José Roberto Guzzo




Um Governo em Guerra contra Quem Produz


Publicado em 28 de janeiro de 2023

Não, não é você que não está entendendo direito as coisas. Não, você não viu este filme antes – e se não consegue achar pontos de contato entre o terceiro governo Lula e os seus dois governos anteriores é porque não há pontos de contato entre um e os outros. O fato puro e simples, embora haja pouco de simples e nada de puro nisso tudo, é que o Lula de 20 anos atrás não existe mais. É um outro homem que vive hoje no Palácio do Planalto – e ele está fazendo um governo incompreensível nestes seus primeiros 30 dias no comando do país. Os circuitos normais do pensamento político não estão funcionando. Está fora do ar, também, a lógica habitual da administração pública. O presidente, dia após dia, repete declarações que não têm nada a ver com nada; a única preocupação que demonstrou, até agora, é a de manter o Brasil em guerra. Os ministros e o resto do primeiro escalão não fizeram um único dia de trabalho útil de 1º de janeiro para cá; em vez disso, produzem manifestos. Os sinais vitais da atividade normal de governar estão frouxos. O sistema, como se diz hoje, parou de responder.

O principal comprovante da trava geral que o país vive neste momento é a recusa do governo em fazer qualquer movimento que possa se conectar com a ideia básica de produzir. Nada do que se fez até agora conduz à produção de um único parafuso – e, como consequência direta e óbvia disso, não há perspectiva da mínima melhoria em qualquer aspecto da vida real do cidadão. Lula e o seu entorno, nas decisões que estão tomando, agem como se fossem contra a produção – ou, pior ainda, como se não soubessem o que é produção, e nem como funcionam os circuitos produtivos mais elementares de uma economia. É claro que nenhum governo pode apresentar resultados em um mês; já está muito bom se realmente fizer alguma coisa que preste em quatro anos, ou pelo menos se não piorar muito aquilo que se tem hoje. Mas o problema, visível a cada gesto do presidente ou de quem manda em algum pedaço do seu governo, é que está sendo feito um esforço inédito na história deste país para não se chegar a resultado nenhum, nunca. O Brasil precisa de emprego, de renda e do investimento indispensável para uma coisa e outra. A imensa maioria dos brasileiros precisa, desesperadamente, adquirir mais conhecimento para ganhar mais com o seu trabalho. Precisa, é óbvio, que haja mais oferta do que demanda de emprego – a única maneira coerente para os trabalhadores conseguirem uma renumeração maior do que têm. Precisa de mais competição para que se possam gerar produtos de melhor qualidade, em maior escala e a preços menores. Precisa de assistência médica mais decente da que recebe hoje, de água e esgoto e de mais proteção contra o crime. É uma agenda absolutamente básica – e o governo, até agora, está fazendo questão fechada de só tomar decisões frontalmente contrárias a tudo isso. É pior do que ficar parado. É andar para trás.

Vice-presidente Geraldo Alckmin anuncia nomes para a equipe de transição do governo Lula

O governo Lula montou uma equipe de 900 pessoas, nada menos que 900, para preparar a “transição”. O presidente se orgulhou, a propósito, por ter começado a governar “antes da posse”. Conseguiu uma licença para gastar R$ 170 bilhões, já agora, acima do que a lei permite. E o que foi feito, na prática, para se conseguir um avanço mínimo, um único que seja, em relação a qualquer das questões mencionadas no parágrafo anterior? A resposta é: três vezes zero. Isso fica comprovado com um exame elementar, ponto por ponto, de tudo o que o novo governo fez nos últimos 30 dias. Um dos principais esforços da atuação pública do presidente, por exemplo, é procurar uma briga com os militares. Já disse que “perdeu a confiança” em parte das Forças Armadas, demitiu o comandante do Exército e, no momento, está perseguindo com demissões até cabos e sargentos que servem à Presidência e suas vizinhanças. Que brasileiro de carne e osso ganha alguma coisa com isso, no mundo das questões práticas? Nenhum. Na mesma balada, Lula disse que os empresários brasileiros não trabalham; o empresário, afirmou ele no novo departamento de propaganda do governo criado dentro da Rede Globo, “não ganha muito dinheiro porque ele trabalhou, mas porque os trabalhadores dele trabalharam”. É falso. Há neste momento 20 milhões de empresas em funcionamento no Brasil; cada uma tem pelo menos um dono. Lula está chamando de “vagabundos”, então, essa multidão toda? Já tinha dito que uma parte do agronegócio, atividade essencial para o funcionamento da economia brasileira de hoje, é “fascista”. De novo: qual o proveito que a população pode tirar de um insulto gratuito como esse? O que se tem, tanto num caso como no outro, é a aberta hostilidade do governo à atividade de produzir. O recado é: “Você produz alguma coisa? Então o governo vai tratar você como inimigo, principalmente se o seu negócio estiver dando certo”.

Para além do palavrório de Lula, essa ira explícita contra o mundo na produção fica clara na questão dos impostos. Num país de renda média baixa, que não cresce de forma consistente, em grande parte, por causa do excesso de impostos que a população paga, o governo quer socar ainda mais imposto em cima do país – o contrário, exatamente, do que deveria estar fazendo se estivesse interessado em progresso econômico e desconcentração de renda. O ministro da Fazenda já ameaçou: “muita gente”, disse ele, “não paga imposto” neste país. Sério? Que “muita gente” é essa? O ministro não diz – e nem poderia dizer, porque não sabe. Na verdade, não tem nenhum interesse em saber; seu único propósito é cobrar mais. É um impulso suicida: como, num Brasil que arrecadou R$ 3 trilhões em 2022 nos três níveis de governo, dos quais 2 trilhões ficaram nos cofres da União, o ministro pode achar que a população está pagando pouco imposto? Quanto que ele quer, então? O governo mostra sua verdadeira cara, em matéria fiscal, numa das principais decisões que tomou a respeito do assunto nestes seus primeiros dias: não vai dar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês, ao contrário do que Lula tinha prometido na campanha. Deve ser essa a nova política de “incluir os pobres no orçamento” – eles entram no orçamento, sim, mas do lado de quem paga. Do lado de quem ganha estão os artistas da “Lei Rouanet”. Não há dinheiro para reduzir em um tostão o IR dos pobres (ou Lula acha que quem ganha R$ 5.000 por mês é rico?), mas já sobrou R$ 1 bilhão para os artistas. Se está desse tamanho em apenas um mês, onde vai estar daqui a um ano? Ninguém sabe. O que se sabe, perfeitamente, é que a pobrada vai continuar pagando. Afinal, eles têm de estar “no orçamento”, não é mesmo?

Fernando Haddad (PT), ao tomar posse no Ministério da Fazenda

Não pode haver nada mais hostil à produção de um país do que cobrar imposto da maneira burra, safada, irresponsável e desproporcional às condições reais da economia como se faz hoje no Brasil – mas o PT quer piorar o que já é péssimo. Também não pode haver maneira mais eficaz de concentrar renda. É o contrário, exatamente, do que dizem Lula, o PT e os cérebros econômicos da esquerda. Eles dizem que precisam de mais impostos para “dar aos pobres”. É mentira. Os pobres ficam com umas esmolas em dinheiro e um serviço público abaixo da crítica. O coração daqueles 3 trilhões mencionados acima vai para o bolso das castas superiores do funcionalismo público, essas onde se ganha de R$ 30.000 por mês para mais, e todo o monumental sistema de despesas que têm em torno de si. A isso se soma o pagamento de juros inevitável para um Estado que gasta mais do que pode e o universo de parasitas, aproveitadores e piratas que se cola no governo – empreiteiras de obras públicas, fornecedores de tudo, beneficiários do BNDES (nacionais e, de novo, “latino-americanos”), empresários com carteirinha de “amigo” e por aí se vai. Que raio de “distribuição de renda” é essa, que transfere cada vez mais riqueza da população para o cofre do Estado e para as contas bancárias dos sócios-proprietários do governo? É concentração, direto na veia, e Lula está querendo concentrar mais.

Lula, ao lado de Alberto Fernández, presidente da Argentina, e de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, durante apresentação musical em celebração à Irmandade Brasil-Argentina

E o que se pode dizer de outra das realizações mais ruidosas deste terceiro governo Lula – a “moeda latino-americana”, anunciada de novo num discurso sem pé nem cabeça que o presidente fez em sua viagem à Argentina? Como é possível um cidadão brasileiro ganhar alguma coisa juntando a sua moeda, que no momento circula dentro de uma inflação inferior a 6% ao ano, com a moeda de um país que está com a inflação perto dos 100%? É uma construção impossível – como querer montar uma casa, numa armação de Lego, com as peças de um tanque de guerra. Lula diz que “há países” que “às vezes precisam de dólares” para cumprir os seus compromissos e que a “moeda sul-americana”, aí, iria ajudar. É mesmo? Vamos tentar entender. Esse “alguns países” é a Argentina. O Brasil, que segundo Lula foi totalmente quebrado pelo governo anterior, tem no momento acima de US$ 320 bilhões em reservas internacionais. A Argentina não tem um tostão furado, deve a meio mundo, não paga ninguém e vive pedindo dinheiro para o FMI, que não quer dar mais – mesmo porque os seus diretores não querem acabar na cadeia por fazer empréstimos que não vão ser pagos. Muito bem: Lula inventou que o Brasil, que não consegue cuidar da população brasileira com um mínimo de decência, tem de dar dinheiro para a Argentina. Como um governo pode criar riqueza jogando fora os seus dólares? Que diabo os pobres ganham com isso? O Brasil, segundo a ministra do Meio Ambiente, tem “120 milhões de pessoas passando fome” neste momento; Lula, ao que parece, se contenta com “33 milhões”. Em qualquer dos casos, como um país nesse estado de desgraça pode emprestar, ou doar, dinheiro a um dos maiores caloteiros da finança mundial no momento?

Lula disse que tinha “orgulho” do tempo em que o BNDES emprestava dinheiro, muitas vezes não pago até hoje, para a “América Latina” – portos, metrôs, gasodutos e outros portentos em países como Cuba, Venezuela e daí para baixo. Orgulho? Como assim? Ele teria de ter orgulho de um BNDES que ajudasse o povo brasileiro, e não do escândalo de mandar para bolsos estrangeiros dinheiro que pertence à população deste país. Lula não explicou, também, o que o Brasil poderia fazer com os “surs”, ou seja lá o nome que derem à tal moeda, que vai receber da Argentina em troca dos empréstimos e exportações brasileiras – comprar coca da Bolívia, talvez? Não vai conseguir, é obvio, nem 1 litro de petróleo da Arábia Saudita, ou um rolo de arame farpado da China; ali a conversa é em dólar. Também não há nenhuma explicação lógica para a ideia de montar em meia hora uma moeda internacional. A Europa levou 40 anos para chegar ao euro; Lula vai fazer melhor? É tudo um disparate gigante. É claro que toda essa história de “moeda latino-americana” pode ser apenas um biombo para as trapaças de sempre; o que estão querendo, mesmo, é o dinheiro do BNDES, como já se viu durante anos. Nesse caso, tudo só fica pior ainda.

Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, ao lado de Lula e Janja (13/12/2022)

Há, enfim, a grande ideia fixa do Lula “modelo 2023” e do seu governo – a repressão a quem não concorda com ele, e sobretudo a quem não concorda em público. Quantos empregos o presidente pretende criar no Brasil com o “controle social da mídia”? Quantos por cento o PIB vai aumentar com isso – ou quantos bilhões em investimento produtivo vão sair daí? O governo já tinha anunciado seu projeto de mudar o Código Penal para criminalizar as manifestações de rua que julgar inconvenientes. Os crimes de “golpe de estado” e de “abolição violenta do estado de direito”, previstos no artigo 359 do Código Penal, só podem ser cometidos, hoje, se for usada violência ou grave ameaça; Lula quer incluir nisso os protestos públicos que jugar “antidemocráticos”. Seu último feito foi anunciar a criação de uma “Secretaria Nacional de Promoção da Liberdade de Expressão”, apresentada pelo consórcio da mídia como um órgão destinado à virtuosa tarefa de “combater a desinformação”. É um desvario de classe mundial. Desde quando, na história humana, a liberdade de expressão precisou ser “promovida” por um governo? Como “promover” a livre opinião montando uma equipe de vigilantes para controlar o que se diz, se mostra ou se escreve nas redes sociais ou nos meios de comunicação? O que eles vão fazer, ou tentar fazer, é censura – vão proibir, unicamente isso. Ou alguém imagina que vão incentivar a crítica ao governo e aumentar a liberdade de expressão? O Lula de hoje e os extremistas, aventureiros e assaltantes do Erário que controlam todos os postos-chave do governo – e parecem, cada vez mais, falar e decidir por ele – não têm compromisso com o mundo das realidades. Ignoram que o Brasil precisa trabalhar para prover as necessidades básicas de 215 milhões de pessoas. Estão querendo criar um Brasil só para eles.


O Brasil Vai Querer Paz

Publicado em 20 de janeiro de 2023

O presidente Lula e o seu governo, a cada dia que passa, se mostram mais e mais convencidos que vão ficar aí para sempre, mandando neste país pelo resto da vida – eles e muita gente boa, com certeza. Foram colocados no poder por uma coligação de forças que não admitia mais, por razões e interesses diversos, que Jair Bolsonaro continuasse governando o Brasil. Mas acham que estão lá porque fizeram uma revolução “popular”, ou coisa que o valha, e no seu entender isso lhes dá uma escritura de propriedade do Brasil, com autorização plena para eliminar o regime em vigor e colocar em seu lugar mais ou menos o que bem entendem, ou que vierem a entender. Estão deslumbrados em ter a polícia a seu favor; descobriram os encantos de governar o país com a repressão. Podem prender gente. Podem proibir manifestações de rua dos adversários. Podem censurar de alto a baixo as redes sociais, inclusive cassando a palavra de deputados da oposição. Dão como líquido e certo que a máquina do Poder Judiciário não vai punir nunca mais os políticos da “esquerda”, não importa o que fizerem; depois de todo o trabalho que deu para acabar com ela, ninguém vai inventar uma nova Operação Lava Jato a esta altura do jogo, não é mesmo? A mesma máquina, segundo acreditam, vai julgar legais todas as ilegalidades que fizerem. Não veem a hora de meter Bolsonaro na cadeia. Acham que a República Socialista do Brasil, com Lula no papel de Nicolás Maduro, está finalmente ao alcance da mão.

Será isso mesmo, no mundo real? A situação, dada hoje, está para lá de ruim e, como comprova a experiência, pode ficar pior ainda, ou mesmo muito pior – a caixa d’água das desgraças, sabe-se bem, é coisa que não enche nunca. O Brasil, pela primeira vez desde o regime militar, tem presos políticos; diz que não tem, como faz o governo de Cuba, mas tem. O cidadão acusado de praticar “atos antidemocráticos” não está mais protegido pela Constituição ou pelo resto das leis atualmente em vigor no Brasil. Desapareceu o sistema de provas. O sujeito pode ser preso por estar perto do crime. O dono de um ônibus é responsável pelos atos praticados pelos passageiros depois que desembarcam – e dar dinheiro para se fazer uma manifestação legal é crime contra a democracia. Uma conversa particular pelo WhatsApp pode ser considerada tentativa de golpe de Estado. Um governador de Estado é afastado do cargo por medida cautelar, como se fosse um servente de prefeitura. O ministro da Justiça, transformado em chefe nacional de polícia, é o homem mais importante do governo. Abriu-se, no alto do Poder Judiciário, uma questão nova: é preciso, segundo dizem, “discutir” a liberdade de reunião. O direito de falar nas redes sociais não existe mais; depende estritamente, agora, de permissão por parte da autoridade pública. É tudo isso, e muito mais – e o conjunto da obra, com três semanas de governo Lula, é de terra arrasada, com mais arraso pela frente e a construção diária de um futuro sem esperança.

Só que construir desastres pode ser mais complicado do que se pensa; ações praticadas hoje não significam resultados amanhã, e más intenções não se transformam automaticamente em más realidades. Lula e os radicais que ocupam todos os cargos com alguma importância real no seu governo querem, sem dúvida, trocar o regime atual do Brasil por alguma coisa que não sabem bem o que é, mas parece um cruzamento de Venezuela com Daniela Mercury – pelo menos é o que dizem todo dia, em voz cada vez mais alta. A questão é ver se conseguem fazer o que querem. Há, desde logo, um problema essencial: Lula montou, objetivamente, um governo monstruoso, e governos com esse grau de deformação não costumam ganhar campeonatos. É difícil, na verdade, descobrir alguma coisa certa no que se fez até agora. Mais da metade dos ministros tem dificuldades sérias com o Código Penal.

Uma ministra se chama “Daniela do Waguinho” – como pode dar certo alguém que tem um nome desses? Suas relações são cidadãos conhecidos como “Jura”, “Babu”, “Marcinho Bombeiro”, “Fabinho Varandão” – gente metida com homicídio, extorsão e milícias do Rio de Janeiro. A última notícia a seu respeito, com três semanas no cargo, é que desviou R$ 1 milhão de verbas de campanha servindo-se de gráficas fantasmas. É verdade que o seu cargo tem importância abaixo de zero. Mas o que dizer do ministro teoricamente mais importante, o da Fazenda, que declara não entender nada de economia – e confunde Conselho Monetário Nacional, que faz a política de defesa da moeda, com Comissão de Valores Mobiliários, que fiscaliza operações na Bolsa? É por aí, nome a nome, que se vai – num circo de aberrações que tem o bezerro de três cabeças, a mulher-gorila e o Luís XV de escola de samba.

Esse governo, mais cedo ou mais tarde, vai ser obrigado a oferecer resultados na vida real – não existe a alternativa de não fazer nada, ou acumular problemas não resolvidos, e se dar bem. Uma deformidade básica da administração Lula é sua ideia fixa de destruir coisas – já acabou com a Secretaria de Alfabetização, anulou decretos sobre a posse legal de armas, tirou o Brasil do acordo internacional sobre o aborto, eliminou o programa de educação digital, está sabotando a nova lei do saneamento. E quando acabar a lista de objetivos a destruir – vão fazer o quê? Só tem sentido demolir uma casa para fazer outra no lugar, e até agora o governo Lula não mostrou a menor inclinação, ou competência, para construir nada; sua única proposta para o mundo das coisas reais, até agora, é cobrar de novo o imposto sindical. Governos não costumam ficar mais fortes ressuscitando impostos mortos, nem podem sobreviver de miragens como a “moeda sul-americana”, ou o arroz orgânico do MST.

