* - Luvas e Botas Rasgadas

Luvas e Botas Rasgadas

Eu era encarregado do Almoxarifado Industrial da Embaúba e, diariamente, o pessoal circulava pelo balcão da Ferramentaria, em busca de chaves, martelos, marretas, serras, material elétrico, válvulas, botas, luvas, caldeiraria, todo o equipamento enfim para o funcionamento da usina alcooleira.

Vez por outra, no final do expediente, um funcionário, na pressa de bater o ponto, deixava de entregar o material e no outro dia tínhamos de circular pelas instalações a fim de recuperar a ferramenta.

Foi assim que presenciei um caminhão de cana ser descarregado: Os funcionários enfiavam três cabos de aço em canaletas previamente colocadas embaixo da carga, enganchavam as pontas no guindaste e, este, ao ser içado, elevava toda a carga de uma só vez.

Percebi, no entanto, que, com o uso excessivo dos cabos de aço, estes desfiavam, deixando enormes pontas, quais perigosas agulhas expostas às mãos dos menos avisados.

Na caldeira, também, presenciei a retirada das brasas de dentro do forno, com enxadas adaptadas com cabos em dois tubos galvanizados para melhor alcançarem o fundo do forno.

A Empresa atravessava um momento difícil de Concordata e estava controlando as despesas ao limite extremo da economia, até a Falência.

Certa tarde, no final do expediente, enquanto esperávamos o micro ônibus que nos levaria a Eunápolis, conversávamos sobre a segurança do pessoal, quando Claudino, chefe da contabilidade, inflou o peito e disse:

– Eu vou criar uma CIPA aqui na Embaúba! – E, continuou:

– No Almoxarifado tem cinquenta pares de botas...

Naquele momento não resisti e interrompi:

– Peraí, peraí, peraí! Eu fiz um pedido de vinte e quatro pares de botas, o Seu Oaci (Chefe do Escritório que se encontrava do meu lado) pediu doze para São Paulo e recebemos seis. Agora, você pode montar a CIPA à vontade!

Voltando à Ferramentaria, vez por outra, chegava um peão com as mãos sangrando furadas pelos cabos de aço pedindo pelo Amor de Deus que lhes arrumássemos um par de luvas ou com os pés cheios de bolhas, queimados pelas brasas do forno da caldeira, pedindo um par de botas.

Na impossibilidade de atender, guardávamos as luvas de raspas de couro, rasgadas, e eles as calçavam nas mãos, ao contrário, enquanto as botas que só tinham os bicos, eles pisavam nos solados.

Hoje é treze de abril de dois mil e dezessete, e fico imaginando o tratamento que estão dando a estas mulheres e estes homens que se submetem a tão humilhantes imposições por um salário mínimo, à espera de uma aposentadoria que mal dá para a alimentação da família, nada sobrando para comprar um comprimido para combater ao menos uma dor de cabeça.

Raul Santos

Coroa Vermelha,

13 de abril

de 2017.