* - Eu Fiz Mais de Mil Gols?!...

EU FIZ MAIS DE MIL GOLS?!...

Raul Santos

Em cinqüenta e oito, eu tinha treze anos e ouvi pela Rádio Nacional as histórias de um pernas tortas que fazia miserinhas na Suécia, com a camisa da Seleção. Ouvi as de um pretinho de dezessete anos que prometia ser o rei do futebol. Anos depois, o das pernas tortas entrou em decadência, em virtude das pingas, mas por causa dele não consigo deixar de ser botafoguense, com muito orgulho, e daí? e o outro, na hora que fez o milésimo gol, carregado nos braços do público, gritava: O Natal da criança pobre!... O Natal da criança pobre!...

Eu sempre fui um pernas de pau e nunca tive esperança de fazer nem o segundo, porque na verdade eu só fiz um gol em toda a minha vida, mas foi bonito demais. Foi assim: Em Ilhéus, eu sempre ia à praia para tomar umas e paquerar, mas por insistência do Menezes, participava de umas peladas, de praia, é claro, mais para fazer exercício do que para jogar futebol. Um dia, recebi uma bola e fiquei cara a cara com o goleiro, só nós dois. Ameacei e ele se esparramou todo. Daí, foi só chutar por baixo das pernas e correr para o abraço.

Anos antes, eu estava “pegando” no gol, em Guaratinga, e o Nego Jove bateu um pênalti de calcanhar e a bola entrou. Senti a humilhação e quando ele veio pela direita, tomei a atitude dos grandes heróis, e pensei: Esse gol ele não faz!... Me joguei do jeito que deu e a canela seca do negão acertou meu olho esquerdo, que ficou uma beleza, de tão roxo. Em casa, meu pai só me mandou ir para dentro, sem mais comentários. Chupa essa manga!... Acho que foi o trauma, expressão muito utilizada para definir a babaquice dos idiotas..., mas que eu nunca mais fiz um gol, lá isso é verdade... Em outro dia, eu estava “pegando” novamente no gol e alguém chutou uma bola daquelas do tipo pega pelo rabo. Ela veio quicando até passar a linha. O Jonguinha jogava muito e assumiu o gol. Quando eu estava indo para o meio do campo, recebi uma bolada nas costas. Olhei para trás e perguntei o que era, mas ele disse: Num é nada, não!... Fiquei pensando se tinha sido vingança, mas fiquei na dúvida... Achei melhor do que apanhar em público, né?...

Na época atual, temos mais um craque que está com novecentos e noventa e nove gols (ufa!, cansei), pela sua conta com os amigos, tentando fazer o milésimo, pela sua conta, mas parece que tá difícil, ou não... Contra o meu Fogão é que não foi, ainda. Ta pensando o quê?... Será que vai virar trauma, também?... Nada de seguir meus passos, hein?...

Ta tudo muito bom, ta tudo muito bem, mas vamos aos meus mais de mil gols. Foi assim:

Eu já escrevi mais de mil vezes, (nem tanto, também), como foi minha jornada na FAB. Entrei em sessenta e quatro, na chamada Revolução e não pude estudar, até setenta e um. Conheci o sargento Sabino no controle do tráfego aéreo, em Ilhéus que me incentivou a estudar. Resolvi fazer as provas do Artigo 99 e me dei bem. Criei entusiasmo, parti para a luta, recuperar o tempo perdido, e me matriculei no Curso do Major Paulo, também advogado, que era o maior expoente educacional, em Ilhéus, na época. Enquanto cursava o 101, o major disse certa noite: Raul, pelas suas perguntas, eu notei que você gosta de matemática e como estou sem professor no 99, queria que você desse uma aula, para mim! – Perguntei: Mas major, se eu nunca entrei numa sala, como é que vou poder dar aula?... – Ele respondeu: O pessoal tem mais de quinze ou vinte anos que nunca mais pegou num livro e qualquer coisa que você disser, para eles, será a verdade!... – Ora, como eu poderia entrar na sala pela primeira vez e dizer qualquer coisa? Eu tinha de andar um bom trecho e fui rebuscando os assuntos, mentalmente: Acho que vou dar frações!... Mas para dar frações, tenho de dar mmc!... Ora, para dar mmc, tenho de dar, antes, critérios de divisibilidade, mas para dar critérios de divisibilidade, tenho de dar, primeiro, números primos. Pronto!... Resolvido o problema!... Foi meu primeiro Plano de Aula!... Passei uma hora na sala e saí, respirando, aliviado. Estava cumprida a missão!... – No outro dia, o major falou: O pessoal gostou da aula e quer que você continue!... – Suei frio, implorei, mas não teve jeito; foi irredutível e me contratou. Concluí o Supletivo e fiz vestibular. Em setenta e quatro, professor Renato convidou para lecionar no Instituto Dom Eduardo, na casa onde morou o Coronel Ramiro Bastos, do livro Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado. Parei a faculdade e entrei na sala. Terminei a faculdade e a professora Lourdinha Teles, diretora do Colégio Estadual de Ilhéus pediu para substituir a professora Marlene no período de resguardo maternal. Na época não existia Licença Maternidade!... Um dia, estava tomando umas e o professor Hélio, do Instituto Nossa Senhora da Piedade disse que precisavam de professor de Ciências. Em outro dia, a professora Aurenívia convidou para dar matemática do curso de Contabilidade, no CEAMEV. De outras vezes fiz substituições no I.M.E. do Pontal e da Avenida Canavieiras, mas sem muita noção de compromisso. Quando saí de Ilhéus para Eunápolis, foi que senti o vazio da falta de sala de aula. Conversei com Sirlene, esposa de Romildo, meu primo, e ela me apresentou ao professor Milton do Centro Educacional Allan Kardec, em oitenta e um. O professor Jairo era amigo do meu pai e peguei umas aulas no James Wright. Em oitenta e oito, fui para Porto Seguro, mas fiquei só um ano. No período, lecionei no Colégio Estadual de Porto Seguro, também. O Baiano foi eleito prefeito e suspendeu o meu pagamento. Em oitenta e nove fui para o colégio de São João do Paraíso, mas o Fernando Nunes foi eleito prefeito, suspendeu meu pagamento e vim para Castanheiras, em Rondônia. Nesse período, dei aulas também no projeto PROCAMPO, em Jardinópolis e na Linha 164. O Bianco foi eleito governador de Rondônia, me despediu com mais DEZ MIL professores, e vim para Abunã e depois para Mutum Paraná, onde resido atualmente, lecionando em Abunã.

Certo dia, em Eunápolis, estava indo para o colégio, por volta das dezenove, e um carro que passava levantando poeira, freiou bruscamente, um rapaz musculoso saltou, levantou-me pela cintura e disse: Eu prometi a mim mesmo que te daria este abraço, quando lhe encontrasse. Se hoje sou engenheiro, agradeço à matemática que aprendi com você!... Claro que houve muito exagero da parte dele, porque se não fosse capaz, nunca teria passado no vestibular, mas não deixou de ficar um pouco de orgulho no meu ego, por ter sido reconhecido quase no escuro. Ele entrou no carro e sumiu. Até hoje nem sei quem foi, pois não deu tempo.

Aos sessenta e dois anos, olho o passado e me pergunto quantos alunos iguais a ele que passaram pelas minhas mãos concluíram o Nível Superior, e fico a cismar que cada um deles pode e deve ser considerado um golaço marcado na minha carreira. Só lamento não poder contá-los, mas com o lançamento deste SITE, acho que eles próprios se incumbirão de contabilizar. Mas acho que deve ter passado dos mil, e muito.

Portanto, se algum dos meus ex-alunos ainda tiver uma pequena recordação do velho mestre e quiser colaborar com a contabilidade dos meus mil gols, basta acessar o site http://sites.google.com/site/grilosdoraul e deixe seu comentário, que ficarei muito agradecido com a colaboração.

Abunã/Porto Velho-RO, 26 de abril de 2007.