Têm de encarar, por exemplo, a inflação – e qual é o seu plano a respeito do assunto? Lula recebeu um Brasil com inflação abaixo dos 6% ao ano; vai reduzir para 3%? A pobreza extrema, segundo os números Banco Mundial, é hoje a menor desde 1980, quando os índices mundiais de miséria começaram a ser medidos; está em menos de 2% da população. E então: o governo vai ser capaz de diminuir essa cifra, ou pelo menos impedir que ela aumente nos próximos anos? O desemprego, hoje, é o mais baixo desde 2015; só no ano passado foram criados mais de 2 milhões de novos empregos. A República Socialista do Brasil vai fazer melhor? A atual renda média do trabalhador está acima de R$ 2.700 por mês; vai passar a 3.000 no fim deste ano? O saldo da balança comercial em 2022 foi superior a US$ 60 bilhões – e por aí vai. Em cada um desses itens, e em tantos outros, o governo vai ter de mostrar serviço. Criar o Ministério do Índio é fácil; criar emprego é outra história. Promessas de censurar as redes sociais não geram renda, e dizer que “120 milhões de pessoas” passam fome no Brasil, como acaba de fazer a ministra do Meio Ambiente, não produz miseráveis que não existem. Não adianta nada, aí, contar com a “narrativa”. As apresentadoras da Rede Globo podem ficar o resto da vida falando umas com as outras através das paredes, mas não seguram o índice de inflação, nem colocam salário no bolso de ninguém.

Bons resultados, de verdade, são ainda mais críticos quando se considera que o governo Lula é uma armação minoritária; o fato, no mundo das coisas reais, é que a maioria do povo brasileiro não gosta de Lula, nem do PT, e nem do que eles pregam. São os números que dizem isso. Nestas últimas eleições, segundo os dados do próprio TSE, 60% dos eleitores não votaram em Lula – ou votaram em Jair Bolsonaro, que teve uma votação praticamente rachada no meio com ele, ou não quiseram votar. Subtraindo, além disso, quem votou a seu favor unicamente por medo ou aversão a Bolsonaro, quantos sobram, de fato, entre os 215 milhões de brasileiros? Para país acostumado a não ter liberdade, como China, Rússia ou republiquetas latino-americanas do eixo Cuba-Nicarágua, não faz diferença se o governo tem ou não tem maioria. Mas não está claro se no Brasil a coisa é igual – sobretudo quando o presidente da República se recusa terminantemente a reconhecer a existência de 58 milhões de cidadãos que votaram no seu adversário final. Ao contrário: declarou guerra a essa gente toda, como se multiplicar inimigos fosse uma obra de governo. Também há, em consequência direta da rejeição de Lula, um Congresso complicado.

Na Câmara dos Deputados o PT e seus aliados, incluindo aí PSB e PDT, têm 25% das cadeiras – e não se vê bem como o Sistema Lula conseguirá mudar o regime tendo três quartos dos deputados federais contra ele. Todo mundo sabe, é claro, que boa parte do Congresso brasileiro é venal – mas há outra parte que não é, e isso cria um monte de dificuldades práticas. Vão fazer o quê? Substituir a Câmara e o Senado por uma “assembleia popular” comandada pelo Diretório Nacional do PT? Congresso que funciona, por pior que funcione, é sempre um problema sem solução – ou se fecha, ou será preciso conviver com ele. O fato, do ponto de vista político, é que existe aí um governo doente, controlado por extremistas que se julgam o exército vencedor de Fidel Castro descendo da Sierra Maestra, mas são apenas um aglomerado de militantes que não conseguiriam, juntos, produzir uma caixinha de chicletes.

Não está explicado, até agora, como um governo amarrado com barbante vai “mudar a sociedade”; é difícil, mesmo com muito esforço, transformar em Nicarágua, Bolívia ou coisa parecida uma economia de US$ 1,5 a US$ 2 trilhões como a do Brasil, baseada em sistemas de produção essencialmente privados e operados numa dinâmica capitalista que possivelmente já avançou para além do ponto de não retorno. É algo que não parece estar dentro da capacidade de um governo que imagina criar um Brasil mais rico se juntando com o Peru, ou no qual o ministro mais ativo é um especialista em conservação de miséria – governou o Maranhão durante oito anos seguidos e, ao sair, seu Estado continuava disputando o campeonato nacional da pobreza extrema. Que grande apoio das massas se pode conseguir desse jeito? O Brasil não vai viver durante anos a fio de discurso, de cara feia ou de eliminação das liberdades; vai cobrar resultados de Lula, e Lula armou um governo com gente incapaz de produzir resultados.

Uma quantidade cada vez maior de pessoas vai querer que se vire a página das eleições, que o poder público forneça o mínimo de paz para o Brasil produzir e que haja o grau de tranquilidade indispensável para que cada um trabalhe, cuide da própria vida e tenha um pouco mais de esperança, saúde e dinheiro no bolso. É inútil, para isso tudo, um governo cuja prioridade é colocar na cadeia um homem que acaba de receber quase 60 milhões de votos. Igualmente inútil, e destrutivo, é ficar achando que o Supremo Tribunal Federal é o único problema do país, ou que o Brasil precisa de uma “intervenção militar”, ou que se vão construir soluções bloqueando estradas em Mato Grosso. Uma nação vive de realidades; não vai acabar por causa de uma eleição. A vida continua. O jogo só acaba quando tiver acabado.



Quem Apoia a Ditadura

Publicado em 10 de dezembro de 2022

Ditaduras, uma vez que são impostas a algum país, não costumam ser biodegradáveis, nem passíveis de reciclagem. Não se tornam mais suaves, racionais ou justas com o passar do tempo, nem se transformam em outro material. Nunca recuam, nem cedem um milímetro do poder que tomaram, nem ficam mais inofensivas. Jamais abrem mão da sua violência – ao contrário, a repressão, as punições e a eliminação dos direitos individuais e das liberdades públicas só se tornam piores. É inútil ser tolerante, ou compreensivo, ou “pragmático” com elas, na esperança de satisfazer os ditadores; eles não se satisfazem nunca. São ditaduras, unicamente isso, e a cada dia de vida que ganham ficam com mais cara, corpo e alma de ditadura. É o caso do Brasil de hoje, obviamente. Deixaram, cerca de quatro anos atrás, que o Supremo Tribunal Federal começasse a violar abertamente a Constituição e o restante da legislação em vigor no Brasil, num projeto para entregar o controle do país aos ministros e às forças que os apoiam. Hoje a ditadura está operando com todas as turbinas ligadas, e raramente passa um período de 24 horas sem que seus operadores deixem de aprofundar o estado de exceção que criaram. É um golpe de estado em câmara lenta, sem tanques na rua e com golpistas que usam toga de juiz em vez de farda de general – mas é golpe do mesmo jeito. O fato é que a ditadura ganhou, e amanhã vai estar mais destrutiva do que é hoje.

A última prova material, objetiva e indiscutível de que o Brasil vive numa ditadura do Poder Judiciário é a cassação, por parte do ministro Alexandre de Moraes, do direito de palavra da deputada federal Bia Kicis nas redes sociais; também foi punido o seu colega Júnio Amaral, e ambos se juntam à deputada Carla Zambelli, que está silenciada desde o dia 1º de novembro. É, como tantas outras, uma decisão absolutamente ilegal. O STF simplesmente não pode proibir um deputado federal de manifestar a sua opinião; nem o STF e nem ninguém. A Constituição diz, em português claríssimo e compreensível até para um analfabeto, que os parlamentares brasileiros têm o direito de levar ao público quaisquer opiniões – e esse quaisquer quer dizer todas, sem exceção de nenhuma, para que jamais haja nenhuma dúvida a respeito, nem justificativas para a violação do que foi escrito. Não se trata de um acaso. Essa palavra foi colocada de propósito no texto da Constituição, justamente para impedir que alguém pudesse fazer o que o ministro Moraes está fazendo: alegar algum motivo de “interesse superior” para confiscar de um deputado federal brasileiro o direito de exercer plenamente o mandato que lhe foi conferido pelos eleitores – mais de 200.000 cidadãos de Brasília, no caso específico de Bia Kicis. Não interessa o que a deputada disse, e menos ainda se o que disse está certo ou errado. A única coisa que deveria valer é a regra escrita na Constituição: ela não pode ser impedida de falar o que quiser. Essa regra não vale mais nada no Brasil de hoje.

Já não existe há bom tempo, por parte de Alexandre de Moraes e de qualquer dos seus colegas, nem mesmo alguma tentativa remota de disfarçar a ilegalidade dos atos que praticam. Disfarce para quê? Uma ditadura, depois que se estabelece, não precisa disfarçar mais nada; faz, no caso brasileiro, uma encenação de que age em defesa da “democracia”, mas na prática toma as decisões que quer e não dá satisfação a ninguém. No episódio com Bia Kicis, não foi dado nem mesmo um motivo para a punição – a deputada foi expulsa das redes, e ponto final. No caso de Carla Zambelli, o ministro decidiu que ela tinha “o nítido propósito” de romper “com o Estado Democrático de Direito”. Que disparate é esse? Como uma autoridade pode determinar qual é o “propósito” de alguém ao dizer isso ou aquilo? Que lei o autoriza a fazer esse tipo de adivinhação – que ainda por cima, como no caso de Bia Kicis, anula um mandamento constitucional? Moraes fala, também, numa “Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação”. Que diabo vem a ser isso? O órgão, com um desses nomes que encantam ditadores de Cuba à Coreia do Norte, não tem existência legal; foi inventado por Moraes e não poderia, assim, ser acionado para nada. Mas é usado como mais uma polícia do STF, para caçar mensagens “suspeitas” nas redes e aplicar multas de R$ 150.000 por hora. Naturalmente, como Moraes vem fazendo desde que a ditadura começou a ser implantada no Brasil, nenhuma das punições obedeceu a processo legal – uma aberração que só existe em países onde o sistema judicial funciona no estilo do falecido ditador Idi Amin, ou de alguma outra republiqueta africana controlada por gângsters. Assassinos, traficantes de droga e estupradores têm direito a todas as regras estabelecidas em lei quando são acusados de algum crime; os deputados perseguidos pelo STF não têm. São punidos por decisão pessoal de Moraes, sem processo nenhum, sem advogados, sem direito sequer de ser informados do que fizeram. Se isso não é uma ditadura, então o que é?

A discussão a esse respeito, em todo o caso, já ficou para trás – o que importa é a realidade que existe hoje, e essa realidade mostra que a ditadura do judiciário não apenas está aí, mas conta com imensos apoios nas forças que têm influência prática no Brasil. Não poderia ter aparecido, na verdade, se não tivesse tido esse apoio desde os seus primeiros passos; não faz sentido acreditar que seja uma iniciativa individual, isolada e exclusiva de Moraes e do STF. O regime de exceção que manda hoje no Brasil só existe, objetivamente, porque há muita gente querendo que ele exista. A principal fonte de sua força na vida real, até agora, vem da aprovação silenciosa que recebe das Forças Armadas – a única instituição que tem meios materiais efetivos para deter a ação dos ministros. Os comandantes militares não fizeram, e nem era preciso que fizessem, um manifesto a favor do golpe em fatias que levou o país à situação em que se encontra neste momento. Obviamente, não assinaram um documento dizendo: “Nós, comandantes das três armas, fechamos um acordo com os ministros do STF para impor ao Brasil uma ditadura do Poder Judiciário”. Para que isso? Bastou que ficassem olhando sem fazer nada enquanto o regime de leis e a Constituição eram destruídos dia após dia pelas decisões do STF. A realidade, comprovada pelos fatos e acima de qualquer dúvida permitida pela lógica comum, é que Alexandre de Moraes e seus colegas não tiveram, em nenhum momento, a menor objeção dos militares para tomar qualquer medida que tomaram.

Os ministros do STF agiram, desde a sua primeira agressão ao sistema legal – a proibição para o presidente da República nomear o diretor de sua escolha para a Polícia Federal -, com a certeza de que ninguém iria se opor a nada do que fizessem. De lá para cá não pararam mais. Eliminaram a lei, aprovada legitimamente pelo Congresso Nacional, que estabelecia o cumprimento de pena de prisão para os réus criminais condenados em segunda instância – o que, simplesmente, tirou o ex-presidente Lula da cadeia. Anularam as ações penais existentes contra ele, incluindo sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – o que o livrou da ficha suja e permitiu a sua candidatura à Presidência nas últimas eleições. Acabaram com praticamente todas as condenações da Operação Lava Jato – o único momento, em todos os 500 anos de história do Brasil, em que a justiça mandou para a cadeia condenados por corrupção de primeira grandeza. Montaram, em seguida, a eleição mais viciada que o país já teve – num dos seus melhores momentos, proibiram o presidente de exibir em sua campanha eleitoral as manifestações públicas e legais do último Sete de Setembro. Em outra ocasião extrema, o ministro Luís Roberto Barroso, o jurista do “Perdeu, mané”, disse que “eleição não se ganha, se toma”; acharam que estava sendo um homem espirituoso.

Os membros da corte suprema punem cidadãos, e parlamentares, por crimes que não existem no Código Penal e em nenhuma lei brasileira. Bloquearam, sem qualquer vestígio de procedimento legal, contas bancárias de empresários que não cometeram delito algum. Proibiram as pessoas de se manifestarem nas redes sociais. “Desmonetizaram” quem entrou em sua lista negra. Censuraram a imprensa. Acabaram com o direito ao sigilo. Não permitem até hoje que os advogados tenham acesso aos autos nos processos de que seus clientes são vítimas. Cassaram o direito de palavra das deputadas. Acabam de prender um empresário por exercer o direito de convocar uma manifestação pública – no caso, de caçadores e de colecionadores de armas, atividades perfeitamente legítimas neste país. Em nenhum momento, nem no passado e nem agora, as Forças Armadas disseram uma sílaba a respeito de qualquer dessas violações da lei.

Exército, Marinha e Aeronáutica se comportam hoje, para todos os efeitos práticos, como uma repartição pública sem maior significado. Estão basicamente preocupados com os seus soldos, aposentadorias, benefícios – incluindo os R$ 500 milhões pagos por ano a familiares, a título de pensão. Não ajudam em nada, com os seus tanques de guerra, mísseis de longo alcance ou caças a jato, a segurança do cidadão brasileiro – cada vez mais destruída pelo crime e pelos criminosos. Não defendem o território nacional de nenhuma invasão estrangeira, pois até uma criança com 10 anos de idade sabe perfeitamente bem que nenhum país vai invadir o Brasil. Não conseguem, nem mesmo, a autorização para comprar um lote de 100 novos tanques – o PT não deixa. Também não estão exercendo, com atos concretos, a sua obrigação legal de fazer cumprir a Constituição – ou então acham que nenhum dos fatos expostos acima pode ser descrito como violação constitucional, da ordem e do Estado de Direito. Não têm lideranças. Não parecem interessados em assumir responsabilidades maiores ou diferentes das que já têm; talvez nem consigam fazer isso no mundo de hoje, mesmo que quisessem. A verdade, de qualquer forma, é que os militares não manifestaram nenhuma oposição às ações do STF – e os ministros vêm se sentindo livres, há quatro anos, para fazer tudo o que têm feito.

O outro grande braço que dá força ao STF, e que tem sido essencial para sustentar a sua ditadura, é a classe política brasileira – não toda, é claro, mas a maioria necessária para manter o Congresso Nacional numa postura de submissão absoluta ao Supremo. Um Congresso que se coloca de quatro diante deles – o que mais os ministros poderiam querer? A maior parte dos senadores e deputados apoia histericamente o STF; pedem a punição de colegas com mandato, canonizaram o ministro Moraes como o “salvador” da democracia no Brasil e querem, pela proposta de um dos mais notórios chefes da facção do Senado que reúne refugiados do Código Penal, dar mais poderes ao tribunal e legalizar suas agressões à Constituição. Os dois presidentes são o pior de tudo. O do Senado é um militante aberto do golpe – recusa-se, sem nenhum apoio legal, a permitir que os senadores discutam a conduta do Supremo, e com isso tira de funcionamento o único mecanismo constitucional que poderia controlar a sua conduta. O presidente da Câmara entrará na história pela realização de algo provavelmente jamais ocorrido em qualquer parlamento do mundo – aceitou sem dar um pio a prisão por nove meses de um deputado federal em pleno exercício do seu mandato. O deputado não tinha cometido nenhum crime inafiançável e nem foi preso em flagrante, as únicas hipóteses que permitem a prisão de um parlamentar – o que Alexandre de Moraes e o STF fizeram com ele foi possivelmente a sua ilegalidade mais indiscutível e escandalosa. E daí? A maioria do Congresso ficou a favor da punição ao colega; é a favor de qualquer coisa que o STF decide. Se o ministro Moraes, um dia desses, mandar fuzilar o deputado, ou qualquer outra pessoa, a ordem vai ser cumprida. Ele não terá a menor dificuldade de achar na Polícia Federal, ou no Exército, ou em alguma das 27 PMs, o pelotão de fuzilamento; o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, mais os componentes da mesa, iriam comparecer à execução e bater palmas no final. É uma sorte para todos, realmente, que o ministro Moraes não esteja querendo fuzilar ninguém, ao menos tanto quanto se saiba, porque não precisa fazer isso. A ditadura do judiciário já ganhou. Tem todo o apoio necessário para ficar de pé e para continuar prosperando.


O Ato Escandaloso e Ilegal de Moraes contra Marcos Cintra

Publicado em 7 de novembro de 2022

O que a alta justiça brasileira está fazendo com o economista Marcos Cintra é um escândalo. Cintra, como todos sabem, não é um bolsonarista e, portanto, não está na lista negra do sistema STF-TSE – ao contrário, foi candidato a vice numa chapa que se opunha a Jair Bolsonaro nas últimas eleições, e dirigiu a ele críticas pesadas durante toda a campanha eleitoral. Nessa condição, e como qualquer cidadão comum, escreveu umas poucas palavras no Twitter para dizer que considerava conveniente a justiça eleitoral averiguar os fatos em torno das alegações de que em dezenas de urnas o presidente não teve nenhum voto, zero, nada – ou, então, 1 voto só. Foi só isso: disse que seria bom investigar. Não disse e nem sugeriu, em nenhum momento, que tenha havido fraude, nem nada – só observou que, na sua opinião, seria bom esclarecer o que tinha acontecido. Também teve o cuidado de usar termos prudentes, educados e respeitosos em sua postagem.

A resposta à observação de Cintra foi automática: seu perfil no Twitter foi imediatamente censurado, por uma “demanda judicial”. Mas o que ele fez de errado, ou ilegal? A justiça eleitoral, entre outras funções, não existe exatamente para isso – ouvir as observações que o cidadão queira fazer sobre a eleição? Pior: a decisão não foi levada a público, como deve ser qualquer ato judicial; o site Poder 360 procurou o TSE para apurar o que havia acontecido, e não recebeu informação nenhuma. Pior ainda: o ministro Alexandre Moraes, presidente do TSE, disse numa nota oficial, com todas as palavras, que Cintra “utilizou as redes sociais para atacar “as instituições democráticas”.

