsos da abnegação e do sacrifício pelo bem alheio – remanescentes daque-las mesmas sublimes virtudes que de Jesus Nazareno fizeram o mensageiro do Eterno!
Ela, a Dor, é o maior agente do Sempiterno na obra gigantesca da regeneração humana! É a retorta de onde o sentimento sairá purificado dos vírus maléficos que o infelicitam! Quanto maior o seu jugo, mais benefícios concederá ao nosso ego – tal como o diamante, que mais cintila, alindado, quanto maior for o número dos golpes que lhe talharem as facetas! É a incorruptível e protetora da espécie humana: – zelando pela sua ele-vação espiritual, inspirando nobres e fraternas virtudes! Ela é quem, no além-túmulo, nos leva a meditar, através da experiência, produzindo em nosso ser a consciência de nós mesmos, o critério indispensável para as con-quistas do futuro, de que hauriremos reabilitação para a consciência conturbada. É quem, a par do amor, impele as criaturas à comiseração (piedade) pelos demais so-fredores, e a comiseração é o sentimento que arrasta à beneficência. E é ainda ela mesma que nos enternece o coração, fazendo-nos avaliar pelo nosso, o infortúnio a-lheio, predispondo-nos aos rasgos de proteção e bon-dade; e proteger os infelizes é amar o próximo, é amar a Deus, pautando-se pela suprema lei recomendada no Decálogo e exemplificada pelo divino Mestre!
Por isso mesmo, o coração que sofre não é desgra-çado, mas sim venturoso, porque nasce para as autoras da perfeição, marcha para o destino glorioso, para a co-munhão com o Criador Onipotente! Prisioneiro do atra-so, o homem somente se desespera sob os embates da Dor porque não a pôde compreender ainda. Ela, porém, é magnânima e não maléfica. Não é desventura, é ne-cessidade. Não é desgraça, é progresso. Não é castigo, é lição. Não é aniquilamento, é experiência. Nem é mar-tírio, mas prelúdio de redenção! Notai que, depois do sacrifício da Cruz do Calvário foi que Jesus se aureo-lou da glória que converterá os séculos:
“Quando eu for suspenso, atrairei todos a mim”, ele próprio o confirmou, falando aos seus discípulos.
Sob o seu ferrete é que nos voltamos para aquele misericordioso Pai que é o nosso último e seguro refú-gio, a nossa consolação suprema!
As ilusões passageiras da Terra, os prazeres e as a-legrias levianas que infectam o mundo, aviltando o sen-timento de cada um, nunca fizeram de seus idólatras al-mas aclaradas pelas chamas do amor de Deus. É que, para levantar na aridez das nossas almas a pira reden-tora da fé só há um elemento capaz, e esse elemento é a Dor! Ela, e só ela, é bastante poderosa para reconciliar os homens – filhos pródigos – com o seu Criador e Pai!
Seu concurso é, portanto, indispensável para nos a-perfeiçoar o caráter, e inestimável é o seu valor educati-vo. Serena, vigilante, nobre, heroica – ela é o infalível corretivo às ignomínias do coração humano!
Nada há mais belo e respeitável do que uma alma que se conservou serena e comedida em face do infor-túnio. Palpita nessa alma a epopéia de todas as vitóri-as! Responde por um atestado de redenção! Seu triun-fo, conquanto ignorado pelo mundo, repercutiu nas regi-ões felizes do invisível, onde comemoram os santos, os mártires de bem, almas redimidas e amigas que ali ha-bitam, as quais, como todos os homens que viveram e vivem sobre a Terra, também conheceram as correções da Dor, pois ela é a lei que aciona a humanidade nos ca-minhos para o melhor até a perfeição!
Ó almas que sofreis! Enxugai o vosso pranto, calai o vosso desespero! Amai antes a vossa Dor e dela fazei o trono da vossa imortalidade, pois que, ao findar dessa trajetória de lágrimas a que as existências vos obrigam, é a glorificação eterna que recebereis por prêmio!
Salve, ó dor bendita, nobre e fiel educadora do cora-ção humano!
E glória ao Espiritismo que nos veio demonstrar a redenção das almas através da Dor!