Isso é uma acusação objetivamente falsa – as observações do economista estão registradas por escrito em seu tuíte, e não existe nelas nenhum ataque à democracia, ou a quem quer que seja, mas apenas um pedido de investigação. Pior do que tudo: Cintra foi intimado a comparecer à Polícia Federal para ser interrogado pela suspeita de “crime eleitoral”.

Fica decidido, assim, que o cidadão brasileiro não apenas está proibido de pedir a atenção do TSE para algo que julga relevante – se fizer isso, vai receber punição. Onde está escrito, na legislação brasileira em vigor, que o ministro Moraes tem o direito de fazer o que fez? É ilegal – como têm sido patentemente ilegais dezenas de decisões que ele vem tomando, de forma sistemática, no exercício de sua função. A eleição já acabou; o ministro, porém, decidiu criar no Brasil o estado de eleição perpétua, pelo qual ele se sente autorizado a continuar utilizando o TSE para censurar manifestações de pensamento e jogar a polícia em cima de pessoas que não cometeram crime nenhum.

Tudo isso é vendido como um virtuoso esforço para impedir que sejam divulgadas “notícias falsas”. É insano: quem decide o que é falso ou é verdade? O ministro Moraes? Em que lei está escrito isso? A Constituição não proíbe a mentira, que é punida na forma da lei pelo Código Penal. O que ela proíbe, sem a mínima dúvida, é a censura. O alto judiciário brasileiro deu a si próprio o direito de desrespeitar a Constituição – e diz que está fazendo isso para salvar a “democracia” no Brasil.


Uma Eleição Suja

Publicado em 21 de outubro de 2022

mos que um cidadão qualquer, num dia em que tem um tempinho livre, pega o termômetro, enche uma chaleira com água e põe no fogo. O fogo vai esquentando, esquentando, até que, a uma certa altura, a água ferve. Ele coloca então o termômetro dentro – e vê que está marcando 100 graus. O cidadão guarda o termômetro, esvazia a chaleira e chega à seguinte conclusão: “A água ferve a 100 graus”. Errado – não só errado como também, pior que isso, possivelmente uma ameaça à democracia. Estaria certo em qualquer país do mundo, mas isso aqui é o Brasil do ministro Alexandre de Moraes e dos seus colegas do Supremo Tribunal Federal, e as coisas não são assim. Aqui o ministro Moraes vai dizer que de fato há a chaleira com água, que o termômetro existe e que a água foi para o fogo até que ferveu ao chegar aos 100 graus; todos esses fatos são “verdadeiros”, como ele próprio admitiria. Mas a conclusão de que a água ferve a 100 graus está errada – se Moraes decidir que ela está errada. Nesse caso, passa a ser uma fake news disfarçada de notícia verdadeira. Segundo Moraes e os seus colegas, isso se chama “desordem informacional”; é um novo tipo de “ato antidemocrático”, que tem de ser severamente punido para salvar o “estado de direito” neste país. Muito cuidado, portanto: no Brasil a água só ferve à temperatura que o ministro deixar.

O cidadão poderia perguntar o seguinte: “Por que a conclusão está errada, se de fato o termômetro estava marcando 100 graus quando a água ferveu?”. Seria melhor não perguntar nada, para que o infeliz não se veja enfiado de repente no inquérito criminal, ilegal e perpétuo montado por Moraes para reprimir atividades “antidemocráticas”. Mas, se por acaso alguém perguntasse, a resposta seria: “Porque o ministro diz que está errada, e no Brasil de hoje o tribunal supremo da justiça deu a si próprio uma função até hoje desconhecida no direito universal – por força dela só o ministro Moraes e os colegas podem realmente chegar a conclusões certas. É a nova Teoria Geral das Conclusões: seu mandamento fundamental estabelece que qualquer conclusão, por mais que esteja baseada em fatos autênticos, só é correta se o STF, ou TSE, ou coisa parecida, decidir que é correta. Essa teoria também pode ter outro nome: Ordenamento Universal do Mundo Segundo a Vontade de Lula.

Um caso concreto? Pois não – é o que o leitor vai encontrar nas linhas seguintes. É verdade, por exemplo, que o ex-presidente Lula foi condenado na justiça brasileira pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes. É verdade que diretores da Petrobras (para ficar só nela) e empreiteiros de obras públicas confessaram espontaneamente, assistidos em juízo por seus advogados, que cometeram atos de corrupção durante os governos Lula. É verdade que devolveram parte do dinheiro roubado, e que esse dinheiro foi depositado no Tesouro Nacional. É verdade que colaboradores de primeira grandeza do ex-presidente, a começar pelo seu ministro mais importante, fizeram delações públicas acusando-se mutuamente de ladroagem e denunciando casos de corrupção de uma ponta a outra nos 14 anos de governo da dupla Lula-Dilma. É verdade, enfim, mais um caminhão coisas desse tipo. Entra então, a essa altura, a Teoria Geral das Conclusões. O ministro Moraes diz que todos os fatos relacionados acima são “verdadeiros”; diz por escrito, em despacho oficial do TSE. Mas o ministro também diz outra coisa. De acordo com a sua decisão, ninguém pode afirmar, em cima desses fatos, que existem ligações entre Lula e a corrupção; isso é uma “conclusão errada”. Ele acha que está errada e pronto; você pode achar que está certa, como no caso da água que ferve a 100 graus centígrados, mas não interessa – está errada porque o ministro Moraes resolveu que é assim. Sendo errada, não pode ser divulgada por ninguém. É um ato contra a “democracia”.

Tudo isso acaba de acontecer na vida real, na campanha eleitoral mais facciosa já registrada na história do Brasil, pela ação abertamente parcial do TSE em benefício de um dos candidatos. (É claro que houve uma ou outra decisão a favor do presidente Jair Bolsonaro, como na objeção a dizer que ele come carne humana, segundo acusa o PT; afinal, nenhum juiz pode dar 100% das faltas do jogo para um time só. Mas até uma criança com 10 anos de idade sabe perfeitamente que a “justiça eleitoral” está fechada com Lula, ou contra Bolsonaro, desde o primeiro minuto.) Esta história da “conclusão errada” é o último acesso de esquizofrenia seletiva do nosso judiciário mais alto – e vale a pena ser registrada apenas pela particularidade de ser provavelmente um novo recorde nacional em matéria de decisão estúpida. A produtora Brasil Paralelo, como se sabe, reuniu diversos vídeos registrando os atos de corrupção descritos no parágrafo anterior e, com base no material coletado, afirmou que há pontos de contato entre Lula e a corrupção. Qual poderia ser a dúvida? Impossível saber. Só que Lula não quis que o material fosse exibido; exigiu sua censura e foi atendido na hora pelo TSE. Segundo Moraes e seus parceiros, todos os vídeos sobre a corrupção no governo Lula são “verdadeiros”, mas a conclusão de que Lula tem alguma coisa a ver com corrupção está “errada”. Isso aí, segundo eles, é um novo delito contra a democracia – a tal “desordem informacional”, como dizem, ou uma notícia verdadeira que se transforma em fake news quando as autoridades não aprovam a conclusão à qual se chega pela observação dos fatos objetivos em relação a ela. No caso, censuraram a Brasil Paralelo porque Lula e os advogados do PT proibiram que a informação fosse publicada.

Lula transformou o TSE num órgão de Estado histericamente parcial. Para ficar apenas no mais grosseiro, o tribunal proibiu o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, de expor ao eleitor de seu Estado fatos públicos e indiscutíveis que deixam Lula muito mal na foto – “conclusão errada” do governador, provavelmente. Proibiu mostrar vídeos em que o ex-presidente defende a legalização do aborto. Proibiu a exibição de um vídeo em que Lula diz, com todas as letras: ainda bem que a natureza nos mandou esse monstro da covid, para as pessoas aprenderem a importância do “Estado”. (Ou seja: segundo Lula, o brasileiro tem de aprender que o governo manda e ele obedece.) Ameaça de punição quem quer investigar as empresas de “pesquisa” pela divulgação de números grotescamente errados em favor de Lula. Proibiu a exibição das imagens das comemorações do Sete de Setembro, quando mais de 1 milhão de eleitores foram às ruas em todo o país para manifestar seu apoio a Bolsonaro. Proibiu que fosse mostrado o vídeo de sua viagem oficial para os funerais da Rainha Elizabeth II. Proibiu o vídeo de seu último discurso na ONU, também em viagem de Estado – e por aí vamos, num cala-boca geral que nem o AI-5 pretendeu impor.

É uma coisa frenética, que se passa sob a cumplicidade, ou apoio aberto, de veículos de imprensa e de jornalistas, empenhados em agir como militantes políticos anti-Bolsonaro – ou a favor da candidatura de Lula. A Rádio Jovem Pan está sob censura permanente, e absolutamente ilegal: foi proibida de dizer qualquer coisa sobre os processos e condenações de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É uma demência: trata-se de fatos públicos, registrados em autos oficiais da Justiça brasileira, como no caso da Brasil Paralelo. A censura atinge, na verdade, tudo o que os advogados do PT acham que pode afetar a “imagem” de Lula. O ex-ministro Marco Aurélio, do próprio STF, está proibido de dizer que Lula não foi absolvido pela justiça; ele lembrou, apenas, que os processos do ex-presidente foram “anulados”, sem qualquer tipo de julgamento, e isso não tem nada a ver com absolvição. Também é proibido informar que o PT votou contra, na prática, o Auxílio Brasil, ao também votar contra o pagamento parcelado dos precatórios – de onde saiu o dinheiro para pagar o auxílio. Ou é essa censura primitiva ou, então, é repressão policial em estado puro, como no caso da mulher do Paraná que foi proibida de pintar o seu Fusca, de para-choque a para-choque, com as cores da bandeira do Brasil e os dizeres “Bolsonaro 2022”.

O fato é que jamais houve uma campanha eleitoral como essa, e nem uma sucessão presidencial tão suja. O TSE conduz a eleição como se ela fosse um evento interno do PT, no qual quem dá as ordens é Lula – uma eleição típica de ditadura em país de partido único. Os ministros estão cometendo uma ilegalidade neurótica. Saíram do horário eleitoral – onde as suas proibições já são um ataque direto à liberdade de expressão, mas ainda guardam algum ponto de contato com a lei – e estenderam os seus poderes de censura a tudo. Em qual dos seus artigos a Constituição lhes permite algo remotamente parecido com isso? E quando foi que o Congresso aprovou algum tipo de autorização para fazerem o que estão fazendo? O resultado é uma aberração: acabaram dando ordens aos órgãos de imprensa, ao ex-ministro Marco Aurélio e à mulher do Fusca. Quanto tempo o Brasil vai levar para ter de novo confiança na autoridade eleitoral, justo num momento que a credibilidade da população no Supremo atinge os seus níveis mais baixos? Não é apenas a conduta dos ministros na campanha. É a perda maciça que a sociedade brasileira sofre, como um todo, quando vê os principais magistrados do país usarem seus cargos para violar tão abertamente a lei – e, ainda por cima, destruir a vida inteligente em tudo aquilo que tocam.

É o que está acontecendo todos os dias na atuação política do TSE. Para potencializar o caso da “conclusão errada”, os ministros “avaliam” uma petição demente de Lula e do PT – coisa tão idiota que jamais poderiam permitir que sequer passasse pela catraca de sua portaria. O candidato da esquerda nacional exige o seguinte disparate: que o TSE imponha “isonomia”, entre ele e Bolsonaro, no tratamento que recebem no noticiário da Rádio Jovem Pan. Segundo seus advogados, pagos com os milhões de reais que o “Fundo Eleitoral” extorquiu do pagador de impostos (Lula, disparado, foi quem mais gastou nessa campanha), a emissora teria a obrigação de dar “espaço igual” para os dois. Heimmmm? “Espaço igual”? Por que espaço igual? De onde eles foram tirar um negócio desses? Em que lei deste país está escrito que um órgão de imprensa tem de dar o mesmo espaço em minutos, ou em centímetros, ou seja lá no raio que for, para os dois candidatos que sobraram no segundo turno – ou para qualquer outra coisa? A Constituição Federal garante para todo e qualquer veículo brasileiro de comunicação a liberdade de distribuir o seu espaço da maneira como achar que deve; não existe para nenhum órgão de imprensa, simplesmente não existe, a obrigação de dedicar porcentagens exatas para coisa nenhuma, ou para absolutamente ninguém. Se a emissora quiser dedicar 100% do seu tempo a Bolsonaro, ou a lições de geometria, isso é problema dela e dos seus ouvintes. A Jovem Pan não é, embora o PT queira que ela seja, uma extensão do “horário eleitoral obrigatório”, nem uma rádio cubana; é uma emissora privada, e tem o direito de editar o seu conteúdo sem pedir licença para ninguém. Por que não se exige “isonomia” da TV Globo ou da Folha de S.Paulo, que são mil por cento contra Bolsonaro – e têm todo o direito legal de fazer isso? Dar ordens à Jovem Pan, para que que seja neutra entre Lula e Bolsonaro, ou coisa parecida, é ditadura aberta. Pior: é ditadura que pretende ter argumentos. Há poucas coisas piores que isso na vida política de qualquer país deste mundo.


Ditadura em Construção

Publicado em 7 de outubro de 2022

O Brasil caminha para o segundo turno das eleições, aquele que vai decidir quem será o presidente do país nos próximos quatro anos, sob o controle de uma ditadura. É algo inédito na história nacional – uma ditadura exercida não por um ditador com o apoio do Exército, mas pelo Supremo Tribunal Federal, o TSE, sua principal ferramenta nesta eleição, e os fungos que se espalham à sua volta nos palácios de paxá onde se hospedam os “tribunais superiores” de Brasília. O fato de não ter existido uma coisa dessas até agora, naturalmente, não muda em nada sua essência de tumor maligno; é ditadura nova, mas destrói a democracia como qualquer ditadura velha. STF e TSE fazem hoje o que bem entendem com o cidadão brasileiro, sem controle de ninguém – e isso inclui acima de tudo, neste momento, colocar Lula de novo na presidência da República. Está valendo qualquer coisa, aí. Os atuais proprietários da cúpula do Poder Judiciário decidiram que Lula tem de ser declarado vencedor da eleição do dia 30 de outubro, de qualquer jeito. É a única conclusão que aceitam para as atividades de militância política que têm exercido nos últimos anos. Os ministros e as forças que giram em volta deles, na verdade, vêm dando o seu golpe de estado desde 2018 – quando decidiram não aceitar a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais e passaram a destruir as leis para expulsar o seu inimigo da política brasileira. Chegaram, agora, ao momento decisivo do seu projeto.

O último surto de violência da ditadura STF-TSE foi rasgar da forma mais primitiva que se possa imaginar a Constituição Federal do Brasil: censuraram, sem a mínima tentativa de disfarçar o que estavam fazendo, e sem o mínimo apoio em qualquer tipo de lei, o diário Gazeta do Povo, que circula há mais de 100 anos e comete o crime, hoje, de ser um veículo independente, afastado da esquerda, do “consórcio nacional de veículos” e dos seus sonhos de impor ao Brasil a imprensa de um jornal só. A Gazeta publicou no Twitter, como haviam feito outras postagens, notícias sobre a expulsão da rede CNN da Nicarágua, e registrou as maciças ações de repressão feitas pela ditadura local contra a religião e os religiosos. Lula não gostou: vive há anos uma paixão tórrida com o ditador Daniel Ortega, e ficou com medo de que a tirania do companheiro pudesse lhe tirar algum voto no segundo turno, este mesmo que ele diz que já ganhou. Não gostou e correu ao TSE para pedir censura contra a Gazeta do Povo – alguém poderia achar que ele, sendo um admirador tão declarado do ditador, seja também um admirador dos atos da sua ditadura. Foi atendido na hora, é claro, como em tudo o que exige dos ministros do alto judiciário. Tem sido assim desde o primeiro dia da campanha eleitoral; Lula manda, o TSE obedece. Vai ser assim até o último. Isso é democracia ou é ditadura?

É da essência das ditaduras fazer coisas exatamente como essa; ao mesmo tempo em que agridem grosseiramente as leis, colocam de pé, peça por peça, um absurdo em estado puro: proibiram a Gazeta do Povo de divulgar fatos absolutamente públicos, no mundo inteiro, e já apresentados em toda a mídia mundial. Como transformar em coisa secreta algo que milhões de pessoas já estão sabendo? É como Dilma com a sua pasta de dente – depois que saiu do tubo, não há como pôr de novo para dentro. Nada mais natural, nesta mesma falsificação desesperada das realidades, do que o delírio judicial de negar o encanto mútuo Lula-Ortega. O ministro que obedeceu à ordem de Lula, neste caso da Nicarágua, sustentou que a publicação das informações e opiniões censuradas podia dar a impressão – imaginem só, “dar a impressão” – que Lula apoiaria o ditador; isso seria “inverídico”. Como assim – “inverídico”? Há vídeos gravados com os elogios de Lula a Ortega. O PT soltou, até mesmo, uma nota oficial de apoio ao tirano e à sua tirania. O que mais o TSE e os seus ministros querem? O fato é que Lula dá as ordens, com uma arrogância que o regime militar nunca chegou a ter, e o TSE obedece – o resto é pura invenção.

É preciso um esforço sobrenatural para se ter confiança na limpeza de uma eleição feita desse jeito – e, de qualquer modo, como se podem esperar eleições democráticas numa ditadura? O STF, a esquerda e o vasto consórcio que vai da mídia aos empreiteiros de obras e aos banqueiros socialistas montaram um embuste para retomar o poder que haviam perdido. Começaram, desde a eleição de 2018, a dizer que Bolsonaro iria “destruir a democracia”; para salvar o Brasil deste horror, então, os ministros do STF passaram a violar de forma sistemática as leis, para perseguir o governo e seus adeptos, e a dar cada vez mais poderes a si próprios. Disso resultou a ditadura que temos hoje aí. Ainda não tem tudo aquilo que uma ditadura precisa, como nas Nicaráguas e Cubas que as supremas cortes colocaram sob sua proteção por determinação de Lula. Mas uma coisa é certa: depois que começa um processo de destruição das liberdades, as tiranias nunca devolvem o que tiraram – ao contrário, vão tirando cada vez mais. Lula, mesmo sem ter o seu precioso “controle social sobre os meios de comunicação”, já pratica a censura agora; proíbe notícias sobre a Nicarágua e é obedecido no ato. E depois que for presidente – por acaso vai de parar de censurar? Vai ouvir democraticamente as críticas e as informações que o desagradam? E os seus parceiros dos tribunais superiores? Eles violam a lei e a Constituição agora. Vão parar de fazer isso depois do dia 30 de outubro? Todos aí – Lula, STF e quem mais está do seu lado – se convenceram, da maneira mais conveniente para eles todos, que para salvar a democracia é preciso destruir a democracia todos os dias. É uma fraude, mas está dando certo – parar por que, então?

A ditadura pode não estar completa, mas já tem o seu currículo de obras. Fazem censura, como no caso da Gazeta do Povo. Pressionam, exatamente pelos mesmos motivos, o programa Os Pingos nos Is, da Rádio Jovem Pan. Mandam a polícia às 6 horas da manhã invadir residências e escritórios de cidadãos cujo delito foi conversar entre si num grupo particular de WhatsApp. “Desmonetizam” quem apoia o governo nas redes sociais, ou fala mal do complexo Lula-PT. Prendem pessoas que não têm ninguém a quem recorrer – só ao próprio STF, o que transforma os seus direitos numa piada. Bloqueiam contas no banco para punir gente de “direita” – ser de “direita” passou, na prática do STF, a configurar infração penal. Prendeu durante nove meses um deputado federal em pleno exercício do mandato – por delito de opinião, o que é proibido de forma absoluta na lei, sem que ele tivesse cometido crime inafiançável e sem que fosse preso em flagrante na prática deste crime. Foi um triplo zero em matéria de legalidade. A ditadura do judiciário, a propósito, ignora até hoje o perdão legal que o deputado recebeu do presidente da República – proibiu a sua candidatura nessas eleições, é claro, e o impede de exercer os seus direitos de cidadão. Por que não poderia acontecer de novo, no minuto que Alexandre Moraes ou outro resolva? Ele tem a polícia debaixo das suas ordens diretas; num país em que as forças armadas têm armas, mas não têm autoridade para fazer nada, é mais do que suficiente para qualquer violência.

Fala-se muito, desde o dia da eleição, em crescimento do número de adeptos do presidente Bolsonaro no Senado – e a ”nova situação” que isso poderia trazer para o STF. Mas o que vale na vida real o mandato de um senador, ou de qualquer parlamentar eleito pela população brasileira? Não vale nada. Alexandre Moraes, ou algum barroso, fachin, etc. que anda por aí pode mandar a Polícia Federal prender qualquer senador, e na hora que lhe der na telha. A PF vai obedecer – hoje ela não cumpre mais as leis do país, cumpre apenas as ordens de Moraes, como numa capatazia de senzala. O presidente do Senado vai perguntar se o Supremo quer mais alguma coisa; querendo é só pedir, Excelência. O infeliz do senador pode ficar trancado numa cela por quanto tempo o STF quiser – até o resto da vida, em tese, pois a vítima não poderá recorrer à justiça para fazer valer seus direitos. Só pode recorrer a quem ordenou a sua prisão. Que tal? É verdade que prisão de senador é coisa que não aconteceu até hoje. Não aconteceu porque não foi preciso. O Senado, o único poder da República que pode tomar medidas para deter o STF, vive de quatro diante dos ministros, que julgam as causas dos escritórios de advocacia ligados aos senadores, sem falar dos enroscos de muitos deles com o Código Penal. Esperar o que disso aí? Nem um abaixo-assinado com 3 milhões de assinaturas pedindo o julgamento de ministros do STF por violação das leis foi aceito pelo presidente do Senado: o que mais seria preciso, para mostrar a vontade da população nesse caso? Quem decide se os pedidos são examinados ou não é o presidente do Senado, e o cidadão que está atualmente nesta cadeira é possivelmente o senador mais obediente do mundo; trata os membros do STF não como pares de um outro poder, mas como senhores a quem deve vassalagem. Ele é um beneficiário direto da ditadura do Judiciário. Por que iria mudar?

O centro da infecção está intacto, e, como em geral acontece nestes casos, a infecção se espalha pelo organismo todo; é difícil haver ditadura de um lado e democracia de outro. O ex-presidente de um partido político de direita, para acrescentar um último exemplo, está preso, em prisão domiciliar. Não existe a mais remota indicação de que possa sair de lá um dia, porque Moraes não quer que ele saia, os outros ministros vão atrás, e acabou a conversa. Em democracia de verdade cadeia é só para quem está condenado legalmente ou aguardando o julgamento, que tem de ser feito dentro de prazos fixados em lei; no Brasil fica na cadeia quem os ministros STF querem, e por quanto tempo quiserem. Dizem que “não é assim”. Mentira; é exatamente assim. Também dizem que estão salvando a democracia com censura à imprensa, polícia na casa das pessoas às 6 da manhã e a autoridade eleitoral posta a serviço de um dos candidatos. É golpe, apenas isso – um golpe que está a caminho de sua conclusão.


Ditadura Contratada

Publicado em 24 de setembro de 2022


O Brasil já teve todo o tipo de eleições para presidente da República ao longo de sua história; teve também todo tipo de candidatos, alguns deles espetacularmente ruins. Mas nunca teve como agora um candidato, e um lado das forças políticas, prometendo abertamente impor uma ditadura neste país. Lula anuncia, da maneira mais clara possível, que vai implantar a censura nos meios de comunicação – o que ele chama de “controle social da mídia”, um instrumento que tem como finalidade única impedir que sejam publicadas quaisquer notícias ou opiniões que o governo e o PT não aprovarem. É um clássico de todas as tiranias – e algo que não existe em nenhuma democracia. Ele mostra, desde já, como vai utilizar esse controle. Proibiu, via seus agentes no TSE, a publicação de imagens das imensas manifestações populares do Dia Sete de Setembro, quando mais de 1 milhão de brasileiros foram para as ruas em apoio ao seu único adversário real na eleição. Proibiu que fossem exibidas fotos ou vídeos de sua visita a Londres para participar dos funerais da Rainha Elizabeth II. Proibiu que a mulher do presidente apareça na sua campanha eleitoral na televisão. Proibiu que seja divulgada uma frase que ele mesmo, Lula, disse: “O agronegócio é fascista”. Proibiu tudo isso, mais um monte de coisas, e nem está ainda no governo. Imagine-se o que vai fazer se chegar lá. É uma ditadura que já está contratada.

Não se está falando aqui daquelas velhas ditaduras bananeiras com generais de óculos escuros e peito coberto de medalhas. Também não é uma ditadura comunista, ou “socialista”, como se diz hoje – porque isso não se faz mais, simplesmente, e sobretudo porque os ricos só vão ficar mais ricos ainda com Lula, e a pobrada só vai continuar tendo contato com a vida deles para servir na equipe de segurança ou como motoboy do delivery de pizza. Ninguém vai fechar Congresso nenhum, é obvio – para quê? Câmara e Senado vão estar numa briga de foice para ver quem se ajoelha mais depressa diante do presidente. Mais óbvio ainda: o Supremo Tribunal Federal ficará exatamente como está, com as suas lagostas, as suas áreas exclusivas de embarque, os seus Barrosos e os seus Moraes e etc. etc. Vai ser, na verdade, o principal ponto de apoio à ditadura, como Lula vai ser o principal garantidor da sobrevivência deste STF que está aí. Se os ministros já estão rasgando a Constituição agora, todos os dias, para levar Lula ao governo, por que raios iriam criar problema com ele? Não é, em suma, nenhum desses tipos de ditadura. É apenas ditadura.

O que Lula está fazendo agora, aos olhos de todo o mundo, é a prova mais evidente daquilo que de fato ele quer para o Brasil. O candidato do PT, da “esquerda” e dos milionários fixados na ideia de continuar enriquecendo às custas do erário público transformou STF, TSE e a maior parte das alturas do poder judiciário numa espécie de porta giratória. Usa os tribunais superiores como o seu escritório de advocacia, para mantê-lo do lado de fora da cadeia, ou como seu Congresso particular, para a aprovação de tudo o que quer – e, no movimento inverso, é usado pelos ministros para fazer o que eles, ministros, desejam que seja feito. Há alguma dúvida de como essas relações vão ser num governo de Lula? Alguém acha que ele estará sujeito a qualquer controle da justiça? Se já é assim hoje, como será amanhã, então – principalmente quando se considera que Lula, caso eleito, vai nomear os próximos membros do Supremo e uma penca de ministros dos outros galhos mais altos do poder judiciário? Não pode haver comprovação mais clara de uma ditadura: um presidente que não tenha de prestar contas à justiça. Na vigência do Ato Institucional N° 5, as decisões do regime militar não podiam ser submetidas à apreciação judicial. É exatamente o que acontece hoje com Lula, na prática. Nada do que ele faz pode ser submetido à apreciação de juiz nenhum – e, se for, não vai fazer diferença nenhuma, porque lá em cima eles resolvem. Lula já ganhou do STF, para se ficar apenas no exemplo mais demente desta parceria, a anulação das quatro ações penais que existiam contra ele, inclusive a sua condenação à cadeia pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. Por que seria diferente se ele for para a Presidência? Haverá algum acesso de imparcialidade, de repente, por parte dos atuais sócios?

Tão destrutivo para a democracia quanto este incesto entre os poderes Executivo e Judiciário é o ataque sem descanso, e cada vez mais raivoso, que Lula, o PT e o seu entorno fazem contra a liberdade de expressão. Há um jornalista de “direita” no exílio, e outro que já foi preso, por conta do ministro Alexandre Moraes – um dos mais agressivos militantes da nova ditadura de “esquerda”. Já usam, há muito tempo, os seus parceiros no YouTube, Twitter, Facebook e demais gigantes americanos que controlam a comunicação pelas redes sociais para perseguir adversários e censurar opiniões que desaprovam. Em parceria com a mesma justiça descrita acima, caçam a palavra dos que têm opinião política diferente – e “desmonetizam” suas vítimas bloqueando a remuneração que deveriam receber pelo trabalho que fazem nas redes, numa das mais odiosas formas de opressão já postas em execução pela militância lulista. Pressionam as empresas privadas para que não anunciem em veículos de imprensa da sua “lista negra”. Estão, neste momento, fazendo tudo o que têm de pior para calar o mais importante programa jornalístico independente da rádio brasileira – “Os Pingos nos Is”, da Jovem Pan. (Leia a matéria aqui no JBFPandemia de Intolerânciana coluna de Augusto Nunes) Exigem algo que absolutamente não existe em relação a nenhum outro órgão de comunicação no Brasil, ou no mundo democrático: que a emissora faça um “contraponto” ideológico ao programa, que expõe duramente os desastres em série cometidos por Lula, pelo STF e pelo resto do consórcio que se movimenta ao seu redor. Isso já é feito pela rádio, em larga escala, ao longo de sua grade de programação – mas não é suficiente. Não admitem nem uma voz discordante, a do Pingos nos Is; querem silêncio total, e nem dispõem ainda do seu “controle social sobre os meios de comunicação”. Contam, nisso tudo, com o apoio militante dos jornalistas e dos proprietários dos veículos da mídia – e como poderia ser diferente, num país em que a “Associação Brasileira de Imprensa”, a ABI, coloca o seguinte lema em seu perfil no Twitter: “Fora Bolsonaro”? Dá para ver por aí, perfeitamente, como esse controle seria exercido na vida real de um governo do PT. É a repetição do que fazia a “ditadura militar de 64” que Lula e o PT tanto condenam. Qual a diferença entre uma coisa e outra, em termos de repressão à imprensa livre?

A ditadura anunciada de Lula não se limita à extinção do alto poder judiciário como entidade independente e nem a eliminação da liberdade de imprensa. Tão ruim quanto isso, mas sob o disfarce hipócrita de intenções piedosas, é o seu culto cada vez mais fanático ao “Estado” – exatamente como se faz no fascismo mais puro. Nada de “Carta aos Brasileiros”, desta vez, nem da fantasia do “Lula liberal” com que ele se pintava em outros tempos. Agora é “todo o poder ao Estado”, com o apoio pleno de um STF que vai fazer tudo o que for preciso para Lula e o PT governarem para sempre – como foi feito na Venezuela, o novo modelo de virtude para a esquerda brasileira, onde também não houve nenhuma necessidade de fechar Supremo ou Congresso para montarem uma ditadura. Lula já disse que a Covid, com os 650 mil mortos que causou, foi “uma benção” – mostrou como “o Estado é importante” e, sobretudo, o quanto as pessoas devem obedecer a ele. Agora só fala em anular todas as conquistas que o cidadão brasileiro teve diante da máquina estatal – da reforma da previdência à extinção do imposto sindical, das privatizações à independência do Banco Central.

Tipicamente, declarou não ter a menor ideia do que um governo deve fazer para oferecer aquilo que a população precisa mais do que tudo: oportunidades de trabalho que possam lhe permitir uma vida melhor. “Como criar empregos para o povo” numa era de tecnologia?, perguntou Lula. Ele mesmo deu a resposta: “Eu não sei como fazer isso”, disse em público, dias atrás. E que diabo o povo brasileiro importa a ele, ou ao PT, ou aos empresários socialistas? Lula sabe perfeitamente bem o que quer, em matéria de trabalho – promete, com todas as letras, socar em cima do pagador de impostos novos cabides de emprego para a companheirada do PT, os amigos do governo e os amigos dos amigos. A cada dia que passa ele anuncia que vai fazer mais um ministério. Ministério do Desenvolvimento Agrário, para o MST. Ministério das Pequenas Empresas. Ministério do Índio, ou dos “Povos Originários”, que representam 0,4% da população nacional – e com um índio de ministro. Ministério da Igualdade Racial. Ministério da Pesca, de novo, e Ministério da Cultura, também de novo. Ministério da Segurança Pública, talvez Ministério do Planejamento e por aí se vai.

É o encontro da fome com a vontade de comer: em seu programa de governo, Lula cria ministérios novos e reabre ministérios dos quais o povo tinha se livrado. Não resolve um único problema real do Brasil. É apenas o Estado cada vez maior, mais obeso e mais caro – tudo, exatamente, o que a população não precisa. É, ao mesmo tempo, um sintoma infalível de paixão oculta pela ditadura. Cada vez que o Estado avança, a liberdade diminui – nunca foi diferente em toda a história da humanidade. Não se trata, em nada disso, de equívoco por parte de Lula; não há equívoco nenhum. Também não é o resultado da costumeira soma da sua incompetência com a sua ignorância. O que ele quer, em tudo o que anuncia, é tirar proveito material próprio – e criar uma ditadura à sua imagem e ao seu estilo. Lula faz questão de dizer, o tempo todo, que gosta de Cuba, da Venezuela e da Nicarágua; são os seus modelos de país. Por que, então, seria a favor das liberdades públicas e dos direitos individuais no Brasil? Vai contar, em tudo o que fizer, com todo o apoio internacional, das classes intelectuais e da mídia. Vai contar com a anulação do seu passado penal como ladrão. Vai contar com o apoio do Papa, dos banqueiros de esquerda e do ator Leonardo DiCaprio. É, como dito acima, um contrato assinado para transformar o Brasil numa ditadura – e por muito, muito tempo.


O Ódio da Elite Esquerdista pelo Povo que vai às Ruas


Publicado em 20 de setembro de 2022

As manifestações populares em massa do dia Sete de Setembro, quando mais de 1 milhão de cidadãos cobriram as ruas de verde e amarelo, por livre e espontânea vontade, para declarar o seu apoio e o seu voto em favor ao presidente Jair Bolsonaro, tiveram de imediato um efeito altamente instrutivo para o entendimento do Brasil como ele é. Trouxeram à plena luz do sol, mais que em qualquer momento recente, um fato essencial da vida política deste país: o horror puro, simples e recalcado da elite em geral, e da esquerda em particular, pelo povo brasileiro. Em geral isso é escondido por trás de filosofança hipócrita, barata e pretenciosa, em seminários de ciência política e em mesas redondas com “especialistas” na televisão. Desta vez, porém, ficou escancarado demais, e declarado em todas as letras. É mais do que horror – é ódio mesmo.

É indiscutível que a multidão toda que estava na rua no dia Sete de Setembro era o povo brasileiro. Se não era, de onde teria vindo, então, toda aquela gente – de Marte? Também é indiscutível a tempestade de ira que a presença do povo na praça provocou de imediato na esquerda. O ex-presidente Lula foi o mais insultuoso: comparou as manifestações a uma ”reunião da Ku Klux Klan”, a sociedade secreta dos racistas norte-americanos (ou “Cuscuz Klan”, pelo que deu para entender do que ele disse.) É isso o que Lula pensa do povo do Brasil quando este povo se declara contra ele – é tudo “racista”. Já o ministro Luís Roberto Barroso disse que os manifestantes eram “fascistas” – segundo ele, o dia Sete de Setembro serviu para mostrar “o tamanho do fascismo” no Brasil. A mídia se cobriu de editoriais aflitos com a “ameaça à democracia” representada pelo fato de que a população foi às ruas de todo o país, em demonstrações sem um único ato de desordem ou incidente de qualquer tipo.

Em geral isso é escondido por trás de filosofança hipócrita, barata e pretenciosa, em seminários de ciência política e em mesas redondas com “especialistas” na televisão

O fato, e esse é o único fato que interessa, é que na comemoração dos 200 aos da independência do Brasil o povo brasileiro cometeu o crime de ir para a rua sem pedir licença à Lula, aos ministros do STF, aos jornalistas e ao resto da elite. Pronto: está tudo amaldiçoado como manifestação de extrema direita – racista, fascista e “antidemocrática”. O que poderia provar com mais clareza o ódio deles todos pelo povo? A possibilidade de Lula levar às ruas do Brasil uma multidão comparável é zero. Ele e PT sabem perfeitamente disso. Resultado: reagem automaticamente, então, com a hostilidade compulsiva por tudo o que não está debaixo das suas ordens. Como não podem dizer que aquela massa toda não era o povo brasileiro, dizem que o povo brasileiro está errado em sair à praça pública para manifestar as suas preferências políticas. A democracia que defendem para o Brasil é isso. O adversário não pode abrir a boca.

A dificuldade, para Lula e para a esquerda, é que a população de verdade só vai mesmo para rua para se manifestar contra ele – e, neste momento, a favor do presidente da República. Lula, na verdade, não sai jamais – e nem o PT consegue juntar gente para uma manifestação de massa, além de umas miseráveis aglomerações com a do lançamento da sua “Carta aos Brasileiros”. Ficam fechados com grupinhos de sindicalistas, artistas e mais do mesmo; é este o seu mundo. É extraordinário, positivamente, que o candidato que se apresenta como “popular” não possa ir, sequer, a um estádio de futebol, porque tem medo de levar vaia; não foi a um único jogo Copa de 2014 no próprio Brasil, em pleno reinado de Dilma Rousseff e do seu partido. Na ocasião ficou escondido em casa. Hoje, com o mesmo medo de aparecer em público, chama de racistas os brasileiros que não querem votar nele.


A Grande Mentira da Imprensa Mundial


Publicado em 17 de setembro de 2022

“Bolsonaro prepara a sua Grande Mentira no Brasil”, acaba de dizer em sua capa, dramaticamente, uma revista inglesa que já teve fama, no passado, de ser um dos mais potentes faróis do melhor jornalismo de linhagem anglo-saxônica – racional, objetivo e fiel, acima de tudo, à religião dos fatos. Que tal a declaração acima, como julgamento jornalístico imparcial? Este é o título do artigo de fundo; daí para a frente, até o ponto final, só piora. Justamente no momento em que mais de 1 milhão de pessoas, ou só Deus sabe lá quantas, vão para as ruas de todo o Brasil dizer, na mais perfeita paz, ordem e respeito à lei, que querem votar em Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de outubro, a publicação informa que ele prepara um golpe de Estado. Já está desenganado pelas pesquisas, afirma o texto e, sabendo que vai perder, levanta acusações “sem provas confiáveis” contra a integridade das apurações, com o objetivo de melar os resultados. “Os brasileiros temem”, segundo a revista, que ele incite uma “insurreição” no estilo da invasão do Capitólio por “seguidores de Donald Trump”, após as últimas eleições americanas, ou coisa “talvez pior”.

Que “brasileiros” com medo seriam esses? Não se informa. E como se faria essa “insurreição, na prática? Segundo diz o artigo, Bolsonaro está dando armas aos seus apoiadores. Com “2 milhões” de armas de fogo nas mãos da população em geral, “bolsonaristas poderiam atacar o tribunal eleitoral caso Lula seja declarado vencedor”; eles estão “mais bem armados do que nunca”, informa o texto. O presidente pode contar também com os “400.000” homens da polícia, gente que “gosta de atirar”; uma das razões para esse apoio é que ele “prometeu imunidade legal” aos policiais que “matarem suspeitos”. Essa polícia, de acordo com a revista, poderia se mostrar mais fiel a Bolsonaro “do que à Constituição”; o Exército também. Na mesma balada, revela-se um fato prodigioso, e até agora inteiramente desconhecido dos brasileiros, ou de quem quer que seja no resto do mundo: “45 políticos foram assassinados nos seis primeiros meses de 2022” no Brasil. É mesmo? Quem são, exatamente, esses políticos assassinados? O artigo não dá nenhuma informação a respeito; apenas diz, imediatamente antes de mencionar essa onda de homicídios, que o presidente “rotineiramente incita à violência”. Conclusão: por tudo isso, e com a desordem, a insegurança e a matança em massa tomando conta das ruas, Bolsonaro vai invocar “poderes de emergência” para “adiar a transferência do governo” para Lula – que é considerado pela revista, é claro, o único ganhador possível e legítimo das eleições que estão aí.

O resto do texto segue na mesma linguagem e com a mesma inteligência de manifesto aprovado em assembleia geral de centro acadêmico estudantil. Bolsonaro é descrito como um possível seguidor do “livro de regras sem princípios” de Donald Trump. Ele “semeia divisão”; o “outro lado”, na sua visão, não é apenas errado – é o “mal”. É um político de “boca suja”, que se elegeu presidente copiando os “truques” de outro homem de “boca suja”, Donald Trump. É “desonesto” no “mau uso” das redes sociais. Constrói uma realidade “paralela”. É uma “ameaça à floresta amazônica”, que estaria sendo destruída a um ritmo “70% mais rápido” do que antes da sua passagem pela presidência. A crítica que Bolsonaro faz a Lula é condenada como sendo “absurda”. Lula, por sinal, é definido no artigo como um político “pragmático”, que foi um presidente “razoavelmente bom” entre 2003 e 2010. Não há detalhes sobre as sentenças da Justiça que o condenaram por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, nem qualquer menção aos 20 meses que passou na cadeia cumprindo pena; tudo o que se diz a respeito é que ele “nega as acusações” e que o seu caso foi posto de lado pelos tribunais. Mais: Lula é um “defensor da democracia” e Bolsonaro não é – “por instinto”. Reconhece-se que ele até pode jogar dentro das regras democráticas, mas vive “procurando meios de evadir” as suas exigências. “Os eleitores brasileiros deveriam resistir à atração de um populista desavergonhado”, conclui a revista.

Questão de opinião? Opinião não é isso. Opinião, de qualquer um, só vale alguma coisa se estiver baseada na realidade objetiva dos fatos. Senão é apenas repetição de palavras vadias que não preenchem as condições mínimas para serem qualificadas como pensamento – ou, então, é propaganda de maionese barata com pose de análise política. Não há, em todo o artigo, nenhuma tentativa de se aproximar dos fatos. Não se diz que Bolsonaro foi eleito por quase 58 milhões de eleitores – e não por “truques”. Não há a mais vaga menção à recusa permanente de Lula e do PT em tratarem Bolsonaro como um adversário político – ele é chamado publicamente de “genocida”, de fora-da-lei ou de “inimigo”, na definição de um juiz da suprema corte que faz militância declarada contra a sua candidatura. Não se menciona, por sinal, a atividade de um STF que usa diariamente a máquina judicial para combater Bolsonaro e seu governo – anula as suas decisões, impede que reduza impostos ou construa ferrovias, e exige, de meia em meia hora, que dê as “explicações” mais extravagantes, sobre qualquer coisa. Não se diz nada sobre o fato de que Bolsonaro, em seus três anos e nove meses na presidência, não deixou de cumprir uma única ordem judicial, mesmo as claramente ilegais, sem nexo lógico ou de cunho político. Também não desobedeceu a nenhuma decisão do Congresso, nem a qualquer lei ora em vigência do país. Não se diz que o Brasil tem presos políticos, todos eles aliados ao presidente; é público que um dos seus principais apoiadores está em prisão domiciliar, e que um deputado federal que o apoia ficou preso durante nove meses, além de ser condenado pelo STF a quase nove anos de cadeia. Como, com todos esses fatos, o Brasil de hoje teria um governo autoritário? Quem está sendo autoritário aí?

O artigo não menciona o inquérito policial aberto pelo STF contra um grupo de empresários pró-Bolsonaro cujo crime foi falar de política num grupo de WhatsApp – nem da clara e sistemática violação das leis e da Constituição pelo ministro Alexandre Moraes, há mais de três anos, na sua perseguição política a aliados do presidente. Não há nenhuma referência à atuação repressora do TSE na atual campanha eleitoral – como, por exemplo, a proibição de se exibirem imagens das manifestações de massa do dia Sete de Setembro. Lula, o homem “pragmático” que fez um governo “razoavelmente bom”, comparou as manifestações a uma “reunião da Ku Klux Klan” – mas é só Bolsonaro, e não ele, que busca a “divisão” do país e que define os oponentes como o “mal”. O leitor só lê que o presidente destrói a Amazônia. Não é informado que o Brasil reduziu em 25% o total das suas queimadas nos dois últimos anos. Não são números do governo brasileiro; é o que mostra o satélite AQUA M-T da NASA americana, com fotos que estão disponíveis para o público em seu site na internet. Não se diz que o Brasil vai fechar o ano de 2022 com inflação abaixo dos 7%, um dos melhores resultados na área, em qualquer economia do mundo – e nem que o crescimento estará entre os primeiros.

A questão central em tudo isso, obviamente, não são as atribulações atuais da revista The Economist, que publicou o artigo acima. Em quase 180 anos de vida, uma longevidade fora do comum para qualquer publicação deste mundo, o semanário inglês se tornou um monumento ao jornalismo de primeira classe e ao espírito humano. Era o veículo, pelo menos segundo o que sempre se acreditou, dos “tomadores de decisão” mundiais. Cada parágrafo dos seus textos trazia um desafio intelectual genuíno para quem escrevia – e uma demonstração de tremendo respeito pela inteligência de quem lia. Hoje não há nem uma coisa e nem outra. The Economist não se distingue mais de qualquer outra aglomeração de prosa, entre tantas que há por aí, que tem preguiça de pensar e que obedece de olhos fechados a todos os mandamentos do “politicamente correto” – numa visão do mundo neurastênica, parcial e sem sinais de vida inteligente. Não fica devendo nada, em termos de neurose e resistência à atividade de pensar, aos melhores editoriais do “consórcio nacional de órgãos de comunicação” a que se resume hoje a imprensa brasileira – ou, então, ao jornalismo do padrão CNN, que diz que o lema da bandeira do Brasil é “Independência ou Morte”, e parece se orgulhar disso. Pode ser triste que as coisas tenham se tornando assim – mas cada órgão de imprensa, em qualquer lugar do mundo, é livre para tomar o caminho que quer, ou que lhe é possível nas condições habituais de temperatura e pressão das sociedades de hoje.

O problema real é a descida de boa parte do jornalismo, através de todo o planeta, ao exercício aberto do totalitarismo. Não há preocupação em relatar os fatos; ao contrário, danem-se todos os fatos, como neste texto sobre o Brasil. A única coisa que interessa, a exemplo daquilo que acontece nas ditaduras, é transmitir uma doutrina, e apenas uma – sobre política, sociedade e a vida em geral. Ou você baixa a cabeça para a “linha oficial” ou cai em desgraça. É proibido achar, por exemplo, que só as mulheres ficam menstruadas, ou que o progresso social vem da liberdade econômica, ou que cada um tem direito a ter ideias individuais; se achar qualquer coisa dessas, o sujeito é um fascista. Exercer a sua liberdade de ser a favor de alguém como Bolsonaro, então, é crime político, social e moral inafiançável. É obrigatório, ao mesmo tempo, achar que o celular, o carro elétrico e a tela Retina 4,5 Apple com “Touch ID” foram trazidos até você por Che Guevara ou pela luta de classes – e não pelo capitalismo que os deixa tão indignados. É o mundo da “despiora”, do “descondenado” e, no fim das contas, do “desjornalismo”. É como querer se informar lendo o Pravda da ditadura comunista da Rússia de outros tempos.


O Brasil de Bolsonaro foi para a Rua

Publicado em 10 de setembro de 2022

O ministro Alexandre de Moraes pode continuar mandando a Polícia Federal invadir às 6 horas da manhã as residências e os escritórios de cidadãos que falam a favor do governo e contra o STF num grupo de WhatsApp. O braço eleitoral do Supremo, esse TSE comandado pelo mesmo Moraes, pode continuar proibindo o presidente da República de dizer na campanha qualquer coisa que eles não gostem – e permitir que o seu adversário o chame de “genocida” para baixo. Podem confiscar material de propaganda política porque as letras estão 5 milímetros menores ou maiores do que Suas Excelências desejam. Um senador insignificante, e que vive em crise permanente de nervos, pode continuar usando o STF como o seu escritório pessoal de despachantes, para pedir a cassação da candidatura de Jair Bolsonaro, cobrar a prisão de “direitistas” e fazer outras exigências alucinadas.

A mídia, as classes intelectuais e o consórcio nacional contra a liberdade podem continuar negando ao brasileiro o direito constitucional de escolher um dos candidatos nas eleições de outubro – o atual presidente do Brasil. O STF-TSE, os advogados pró-Lula e o resto do “sistema” podem continuar querendo ganhar a eleição na “justiça eleitoral”, na repressão às redes sociais e em trapaças legais, em vez de tentarem ganhar nas urnas. Eles podem tudo isso, e vão continuar podendo. Mas nada do que podem tem a mínima possibilidade de impedir que aconteça o que aconteceu no Sete de Setembro em que foram comemorados os 200 anos de independência do Brasil – manifestações de rua imensas, na Avenida Paulista, na Esplanada dos Ministérios, na Avenida Atlântica e no resto do Brasil, com apoio claro, maciço e indiscutível à candidatura de Jair Bolsonaro.

O que adianta, então, todo esse esforço para impor aos eleitores o resultado das eleições que o STF e a confederação de interesses formada em torno dele estão querendo – querendo abertamente, por sinal? Não conseguem proibir a população de encher as ruas na maior manifestação pública desde as concentrações gigantes contra a corrupção nos governos Lula-Dilma. Não conseguem negar que as multidões que foram à rua querem votar em Bolsonaro – ou acham que toda aquela gente estava pensando em Dom Pedro I? Não conseguem evitar que centenas de milhares de pessoas tenham se manifestado sem que houvesse registro de uma única ocorrência policial. Não conseguiram assustar os cidadãos com ameaças, repetidas maciçamente pelos meios de comunicação, de que haveria violência no Sete de Setembro – além do perigo de violarem “a lei” e se verem enfiados em algum inquérito do ministro Moraes para punir “atos antidemocráticos”. Não conseguiram, em suma, nada do que pretendem com a desordem grosseira que criaram na campanha eleitoral.

É o problema – como ficou claro mais uma vez neste Sete de Setembro, das ditaduras meia boca – como esse que o alto Poder Judiciário socou em cima do Brasil, aproveitando o vácuo de um Executivo que não reage para não ser acusado de dar “golpe”, e de um Legislativo que não reage pela covardia de suas mesas diretoras. Podem fazer uma porção de coisas, mas não podem fazer tudo – e ditadura que se preze tem de poder fazer tudo, ou perde a pose junto ao público pagante. Não pode engolir, principalmente, que o povo vá para a rua. Não pode intimidar os cidadãos e ver que a sua intimidação foi ignorada. É um vexame e um fiasco.

As reações da mídia inconformada com as realidades, da esquerda que quer ganhar a eleição no grito e das aglomerações que só admitem Lula na presidência da República, foram a melhor ilustração dessa coleção de frustrações. Disseram que Bolsonaro, ao comparecer às comemorações dos 200 anos de independência do Brasil e se beneficiar do óbvio apoio que recebeu delas, “dividiu” o povo brasileiro. O que sugerem que ele tivesse feito? Não deveria, então, ter comparecido às comemorações do bicentenário – ele que é o presidente constitucional do Brasil? Deveria ter exigido que as multidões presentes à rua ficassem de boca fechada? O que poderia ter feito para “unir” o povo – pedido que todo mundo ficasse em casa? “Fique em casa neste Sete de Setembro”, como diria o ex-governador Doria? Que tal? Não faz nenhum sentido, nada disso. Também se acusou Bolsonaro de aproveitar o Sete de Setembro para fazer campanha eleitoral. Aconteceu exatamente o contrário: o povo é que aproveitou o Sete de Setembro para dizer que quer votar em Bolsonaro para presidente.

Vieram com a prodigiosa afirmação de que a “maioria” dos brasileiros não esteve presente nas manifestações – e como poderia estar, num país que tem 210 milhões de habitantes? Quanta gente, exatamente, eles queriam na rua? Uns 140 milhões de pessoas, para fazer maioria de dois terços? Ou 105 milhões mais um, para fazer maioria simples? Quiseram saber, é claro, quem “financiou” as comemorações; é a obsessão atual da esquerda brasileira – saber quem “financiou” tudo o que existe debaixo do sol, de grupos de WhatsApp que conversam de política ao camelô que vendia bandeira do Brasil na véspera das manifestações. E daí, se alguém pagou por alguma coisa? É claro que se pagou tudo o que deveria ser pago – desde quando comemorar o Sete de Setembro passou a ser uma atividade criminosa? A mídia juntou-se em peso à gritaria do PT; é por isso que fica cada vez maior a distância que separa o que publicam do que acontece no mundo dos fatos.

O problema para o STF do ministro Moraes, o Brasil que assina a “carta” pela “democracia” e, sobretudo, a candidatura Lula, não é apenas a sua incapacidade de impedir que o povo vá à rua para dizer que quer votar em Bolsonaro no dia 2 de outubro. Também é, e muito, a perda já aparentemente irrecuperável dos símbolos nacionais. Bandeira do Brasil, Hino Nacional, as cores verde e amarelo, mais a ideia de patriotismo que vem junto com as sensações de afeto pelo país em que se nasce – tudo isso passou a se ligar automaticamente com Bolsonaro e sua candidatura à reeleição. Não foi o presidente que decidiu tornar as coisas assim. Foi o PT, por única, desastrosa e simplesmente estúpida opção de Lula e de quem está à sua volta. Resolveram, todos eles, que a noção de pátria é uma palhaçada da “direita” – e entregaram o campo ao inimigo. Não foi Bolsonaro quem proibiu a bandeira do Brasil nas manifestações do PT – foram eles mesmos, por vontade própria, que escolheram a bandeira vermelha.

Foi Geraldo Alckmin, no episódio talvez mais lamentável de todo o seu presente desastre moral, que resolveu cantar a “Internacional”, o hino do comunismo, num ato do PT – em vez de cantar o Hino Nacional Brasileiro. Foi o próprio Lula que chamou o verde-amarelo de “babaquice”. Disse que é preciso “ver outras cores”; só citou o vermelho. Estão se lamuriando por que, agora? Descobriram neste Sete de Setembro, de repente, que “o povo” precisa “recuperar” os emblemas da nação, hoje sinônimos de Bolsonaro e de seu projeto político. Recuperar de que jeito, se foram eles mesmos que pisotearam na bandeira, no hino e no verde-amarelo, chamando tudo isso de “fascista” – ou coisa de “classe média direitista”? Uma cantora que se apresenta como campeã do “antibolsonarismo”, por sinal, sapateou fisicamente em cima da bandeira brasileira, há pouco tempo, num palco estrangeiro. É mais ou menos o máximo que se pode conseguir, em matéria de mostrar quais são as suas preferências.

O Brasil do TSE, do lulismo e da elite preocupada com o “social” está de um lado. Os brasileiros que se mostram dispostos a sair para a rua em defesa do seu candidato estão de outro. Entregaram a Bolsonaro a patente única da defesa da liberdade no Brasil – além do amor à pátria, a Deus e à família. Não sabem, agora, como mudar isso.



É Proibido Escolher

Publicado em 27 de agosto de 2022

A opinião deixou de ser um direito básico do brasileiro. A “democracia”, nome que o ministro Alexandre de Moraes, a esquerda nacional e o seu candidato à presidência da República deram ao sistema de poder absolutista, ilegal e pervertido que o alto judiciário criou para governar a sociedade deste país, tornou-se mais importante que a vida de cada cidadão – mais que os seus direitos individuais, as suas preferências políticas e a sua liberdade. A proteção por escrito que a Constituição Federal lhe assegura não vale mais. Foram anuladas, para todos os efeitos práticos, as garantias que a lei fornece para a sua palavra, o seu direito de reunião e o seu voto nas eleições para a Presidência da República. Democracia no Brasil, hoje, é o que querem o ministro Moraes, as elites que o apoiam e o consórcio nacional contra a liberdade que se formou para apoiar a volta ao governo do ex-presidente Lula. Não existe outra opção. Ou você aceita isso – ou é condenado por ser “contra o regime democrático”, “a favor da ditadura” e outros crimes políticos hediondos. A Polícia Federal, por ordem pessoal de Moraes, pode invadir sua casa ao nascer do dia e levar de lá o que bem entender. Suas comunicações pessoais podem ser violadas. Suas contas bancárias podem ser bloqueadas. Podem “desmonetizar” os rendimentos do seu trabalho. Você pode ser interrogado pela polícia. Pode ser processado criminalmente. Podem lhe enfiar uma tornozeleira eletrônica. Podem lhe aplicar multas impossíveis de se pagar. Você pode ir para a cadeia; muitos já foram, inclusive um deputado federal em pleno exercício do seu mandato.

Este é o mundo do ministro Moraes, do STF e de todos os que se uniram na guerra às liberdades públicas e aos direitos individuais. Ele funciona na base da perseguição policial, de uma lavagem cerebral agressiva contra o pensamento livre e do uso da máquina do Estado para impor o medo. Nega-se, basicamente, o direito de escolha – condição elementar para a existência de qualquer democracia. A questão-chave, aí, é muito simples: o STF, as classes intelectuais, a mídia em peso e os grupos com interesses materiais feridos, a começar pelos que perderam o poder e estão exigindo esse poder de volta, querem proibir as pessoas de votarem em Jair Bolsonaro para presidente. Não importa, minimamente, se ele fez um governo bom, ruim ou péssimo; isso mal chega a ser falado no meio da gritaria. A única coisa que interessa é que Bolsonaro seja destruído, e aí vale qualquer coisa – dizer que ele é genocida, impediu a população de tomar vacina, chefia “milícias” no Rio de Janeiro, é aliado do “centrão”, aumentou a fome e fez mais um monte de horrores cujo único traço em comum é a falta de nexo das acusações. Não se diz, é claro, que o governo federal comprou e pagou 500 milhões de doses de vacina, ou que o “centrão” é integralmente formado por deputados eleitos pelo voto popular, ou que o Brasil está entre os países do mundo que melhor resistiu aos desastres econômicos da Covid. Nada disso é argumento na “democracia” ora em vigor no complexo STF-Lula-elites. Só valem o Tribunal de Inquisição do ministro Moraes e as suas fogueiras; é o ponto mais baixo a que chegaram as liberdades políticas do Brasil desde a imposição do Ato-5.

Trata-se de um jogo que só tem piores momentos, mas ainda assim há momentos piores que os outros. O pior de todos eles até agora, por tudo o que contém de palhaçada grotesca, velhaca e mal-intencionada, bem que poderia ser essa “operação” contra os “empresários golpistas” que o ministro Moraes, a mídia e advogados lulistas acabam de levar ao ar. Pretendem ser heroicos; estão sendo apenas histéricos. Não há empresário golpista nenhum; há apenas um grupo de cidadãos que defende a candidatura de Bolsonaro para a Presidência da República. Não fizeram nada de mais. Apenas trocaram mensagens entre si, falando de desejos pessoais, de coisas que gostariam de ter visto, e não aconteceram, e uma porção de outros assuntos que fazem parte do repertório habitual das conversas políticas entre amigos, numa mesa de botequim ou na hora do churrascão – e nas quais, até onde se saiba, a lei garante que cada um diga o que bem entender. Não fizeram nenhum comício, não escreveram nada nas redes sociais, não produziram vídeos, nem áudios, nem cartazes – só conversaram entre si, num grupo fechado de WhatsApp cuja privacidade foi violada e teve o seu conteúdo publicado na imprensa. Só isso – o resto é pura conversa de polícia secreta em ditadura subdesenvolvida. Golpe pelo WatsAppp? Que diabo de história é essa? Um dos participantes do grupo manifestou a sua opinião através de emojis. Golpista por ter clicado uma figurinha de celular? Os inquisidores não percebem o que estão fazendo; não veem limites para a sua comédia. É essa a democracia de Moraes, do STF e dos seus devotos – a democracia que persegue emojis.

Moraes, a imprensa e o restante do consórcio nacional contra a liberdade estão dizendo o seguinte: você não pode ter uma conversa particular com um amigo dizendo que “este país só tem conserto com um golpe”, que não admite a volta de “um bando de vagabundos” ao governo, ou coisas assim. Qual é a lei que impede alguém de dizer, só dizer, isso ou aquilo? E se o sujeito for a favor do AI-5, por exemplo – qual seria o problema? Onde está escrito que isso é ilegal? Por acaso é proibido falar dentro da sua própria casa? Se um vizinho (ou um jornalista) ouvir o que você está dizendo, ele pode sair correndo para denunciar ao ministro Moraes? É onde estamos neste momento de heroísmo e coragem, segundo a mídia, na “luta pela democracia”. Os participantes do grupo estão sendo apresentados na imprensa, diretamente e sem nenhuma dúvida, como “empresários golpistas” – isso mesmo, “golpistas”, como se fosse um fato provado e definitivo. Como assim, “golpistas”? Por acaso esse grupo de WhatsApp tem armas pesadas para tomar o governo, ou estava organizando grupos armados? Tem depósitos de munição ou campos secretos de treinamento? Pode mandar os tanques saírem para a rua? Dá ordens aos paraquedistas ou aos fuzileiros navais? Tem meios para controlar os aeroportos, as usinas de energia elétrica e o abastecimento de óleo diesel? Golpe é isso, entre dezenas de outras coisas da vida real – e não existe nada disso, é claro. Também não se informa como os “empresários golpistas” dariam o seu golpe, na prática. Qual é o seu plano de operações? Quem faz o que, quando e onde? Quem comanda? Não existe golpe de Estado sem comando; alguém ter de ser o novo presidente. Vai ser quem, e por quanto tempo? Esse mesmo, que já está no Palácio do Planalto? Outro? Vão fechar o STF? E o Congresso – o que será feito com o Congresso? Cassa todo mundo? E depois de cassar – vai haver eleição de novo? Quando? Quem pode concorrer? Os 27 governadores vão ficar nos seus cargos – ou serão substituídos por 27 interventores federais? Os nomes desses interventores já foram escolhidos? Por quanto tempo vão ficar nos cargos? Está na cara que ninguém organizou coisa nenhuma; é tudo perfeitamente ridículo, nessa armação grosseira que tem como único objetivo atemorizar os militantes da candidatura de Bolsonaro e tentar que calem a boca.

O “golpe dos empresários” se dá num ambiente de psicose política geral. Parece que Bolsonaro, ao longo desses últimos três anos e meio, provocou um curto-circuito definitivo na capacidade de raciocinar dos seus opositores. É uma espécie de queda maciça do sistema, como acontece nos computadores – “deu pau” em tudo. A argumentação lógica, aí, foi para o espaço. Não há mais debate político verdadeiro, nem livre trânsito de ideias contrárias; há, unicamente, uma guerra religiosa, fanática e sem limites morais contra o “bolsonarismo”, como é classificado hoje em dia todo o posicionamento de quem queira optar, segundo permite a Constituição, pela reeleição do atual presidente – ou de quem não queira votar em Lula. Os brasileiros a favor de Bolsonaro (foram quase 58 milhões nas eleições de 2018) são tratados como delinquentes sociais. Foram declarados inimigos do “estado de Direito”; na melhor das hipóteses, são considerados idiotas na fronteira da debilidade mental. Pede-se em público a sua eliminação física – da mesma forma como se exibe abertamente um vídeo no qual um grupo de pessoas aparece jogando futebol com a cabeça do presidente da República. Como na ditadura comunista da antiga Rússia, onde quem discordava do governo era trancado num hospício, a democracia do STF tem certeza de que os cidadãos que discordam das suas decisões só podem ser loucos. Se não forem loucos, são criminosos. Mordaça neles – ou o xadrez do STF.

É essa psicose coletiva que leva a momentos como os do Jornal Nacional, nessa sua última entrevista com Bolsonaro. Não foi um trabalho de jornalismo; foi um interrogatório em delegacia de polícia, com o delegado querendo falar mais que o interrogado. (A um certo momento, no que possivelmente terá sido uma inovação nas técnicas do telejornalismo contemporâneo, o entrevistador leu uma das perguntas – isso mesmo, leu.) É também o que faz da presença da população nas ruas, neste próximo Sete de Setembro, um ato ilegal a ser punido por lei, segundo se adverte – e se recomenda – em setores da “sociedade civil”. O recado é o seguinte: cuidado. Fique em casa, ou você pode ser preso. É, ainda, a proibição de um anúncio contra o comunismo na parede de um edifício em Porto Alegre; não era um outdoor de campanha, coisa que a “lei eleitoral” proíbe, mas apenas um outdoor com um pensamento. Não pode. O juiz decidiu que é “desnecessário”. Eis aí uma definição realmente admirável da nossa atual democracia – não é necessário pensar, e nem é recomendado pelas autoridades. A mesma neurose geral explica o pedido do PT para que a justiça proíba Bolsonaro de fazer campanha eleitoral durante o “horário de expediente”. Exigem que ele só fale ao público de madrugada, ou tarde da noite; querem impedir, simplesmente, que o homem faça campanha, uma das situações clássicas de eleição debaixo de ditadura.

A maioria da mídia está em guerra aberta contra Bolsonaro; a militância deixou as páginas de opinião e passou a contaminar todo o noticiário, onde é comum se ler, em vez de informação, que o presidente “mentiu” para os embaixadores estrangeiros, ou que ouviu “calado” o discurso de posse do ministro Moraes no TSE, esse cabide de empregos criado numa ditadura do passado e que controla as eleições no Brasil. Quando tem de publicar que a inflação está em queda, diz que não é grande coisa, pois ela também está caindo na Armênia; quando registra a volta do emprego aos níveis de antes da Covid, diz também que o governo não fez nada para diminuir “a fome” – sem demonstrar com fatos, em nenhum momento, que haja fome no Brasil. É uma coisa obviamente burra, antes de ser parcial, falsa ou desonesta – e mais uma demonstração da falência geral de órgãos que a ideia fixa do antibolsonarismo foi capaz de produzir no equipamento cerebral dos jornalistas. É, seguramente, a fase mais indigente a que a imprensa brasileira chegou em sua existência – situação que coincide, concretamente, com o pior momento em suas tiragens e com sua redução a produto de higiene para cães domésticos, por parte de distribuidores incomodados com material não vendido.

O consórcio nacional contra a liberdade criou um clima de opressão no Brasil: isso faz muita gente esconder que vai votar em Bolsonaro, com receio de represálias na vida social, ou no ambiente de trabalho, ou até na própria família. Outros, simplesmente, não abrem a boca para não levantarem a ira do ministro Moraes e a arbitrariedade dos seus inquéritos policiais. Que democracia é essa, onde a livre preferência política passa a ser um sentimento clandestino? Nunca houve no Brasil, como agora, tanto ódio político e tão pouca esperança na volta da paz. O fato é que Bolsonaro seria mais tolerado se fosse um ditador boçal que está no governo por força de um golpe de estado. Mas ele não é isso. Daí a democracia a la STF entra em parafuso. Não se admite que o governo tenha sido eleito, que seja popular e que esteja obtendo uma inflação de 7% ao ano. Não se admite que, ao fim de 2022, a inflação brasileira será menor que a dos Estados Unidos. Não se admite que esteja em vigor um auxílio familiar de R$ 600 por mês, em dinheiro, para os pobres. Não se admite que neste preciso momento haja queimadas na França e na Espanha e não na Amazônia – ou que os incêndios na floresta amazônica foram cinco vezes maiores nos governos Lula do que na gestão de Bolsonaro. Não se admite que o preço da gasolina esteja caindo.

Não se admite, acima tudo, que possa haver vida inteligente no governo; os formadores de opinião ficam doentes com isso. Poucos episódios poderiam demonstrar essa frustração tão bem quanto uma comparação feita com humor, recentemente, numa visita do ministro Paulo Guedes à França. Guedes disse que seria idiota acusar o governo francês pelo incêndio da Catedral de Notre Dame, em Paris. Da mesma forma, observou, é idiota criticar o governo do Brasil pelas queimadas na Amazônia, que ocupa uma área territorial maior que a Europa – e não um quarteirão de cidade como a igreja matriz dos parisienses. Foi um ataque generalizado de nervos. Como um bolsonarista pode ter um momento como esse? Como pode dizer uma coisa espirituosa, ou engraçada? Não pode. “Essa gente” tem mesmo de ser detida, diz a democracia do ministro Moraes. Comete o crime de pensar — e isso é terminantemente proibido no Brasil que está a caça de “empresários golpistas”, de genocidas e de outros indesejáveis.


Cópia mal Resolvida do Ditador de Uganda

O ministro Alexandre de Moraes, com o apoio cego, incondicional e automático da maioria dos seus colegas do STF, está impondo ao Brasil uma justiça de Idi Amin – aquele deboche violento, e baseado na força bruta, que as piores ditaduras da África fazem da trágica deformidade que apresentam como o seu aparelho judicial. Nem existe mais esse Idi Amin, uma caricatura de ditador patológico que foi estrela do noticiário internacional nos anos 70, nem o seu regime de barbaridades. Mas pelo que indicam os fatos, os puros e simples fatos, o seu estilo de fazer justiça ressuscitou no Brasil de hoje – e está transformando o ministro Moraes, junto com o resto do Supremo, numa espécie de cópia mal resolvida dos déspotas subdesenvolvidos de 50 anos atrás.

“Temos liberdade de opinião, mas eu não posso garantir a liberdade de quem deu a opinião”, diz Amin numa piada que circula nas redes sociais. É um retrato perfeito do STF de hoje. Falam, em seus manifestos à nação e em suas palestras em universidades dos Estados Unidos ou Europa, que o cidadão brasileiro tem direito de pensar livremente e dar a sua opinião sobre o que bem entenda. Mas a cada cinco minutos Moraes está mandando a polícia atrás de quem tem opiniões que ele acha “antidemocráticas” – e aí se vê que a liberdade de ninguém está garantida depois que a opinião foi dada, mesmo que numa conversa particular. É exatamente o que acaba de acontecer com os “empresários golpistas”, um grupo que trocava ideias pelo WhatsApp e foi enfiado por Moraes nos inquéritos totalmente ilegais que ele usa há três anos para perseguir pessoas cujas posições políticas não admite. No caso, trata-se de admiradores do presidente da República – mais uma vez.

Que ideias os empresários estavam trocando? Não interessa: eles têm o direito, garantido pela Constituição Federal, de expressar suas opiniões pessoais. Mais ainda, estavam dando essas opiniões dentro de um grupo fechado de correspondência, cuja privacidade foi violada; o teor do que se dizia ali acabou publicado na imprensa. Como diz a respeito o ex-ministro Marco Aurélio Mello: “Não há crime de opinião no Brasil”. Mas Moraes e o STF desrespeitam grosseiramente este princípio – o caso dos “empresários golpistas”, na verdade, é apenas a última demonstração de sua longa e repetida insistência em rasgar a lei, nesse e em outros assuntos.

Moraes mandou a polícia invadir às 6 horas da manhã os escritórios e as residências dos empresários sem ao menos avisar o Ministério Público – a única autoridade, no Brasil, que tem direito a fazer denúncias criminais e solicitar à justiça que elas sejam examinadas. Mas Moraes, há três anos, ignora o MP de maneira sistemática e truculenta; nesse caso, só mandou um comunicado aos procuradores depois de iniciada aa operação. É pior ainda. O MP, a quem cabe a exclusividade da acusação, é contra essa investigação dos “empresários golpistas”, por não ver nenhum cabimento nisso – não há qualquer prova, nem indício, de atividade ilegal por parte do grupo.

É contra, aliás, outras investigações do ministro e já pediu formalmente que sejam arquivadas. Não adianta nada. Ele passa por cima dos pedidos ou, então, abre investigações novas, e igualmente ilegais, sobre o mesmo assunto. Moraes, por lei, não pode tocar inquérito policial nenhum. Faz isso o tempo todo.

Os empresários também não poderiam, segundo diz a lei, ter a sua conduta sob a apreciação de STF; só são julgadas ali, quando é o caso, pessoas que têm foro privilegiado, como o presidente da República, ministros de Estado e outras altas figuras. É óbvio, até para um advogado de porta de cadeia, que nenhum deles é nada disso, e caso tivessem feito alguma errada (o que o MP acha que não fizeram) teriam de responder a um juizado de primeira instância. Mas e daí? A própria justiça, através do STJ, já decidiu, em outro aspecto da questão toda, que transcrições escritas de conversas no WhatsApp não são prova de coisa nenhuma. Moraes passou por cima disso também — prova é o que ele acha que é prova. Fim de conversa.

Está tudo errado, em suma, neste caso dos “empresários golpistas”. Na justiça de republiqueta africana que o STF criou no Brasil, entretanto, o que se está fazendo aí é “a defesa da democracia”.


A Democracia Caolha do "11 de Agosto"

Publicado em 20 de agosto de 2022

Deveria ser, pelo que garantiam os formadores de opinião, os grão-duques da “análise política” e os peritos em nos dizer o que o povo está pensando a cada minuto, um momento decisivo na história das “lutas populares” neste país – a hora em que as massas, a uma só voz, se levantariam em defesa do ministro Alexandre de Moraes, das urnas eletrônicas e da volta de Lula à Presidência da República. Acabou sendo, no mundo dos fatos concretos, apenas mais um daqueles arranques penosos de cachorro atropelado, como diria Nelson Rodrigues – uma coisa sem graça, sem vigor e sem esperança. Chegaram a dizer, num surto de empolgação, que desta vez “o Bolsonaro” tinha ido longe demais com seus “ataques” ao sistema de apuração das eleições; desafiou a “sociedade civil”, e com a “sociedade civil” não se brinca. A resposta do povo seria a manifestação monumental em frente à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, no dia 11 de agosto, para a leitura da “Carta aos Brasileiros em Defesa da Democracia”. No fim, foi um fracasso miserável.

A manifestação de massa não tinha massa; não chegou a ocupar nem o modesto Largo de São Francisco, onde já não cabe muita gente, e ainda menos qualquer das ruas vizinhas. Não havia um único trabalhador de verdade para representar a classe operária. Nos muros da faculdade eram exibidos cartazes de protesto contra a “fome” e o “racismo”. Os peixes gordos foram admitidos dentro do prédio – as caras mais conhecidas, os advogados penais que cobram caro para defender ladrão, os empresários socialistas e mais do mesmo. O resto ficou de fora, no frio e na chuvinha. “Voltei pessimista do Largo de São Francisco”, lamentou uma personalidade das classes culturais anti-Bolsonaro presentes no evento. “Pouquíssima gente, pouquíssimos jovens, os mesmos intelectuais de ideias mofadas de sempre, zero vibração.” Foi um resumo realista – em contraste com a visão geral da mídia, que continuou fiel à crença de que a carta “em defesa da democracia” tinha sido uma segunda chegada do homem à lua.

A carta, segundo disse no ar uma jornalista da televisão, teve 300 e tantas mil assinaturas, o que lhe pareceu algo francamente excepcional, pelo seu tom de voz, a ênfase em anunciar cada algarismo da cifra e o semblante de espanto diante do que lhe pareceu a imensidão do número anunciado. (Pelo menos uma das assinaturas, a do empresário Paulo Skaf, foi falsificada. Será que foi só uma?) E daí, se foram mesmo essas 300.000? Não é nada de mais – é apenas, de novo, a velha dificuldade da imprensa para lidar com elementos rudimentares do senso de proporção. O Brasil, para dar um exemplo, tem 156 milhões de eleitores; a “carta”representa uns 0,2% disso.

O abaixo-assinado pedindo para o Senado julgar o impeachment do ministro Moraes já tem 3 milhões de assinaturas, ou dez vezes mais – e por aí vamos, na permanente operação de retirada que o jornalismo nacional executa sempre que encontra números pela frente. É o mesmo estado de espírito que leva às manifestações de negacionismo diante da queda no preço dos combustíveis. Outra jornalista, também da televisão, nos garante que a gasolina mais barata só interessa aos ricos – porque, pelo que deu para entender, só os ricos possuem carros que gastam muita gasolina. É como se a frota brasileira fosse formada apenas por SUVs Cayenne de R$ 1 milhão a unidade – e como se os milionários que possuem esses aviões estivessem angustiados com o que gastam para encher o tanque. Mas a frota tem mais de 60 milhões de automóveis, segundo o IBGE – para não falar nos caminhões e nos 25 milhões de motos, utilizadas sobretudo para o trabalho. Quer dizer que a queda nos preços não interessa a essa gente toda? Ou que todo cidadão que tem um carro é rico?

É essa maneira de ver o Brasil que conduz a funerais como o do Largo São Francisco. Cada vez mais o consórcio da mídia, dos intelectuais e da elite que se crê “de esquerda” apresenta sintomas de rompimento severo com a realidade objetiva; o resultado é que estão estabelecendo uma distância intransponível entre o Brasil que querem e o Brasil que existe. Na cabeça dessa gente, o “11 de agosto” é uma data de imenso apelo simbólico; na cabeça da maioria da população o 11 de agosto não significa nada. Disseram que estavam fazendo uma manifestação em favor da “democracia”; era um evento em favor da candidatura Lula, e atraiu o mesmo público que atraem os comícios da campanha eleitoral do ex-presidente. É a mesma coisa com a “carta”. Foi escrito lá que era um grito em favor do “estado democrático de direito”. Era um grito em favor da esquerda, numa faculdade onde os professores são de esquerda, o centro acadêmico é de esquerda, os bedéis são de esquerda; até a cera do assoalho é de esquerda.

Acham que é possível juntar multidões, e ganhar voto, defendendo o STF. Não percebem que o STF é uma das instituições mais desmoralizadas deste país; numa pesquisa publicada há pouco em O Estado de S. Paulo, só 16% dos brasileiros disseram que têm respeito pelo Supremo. Em toda essa pregação pela democracia não aparece, jamais, a palavra “liberdade”. Não se mencionam em nenhum momento o direito de livre expressão, o direito à liberdade política ou, na verdade, quaisquer direitos individuais. Não há menção, é óbvio, às prisões de jornalistas, de chefes partidários ou de deputados em pleno exercício de seu mandato – todos eles admiradores do presidente. Não há nenhuma objeção ao fato de que o ministro Moraes desrespeita a lei todos os dias, ao manter aberto o seu inquérito ilegal para investigar “atos antidemocráticos”.

Também não se explica de forma compreensível, e com fatos reais, por que a democracia estaria sendo ameaçada no Brasil neste momento – e precisando de abaixo-assinados em sua defesa. Como assim? Alguém se sente ameaçado pela polícia secreta do presidente? Alguém foi proibido pelo governo de fazer alguma coisa? Algum apoiador da campanha Lula foi punido, ou teve os seus rendimentos bloqueados, por falar mal de Bolsonaro nas redes sociais, ou por desejar que ele morra queimado? Como a democracia pode estar ameaçada num país onde o STF, a cada cinco minutos, expede decretos exigindo que o presidente da República “explique” tudo o que passa pela cabeça dos partidos de esquerda – do desfile do 7 de Setembro à varíola do macaco? Um juiz, a pedido da mesma esquerda, proíbe um outdoor contra o comunismo no Rio Grande do Sul – e é o governo que ameaça a democracia?

Mais obscura ainda é a proposição de que para salvar a democracia o brasileiro tem de votar em Lula – pois é exatamente disso que estão falando, quando se deixam de lado a hipocrisia e toda a imensa tapeação que foi montada em torno do assunto. Por que votar em Lula é ser a favor da democracia e votar em Bolsonaro é ser contra? O voto livre é um dos direitos mais elementares do regime democrático; porque a “carta”, e todo o universo construído em torno dela, nega às pessoas o direito de votar no atual presidente do Brasil? Ele não está no cargo porque deu um golpe e sim porque foi eleito pelo voto de quase 58 milhões de cidadãos, nessas mesmas urnas que o STF trata como o Santíssimo Sacramento. No fim, ficam indignados quando uma postagem de Bolsonaro nas redes sociais, fazendo pouco da “carta”, tem 360.000 sinais de aprovação, e a postagem de Lula, fazendo elogio, tem 6.000. Será que é mesmo uma surpresa tão grande? É perfeitamente possível que “o 11 de agosto” e o seu fiasco não queiram dizer nada para o resultado final da eleição presidencial de outubro; a maioria dos eleitores nem tomou conhecimento de que aconteceu alguma coisa de especial nesse dia. Mas se é com a “carta”, e com o seu apoio em praça pública, que contam para voltar ao Palácio do Planalto, é melhor que comecem a refazer as contas.


Lula e a Lei da Ficha Limpa


Publicado em 19 de agosto de 2022

O ex-presidente Lula, candidato que a esquerda nacional, as empreiteiras de obras públicas e as classes intelectuais já consideram vencedor das próximas eleições presidenciais, tem algum problema com o seu projeto de governo – e, a cada dia que passa, parece mais empenhado em piorar o defeito que está travando o motor do plano mestre que propõe ao eleitorado. Lula, basicamente, não fala sobre um novo Brasil. Quer, ao contrário, voltar ao pior Brasil do passado. Fala muito pouco sobre o que pretende fazer. Em compensação, fala o tempo todo no que vai desmanchar. O problema, nessa proposta, é que Lula só promete desfazer o que está bom; não tem nenhuma ideia séria para consertar nada do que está errado, mas não para de pregar a eliminação do que está certo.

Sua última proposta de destruição é a Lei da Ficha Limpa, que dificulta a volta à vida pública de políticos condenados na justiça criminal, sobretudo por corrupção. Lula disse que a lei “é uma bobagem”; quer que ela seja revogada, dentro do que seus admiradores chamam de “revogazo”, ou a eliminação em massa de tudo aquilo que os incomoda na administração do país. A lei não impediu que o próprio Lula, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes, esteja aí disputando a presidência da República.

O STF, numa das decisões mais alucinadas de sua história, simplesmente “anulou” todas as ações penais que havia contra ele. Não se disse, aí, uma única palavra sobre culpa ou sobre provas; apenas zeraram tudo, alegando que houve um engano de endereço no seu processo. Mas, assim mesmo, o ex-presidente não quer mais saber de ficha limpa para os políticos deste país. Não vale a pena correr nenhum risco; é mais seguro, na sua opinião, acabar com tudo logo de uma vez.

Lula já prometeu, em seu projeto de governo, acabar com a reforma da previdência. Também vai eliminar a reforma trabalhista e ressuscitar o imposto sindical – a extorsão de um dia de salário de cada trabalhador brasileiro, para forrar o bolso dos sindicatos. Promete revogar a independência do Banco Central. Quer fechar os clubes de tiro. Diz o tempo todo que é uma de suas “prioridades” suprimir a liberdade de expressão nas redes sociais e na televisão, para instalar o “controle social sobre os meios de comunicação”. Garante que vai anular as privatizações de empresas estatais – essas que deram prejuízo de 40 bilhões de reais nos governos petistas, e lucro de 190 bilhões em 2021. Quer, agora, acabar com a Lei da Ficha Limpa. Em matéria de destruição, é um plano e tanto.


O Brasil que “Não Aguenta”

Publicado em 13 de agosto de 2022

Um ministro do já remoto governo Sarney, habitualmente escalado pelos meios de comunicação para nos ensinar como o universo funciona, anunciou há pouco a possibilidade de uma tragédia monumental: o “Brasil”, segundo ele, não aguenta mais quatro anos “de Bolsonaro”. É mesmo? É uma sorte, realmente, que ele tenha tido a bondade de nos avisar, porque ninguém tinha percebido nada até agora. De que diabo o homem está falando? Não se sabe, em primeiro lugar, qual é esse Brasil que não vai aguentar. Se você aguenta perfeitamente, por que o Brasil não aguentaria? Em segundo lugar, o público não foi informado quais seriam, exatamente, os motivos concretos pelos quais o país vai acabar se Bolsonaro for reeleito presidente da República. Daria para nos citarem três fatos objetivos, por exemplo, para explicar por que aconteceria uma coisa dessas? Dois fatos, pelo menos? Tudo bem: um fato só?

Ninguém vai dizer que fatos seriam esses por uma razão muito simples: eles não existem. Não é coisa muito difícil de se constatar – basta ver que o autor da previsão foi nada mais, e nada menos, que ministro da Fazenda no governo Sarney. Justo no governo Sarney, e justo na Fazenda? É sabido que os povos têm os governos que merecem, mas, no caso do Brasil, naquela época, houve uma exceção: os brasileiros não fizeram nada para merecer o governo Sarney, talvez o mais incompetente em toda a miserável história da elitezinha brasileira que passa a vida sem produzir um único prego, mas manda na máquina do Estado e nas “instituições democráticas” que inventaram aí. Foi azar mesmo, puro e simples. Como pode o ministro de um governo desses vir a público falar de qualquer coisa – e ainda por cima de economia? O governo Sarney, com esse cidadão na cadeira de ministro da Fazenda, chegou ao seu último dia tendo uma inflação de 2.000% ao ano. Isso mesmo: 2.000%, no último ano, e chegou a ser mais, nos seus piores momentos. O presente governo, que na opinião do ex-ministro o Brasil “não aguenta”, deve fechar 2022 com uma inflação um pouco acima de 7%. Dá para o piloto da inflação de 2.000% ao ano dizer que o país não consegue suportar 7%? É o técnico do Madureira dando palpite na escalação do Real Madrid.

Fazer o quê? O Brasil, sabidamente, é um país com poucos talentos na sua vida pública. Um dos resultados disso é que os jornalistas vão procurar os heróis das suas entrevistas entre os que, comprovadamente, não deram certo – sobretudo quando eles dizem o que os jornalistas querem publicar. É o caso, mais uma vez, da profecia de que o país “não aguenta” mais quatro anos de Bolsonaro. O Brasil que não aguenta, na verdade, ou que não quer aguentar, é o Brasil dos parasitas – o Brasil dessa elite subdesenvolvida, inepta e preguiçosa que nos últimos três anos e meio viu uma parte das torneiras do Tesouro Nacional se fechar para ela. Só uma parte – mas o suficiente para deixar revoltados, impacientes e com medo os habituais acionistas controladores do Estado brasileiro. O que perturba a todos eles, como nunca aconteceu antes, é a sensação de não mandarem do jeito que mandavam na máquina pública e nos bilhões de reais que existem em função dela. Mais quatro anos de abstinência, mesmo parcial? Eles não querem isso; acham que não dá para “aguentar”.

O que não dá para aguentar é a inflação de 7% ao ano, depois de dois anos de economia travada em função da Covid e de uma guerra aberta em plena Europa; como pode dar certo uma política econômica que, segundo eles, está transformando o Brasil numa ruína? É a reforma da previdência que limitou os privilégios da casta superior do serviço público – e gerou bilhões de reais que irão para o erário, e não para bolsos privados. É o Banco Central independente do governo e dos amigos do governo. São as empresas estatais que dão lucro de R$ 200 bilhões por ano para os cofres públicos, em vez de 40 bilhões de prejuízo que viravam lucros para cofres particulares. É a redução de impostos que transfere dinheiro do Estado para a população, e deixa o Supremo Tribunal Federal em estado de crise nervosa. É a redução dos preços dos combustíveis, que passa para os cidadãos a renda que estava indo para os governadores de Estado. É um governo no qual as empreiteiras de obras públicas não mandam. É uma Caixa Econômica (ou um Banco do Brasil, ou uma Petrobrás) em que a diretoria não é nomeada por políticos e está a serviço dos seus interesses. É uma administração federal que parou de contratar funcionários e de dar aumentos salariais por passagem de tempo. É isso, e mais disso.

O centro da guerra política no Brasil de hoje está aí – e em nenhum outro lugar. Não tem absolutamente nada a ver com a democracia, com as “instituições”, com a “resistência” ao autoritarismo e com todo o resto dessa conversa fiada. Tem tudo a ver com interesses materiais feridos – e com a ideia fixa, por parte dos que deixaram de mandar no país, de voltar aos tempos em que mandavam. O Brasil que “não aguenta” mais quatro anos de Bolsonaro não é o Brasil do cidadão comum. É o Brasil dos que não querem pagar imposto – e têm recursos suficientes para ficar discutindo na justiça. É o Brasil dos banqueiros, dos empresários amigos do governo e dos professores que fazem greve para não dar aulas. É o Brasil dos grandes escritórios de advocacia, a começar pelos que se dedicam ao direito penal e defendem corruptos com milhões para gastar em honorários. É o Brasil dos diretores da Petrobras que roubavam a empresa – roubaram tanto que até aceitaram devolver parte do dinheiro roubado. É o Brasil da mídia que perdeu bilhões em publicidade paga pelo governo. É o Brasil dos que não gostam de concorrência, de mérito individual e de sucesso pelo esforço no trabalho. É o Brasil do STF que manda em tudo, mas não consegue impedir a inflação de descer aos 7% ao ano, ou que o desemprego continue caindo, ou que haja crescimento econômico em vez de recessão, ou que as exportações continuem a bater recordes; amariam que essas coisas acontecessem, para o governo desabar junto, mas elas não acontecem. É, no fim de todas as contas, o Brasil de quem quer colocar de novo na presidência da República, pela primeira vez na história, um político que a justiça condenou como ladrão – por praticar os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, segundo a decisão de nove magistrados diferentes, em três instâncias sucessivas.

A folhas tantas do seu pronunciamento à mídia, o ministro do governo Sarney declarou que a queda da inflação é “inconstitucional”. O que poderia definir melhor o Brasil que “não aguenta”? É essa, de fato, a Constituição que querem defender com os seus manifestos “em defesa da democracia”.


Os Banqueiros de Esquerda e o Paraíso Lulista

Publicado em 6 de agosto de 2022

A vida pública brasileira sempre foi capaz de criar coisas muito curiosas. Já inventaram o “senador biônico”, os moradores “em situação de rua” e a plaquinha proibindo as pessoas de entrarem no elevador se ele não estiver “estacionado neste andar”. Transformaram-se as eleições em questão judicial, como uma ação de despejo ou a cobrança de uma dívida no crediário da loja – temos aqui uma “justiça eleitoral”, objeto até hoje desconhecido em qualquer democracia séria do mundo. Está escrito na Constituição Federal que o cidadão, entre outros benefícios legais garantidos pelo Estado, tem direito ao “lazer”. Há neste momento um candidato à presidência da República que já foi condenado pela justiça por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes. Apresentam-se agora ao público, entre tantas outras novidades, os banqueiros de esquerda.

Os banqueiros de esquerda andam na companhia de uma espécie de primos, os empresários socialistas – alguns, segundo ficamos sabendo agora pela mídia, defendem as causas operárias desde a adolescência, na categoria de simpatizantes. Estão hoje encantados, todos eles, com um gosto novo em suas vidas – passaram a se sentir parte do “campo popular”, ou “progressista”, junto com os invasores de propriedade do MST, as gangues sindicais da CUT e a cantora que sapateia em cima da bandeira do Brasil. Assinam manifestos atestando a perfeição das urnas eletrônicas, apoiam o inquérito perpétuo que o ministro Alexandre de Moraes conduz para descobrir e punir os “inimigos da democracia” e, mais do que tudo, estão fechados com a candidatura de Lula à presidência da República. Apoiam, junto com Lula, um projeto de governo que promete ressuscitar o imposto sindical, impor o “controle social sobre os meios de comunicação” e criar uma estatal inédita para “cuidar da Amazônia” – mais uma porção de coisas parecidas, ou piores do que essas.

Essas duas novidades do Brasil, os banqueiros de esquerda e os empresários socialistas, fazem parte, ao que parece, da evolução natural das espécies ricas que se processa hoje pelo mundo afora – ou pelo menos nos Estados Unidos e na Europa. Lá também se multiplicam os milionários comunistas, ou coisa parecida; seu modelo de herói é o financista George Soros, uma espécie de Lenin do século XXI que promove a revolução mundial circulando de um continente a outro de jato particular e socando dinheiro em cima de tudo o que cheira à “causa popular”. Gostam muito, também, de Bill Gates – que descobriu, após ganhar seus primeiros US$ 130 bilhões com as regras do capitalismo, que no momento, e para os outros, a melhor ideia é entrar na religião socialista. Ele acha, por exemplo, que a solução para os problemas da humanidade é “tirar dinheiro dos ricos”. Gates não informou até agora, em sua nova consciência social, até onde vai abrir mão da sua própria fortuna. Será que estaria disposto a ficar só com o necessário, por exemplo, para levar o mesmo estilo de vida de um motorista de ônibus ou de um auxiliar de enfermagem? Tudo bem, não precisa tudo isso – que tal, então, uma situação parecida com a sua? Será que o homem toparia? Naturalmente, perguntas deste tipo são consideradas como de péssimo tom na bolha dos milionários “comunistas”. A “quem interessa”, perguntam eles e os seus advogados, saber esse tipo de coisa? Fica-se sem as respostas, portanto.

Não é nenhum segredo de Estado, de qualquer forma, que ninguém precisa mexer em um tostão na sua lista de despesas mensais, nem no seu estilo de vida, para ganhar certificado de “pessoa de esquerda”. Os ricos mudam de “ideologia”, mas não mudam de turma – nem aqui e nem na variedade internacional. Existe, na verdade, um pacote mental do milionário-padrão de esquerda, brasileiro ou não, e nada do que existe ali requer o sacrifício de qualquer conforto pessoal. Na sua versão completa, são todos a favor da “igualdade” – que deve ser obtida não pelo trabalho, o mérito e o talento individuais, mas por doação do erário público. É óbvio, também, que são altamente “inclusivos”. Têm horror ao racismo, à discriminação contra as “mulheres”, à “masculinidade tóxica” e à homofobia. Apoiam tudo o que os dirigentes do movimento LGBT pregam como “causas”, da passeata gay à criminalização dos “atos homofóbicos” e à livre entrada de transgêneros no banheiro das mulheres. São a favor da linguagem neutra, inclusive nas suas empresas. Querem mais terra para os índios – além, é claro, dos quase 15% do território nacional que eles já têm hoje. Apoiam cotas de empregos e de cargos executivos para “minorias”. Estão entre os devotos mais fervorosos das crenças segundo as quais a Amazônia está sendo destruída pelos incêndios, a motosserra e a pesca ilegal. Ficam indignados com a “mudança do clima”, com o “fascismo” e com cloroquina. Estariam em casa, e seriam muito festejados, em qualquer boteco da Vila Madalena.

Os ricos de esquerda existem por uma razão maravilhosamente simples: ser de “esquerda” não custa um tostão furado para ninguém hoje em dia. No passado não era assim tão fácil. O sujeito tinha de ser contra o regime militar, por exemplo, e expor-se a certas coisas incômodas, como a atenção da polícia; mais remotamente ainda, era preciso ser um revolucionário, viver escondido e estar pronto para pegar um fuzil-metralhadora, descer a Sierra Maestra e arriscar o couro tentando tomar o palácio do governo. Hoje sai tudo absolutamente de graça, para qualquer um; o risco de ser esquerdista foi reduzido a três vezes zero. Na verdade, um milionário pode ser de esquerda não apenas sem mudar nada em seus confortos – seu SUV de R$ 1 milhão, sua segurança armada e o seu helicóptero, ou jatinho, de última geração. Mantém tudo isso e ainda por cima pode ganhar muita coisa boa. A principal delas, aparentemente, é a absolvição pelos pecados de classe. De delinquente social, explorador do sangue, suor e lágrimas das massas trabalhadoras, o rico de esquerda passou a ser um tipo politicamente admirável, aprovado com louvor pelos bispos, pelo Facebook e pelos artistas da Globo. “Olhem só que bacana”, encantam-se as classes médias esclarecidas, os intelectuais e os jornalistas. “O cara é podre de rico e se preocupa com os pobres. Quer salvar a natureza. Vai votar no Lula.”

Ajuda muito, nesta imigração para o mundo da esquerda, um fato básico da vida: os milionários não precisam de nada daquilo que um cidadão comum pode desejar de um governo decente. Rico não precisa de emprego. Aliás, não precisa de nada que esteja ligado ao mundo do trabalho: oportunidades, progresso na carreira profissional, aumento de salário. Também não têm a menor necessidade de metrô, trem de subúrbio ou linha de ônibus. Polícia não faz falta nenhuma: milionário tem equipes inteiras de segurança privada e, além disso, os bandidos raramente cometem a estupidez de assaltar um deles. Não se importam com invasão de terra, no caso de terem terra. O MST sabe perfeitamente quem invade, e se houver algum engano Lula está lá para resolver na hora. Estão pouco ligando para a liberdade de expressão. O que vão fazer com isso? Não apenas não precisam da liberdade de expressão; o mais provável é que não queiram, ou que sejam a favor da censura – disfarçada pela virtuosa intenção de combater os “excessos” de liberdade que tanto infelicitam os ministros do STF. Lula disse que vai impor o “controle social” sobre a mídia; na verdade, disse que isso vai ser “prioridade” em seu governo. Os milionários socialistas não fizeram nenhuma objeção. Saúde pública? Rico de esquerda tem plano médico cinco estrelas. Escola pública? Filho de rico estuda em escola privada, com mensalidade de R$ 10.000 para cima. O resto é mais do mesmo. Não faz diferença nenhuma, para o bem-estar de quem vive nessas alturas sociais, que o governo seja bom, médio ou péssimo.

Os milionários de esquerda têm uma outra facilidade para ser como são. Aparentemente, eles não conseguem estabelecer em seu sistema mental nenhuma relação entre as suas fortunas e o regime capitalista – não percebem que a liberdade econômica foi necessária, ou talvez tenha ajudado um pouquinho, na construção da riqueza que têm. Fica simples, aí, apoiar o socialismo de Lula, a causa do “Estado forte” e os governadores que não querem baixar o preço da gasolina – os ricos “progressistas” acham que o seu patrimônio existe num mundo em que os fatos da economia não dependem do sistema de liberdades públicas em geral. Alguns deles também não veem relação de causa e efeito entre a situação de milionário e o fato de terem herdado as suas fortunas – dão a impressão de acharem que são ricos por alguma disposição da natureza. É mais ou menos como a criança que acredita que pipoca “dá” no forno de micro-ondas. Parecem acreditar, em sua atual devoção às causas populares, que poderiam ter enriquecido ou mantido o que têm se o Brasil tivesse vivido sob um regime socialista nos últimos 50 anos – se fosse uma Cuba, por exemplo, para ficar no país-modelo do seu candidato à Presidência.

Mais talvez do que qualquer outra consideração, em toda essa comédia, há um fato matador: houve realmente de tudo no governo Lula, mas uma coisa que não houve, de jeito nenhum, foi um único milionário prejudicado em algum aspecto da sua vida. Foi, o tempo todo, votar em Lula e correr para o abraço – ou, em certos casos, comprar uma passagem para o paraíso. Pense um pouco nos empreiteiros de obras públicas – um Marcelo Odebrecht, por exemplo, ou outro qualquer que puxou cadeia ou devolveu milhões em dinheiro roubado por força da Operação Lava Jato. Ou, então, nos fornecedores da Petrobras, nos empresários-heróis do tipo Eike Batista e outras estrelas. Essa gente ganhou ou perdeu nos governos populares de Lula e de sua sucessora Dilma Rousseff? Os banqueiros de esquerda, de um modo especial, têm as melhores razões para serem de esquerda: nunca antes neste país, em todos os seus 522 anos de história, os bancos ganharam tanto dinheiro como na era Lula-Dilma. Um número regularmente citado coloca em R$ 200 bilhões o lucro dos bancos nos dois governos Lula; Dilma foi outra festa. Por que não voltar a esses dias de sonho? É certo que os bancos também lucraram muito dinheiro no governo Bolsonaro; mas estão longe, com ele, de ter o grau de intimidade que tinham com Lula. Um fato é certo: Lula não mexe com banqueiro nem se tiver um revólver encostado na testa. Nunca mexeu. Não vai mexer. Então por que, no final de todas as contas, o Brasil não teria banqueiros de esquerda? É esquisito, claro. É coisa do nosso folclore, como o boto-cor-de-rosa ou o Negrinho do Pastoreio. É até engraçado. Mas tem toda a lógica.


Prendam esses Números

Publicado em 30 de julho de 2022

Existem dois tipos de números no Brasil de hoje – e só no Brasil de hoje. Uns são esses mesmos que você conhece desde o curso primário, estão nas cartilhas de aritmética e vêm sendo utilizados há mais ou menos uns 1.000 anos, ou coisa que o valha. Os outros são os números ilegais. Esses números são um problema e tanto. São detestados pelas classes que pensam e, mais do que isso, querem pensar por todos; são chamados, na linguagem da imprensa e do ministro Alexandre de Moraes, de números bolsonaristas, ou, pior ainda, de antidemocráticos. A guerra contra eles é coisa simples de se entender. Os números ilegais provam que a realidade dos fatos é exatamente o contrário do que dizem sem parar os formadores de opinião, os economistas de esquerda e o seu candidato à presidência da República – segundo eles, o Brasil foi “destruído” pelo atual governo, está com a economia “em ruínas” e virou um “pária” na comunidade internacional. Tudo isso é falso. Chamem a polícia, então, para prender os algarismos que atestam a falsidade – ou, quem sabe, o ministro Moraes, para proibir a sua divulgação nas redes sociais, por ameaçarem a “democracia”. Também se poderia entregar o caso às “agências de checagem”, para declarar que todos esses números, além de ilegais, são “fake news” inventadas pela direita.

Que tal começar pela inflação? O último boletim do Banco Central, que hoje é independente do governo, informa que a inflação vai fechar 2022, de ponta a ponta, em 7,3% – são os cálculos do IPCA, ou Índice dos Preços ao Consumidor. É isso mesmo: são 7,3%, no ano inteiro. Este é um dos números mais ilegais e mais odiados de todos. Ele desmancha, sozinho, a sentença de morte sem apelação que o “consórcio de órgãos de imprensa” e os seus analistas de mesa-redonda já tinham passado para a economia brasileira. Até outro dia, os jornalistas davam como certo que a inflação estava “fora de controle”. Quando escreviam isso, com a certeza de quem anuncia um fato científico, estava acontecendo justamente o oposto no mundo das coisas reais. A inflação, naquele preciso momento, não apenas estava sob controle; estava caindo. A se confirmarem as estimativas do Banco Central, que não costuma errar nesses casos, o Brasil terá, na verdade, uma das menores taxas de inflação do mundo. Vale a pena, aí, pensar um ou dois minutos nesses 7,3%. Isso é menos do que a inflação prevista para este ano nos Estados Unidos, que está rolando na beira dos 8,5% para os últimos 12 meses, e pode subir ainda mais; é a pior dos últimos 40 anos. Muito bem. A pergunta a fazer, no caso, é a seguinte: você se lembra, alguma vez na sua vida, de ter visto a inflação no Brasil ser menor que a dos Estados Unidos? Está acontecendo agora; como, então, a economia brasileira poderia estar “destruída”?

A inflação é um índice geral; no universo das coisas mais específicas e mais próximas ao bolso das pessoas há um outro número antidemocrático, e da pior espécie. Os preços dos combustíveis, pagos pelo consumidor na bomba do posto de gasolina, acabam de cair pela quarta vez seguida. É um desastre, para o Brasil que combate o “fascismo”. Anunciava-se, nesse meio, que a explosão mundial nos preços do petróleo ia mandar o Brasil e o governo Bolsonaro para o espaço; para o condomínio que luta em favor da democracia, do STF e da perfeição das urnas eletrônicas, por sinal, o preço do combustível subia só no Brasil, e só por culpa direta do presidente da República. E agora? Agora eles querem declarar que a redução de preços é um atentado à democracia – e que o governo deve ser punido pela solução que deu para o problema. O Brasil não baixou nenhum decreto de “tabelamento de preços”; em vez disso, fez o preço da gasolina baixar. Esse é o tipo de coisa que deixa a esquerda nacional à beira de um colapso de nervos. Sua religião econômica é a da Argentina, onde o governo mete tabela em tudo o que lhe passa pela frente, e não faz baixar o preço de nada. No momento, aliás, estão “reforçando o controle oficial de preços” nos supermercados – e a inflação está indo para os 65% ao ano. Como “o Bolsonaro”, que faz o contrário do que fazem os argentinos e do que manda o manual econômico do Brasil “civilizado”, pode baixar o preço dos combustíveis sem fazer tabelamento — e, além disso, segura a inflação anual nos 7,3%?

Isso não poderia estar acontecendo – mas, como é exatamente isso o que acontece, a saída da oposição é pedir ao TSE, o braço do STF que controla as eleições brasileiras, a cassação da candidatura de Jair Bolsonaro para presidente da República. A queda de preços, para a mídia, os intelectuais e o resto do “campo progressista”, foi consequência direta da “demagogia eleitoreira” do presidente; não se pode fazer uma coisa dessas. Por que não pode? O preço dos combustíveis caiu porque o Congresso Nacional, a pedido do governo e com votação quase unânime, aprovou uma redução importante nos impostos estaduais sobre gasolina, álcool e diesel. É lei; o STF e os governadores querem melar, mas é lei. Além do mais, como o governo federal poderia ser punido por praticar a sua obrigação de governar o país? Quer dizer que em ano eleitoral, então, o governo tem de ficar trancado em casa, sem fazer nada? Não interessa. Segundo a oposição, os banqueiros de esquerda e a cantora que sapateia em cima da bandeira nacional, a queda de preços dos combustíveis, mais toda a melhoria nos programas sociais – que também foi aprovada no Congresso —, é coisa do mal. Vai ser usada, como as eleições, para a “direita” continuar no governo e, em seguida, “implantar um regime autoritário” no Brasil. Não faz nexo nenhum. Mas é o que estão dizendo todos os dias.

Há também o PIB, esse bendito PIB que ninguém sabe como é calculado, mas que é uma tragédia quando está baixo, e uma trapaça que só beneficia os ricos quando está crescendo – ou, então, é uma bobagem sem importância nenhuma para “o povo”. É o caso do Brasil de hoje. No final de 2021, era uma certeza para o FMI, os analistas dos bancos nacionais ou estrangeiros e o noticiário econômico em geral que em 2022 o Brasil estaria em recessão. Não só não iria crescer nada; a economia ia andar para trás, como no segundo governo de Dilma Rousseff, que gerou a maior recessão econômica que o Brasil já teve em sua história. Vem aí, então, mais um número ilegal: o PIB brasileiro, pelos cálculos agora de julho, vai subir 2% este ano. Como assim? É precisamente o inverso do que todos juravam que ia acontecer; o ministro Paulo Guedes, a propósito, disse que os economistas, e analistas do “mercado”, e especialistas etc. etc. etc. iriam passar o ano inteiro revendo para cima as suas previsões. Estão fazendo isso, mas acham que o PIB positivo não adianta nada; já o PIB negativo, como a saúva, ia acabar com o Brasil. Para a mídia, em especial, a solução é banir esse número para um estado de semiclandestinidade, o mais longe que for possível das manchetes e dos destaques do horário nobre.

Na verdade, o Brasil é um caso raro de saúde razoável num mundo de economia doente. Nesta semana, o FMI anunciou que as perspectivas de crescimento global “estão inclinadas esmagadoramente para o lado negativo” e que, se as previsões se concretizarem, a economia mundial poderá enfrentar uma das piores recessões em meio século. Entre as exceções estão o Brasil e o México. O aumento da inflação global e uma desaceleração nos Estados Unidos e na China levaram o FMI a diminuir suas projeções. “O panorama ficou consideravelmente sombrio desde abril”, disse o economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas. “As três maiores economias do mundo, os Estados Unidos, a China e a zona do euro, estão empatando nessa estagnação com grandes conseqüências para o panorama global”, estimou ele. Além do Brasil e do México, a Rússia também apresenta índices econômicos positivos em razão dos preços mais altos do petróleo devido às sanções ocidentais. Para a América Latina e o Caribe como um todo, o FMI elevou suas perspectivas de crescimento para este ano para 3%, uma revisão para cima de 0,5 ponto percentual “como resultado de uma recuperação mais forte nas grandes economias”: Brasil, México, Colômbia e Chile.

Os índices de desemprego são outra frustração de primeira grandeza. A última cifra é de 9,8%, a menor dos últimos seis anos – ou seja, menor do que era quando começou a pandemia, ou no final do governo Dilma. Neste ano, só de janeiro a abril, foram criados mais de 1 milhão de empregos com carteira assinada; em maio, o total de brasileiros com emprego formal estava próximo aos 42 milhões, um recorde na história do cadastro do Ministério do Trabalho, iniciado dez anos atrás. Só no mês de junho, o número disponível mais recente, foram criados 300 mil novos empregos. No total, com covid e tudo, o atual governo tem um saldo positivo acima de 2 milhões de vagas. Se há mais gente empregada agora do que havia antes do governo assumir, e se o STF, os governadores e os prefeitos mantiveram a economia fechada durante dois anos inteiros, o que aconteceu com o “extermínio do trabalho” anunciado com tanta paixão pelos comunicadores, influenciadores e funcionários dos “grandes veículos” de comunicação? É a mesma decepção com o comércio exterior. Nos últimos 12 meses o Brasil exportou quase US$ 310 bilhões, e teve um saldo próximo aos 60 bilhões na sua balança comercial; a produção agrícola, em especial, vai bater um novo recorde em 2022. Também aí está tudo errado. Segundo garante a nossa melhor elite financeira, o Brasil está “isolado” no mundo: países estrangeiros, bancos internacionais, altas multinacionais e fundos de investimento conduzem um boicote pesadíssimo contra a economia brasileira, para punir o presidente e seu governo pela agressão ao “clima” do planeta em geral, e os incêndios na Floresta Amazônica em particular. É outro mistério. O Brasil é o único país do mundo e da história que está sofrendo um boicote internacional e, assim mesmo, vende cada vez mais os seus produtos no exterior.

O país “destruído” pelo governo atual é uma mentira; pior que isso, é uma bobagem, ou um certificado de estupidez para a frente “equilibrada” que acha uma boa ideia colocar na presidência do seu país um político que passou 20 meses no xadrez, condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes. Para “salvar o Brasil da direita”, estão trocando a disputa política por fanatismo, pela histeria e pelo rancor; não respondem mais à razão, e sim aos seus tumultuados desacertos psicológicos. O resultado é que estão em pleno negacionismo dos números.


O Brasil nunca Teve um Candidato que Defendesse tanto quem Comete Crimes

Publicado em 26 de julho de 2022

A última coisa que o Brasil precisa neste momento e para o futuro imediato, sem dúvida nenhuma, é mais crime – a principal forma de opressão que existe hoje em dia contra os cidadãos brasileiros em sua vida cotidiana. É um prodígio, assim, que um dos candidatos à presidência da República nas próximas eleições, o ex-presidente Lula, seja um defensor aberto e agressivo dos criminosos e do crime. Ele prega uma “política de desencarceramento” para condenados por tráfico de drogas em seu governo – ou seja, quer tirar bandidos na cadeia, em vez de tirar da circulação os criminosos impunes que desgraçam a população todos os dias, e cada vez mais.

Seus aliados próximos exigem do STF a liberação do uso e porte de drogas “em pequena quantidade”. Lula faz discursos indignados em favor do roubo de celulares, ao defender, como se fossem vítimas, “os meninos” que se dedicam a esse tipo de crime; acha um “absurdo” a polícia prender ladrão de celular, “enquanto crianças passam fome”, etc. etc. Disse que policiais não são seres humanos; quis voltar atrás, depois, mas já tinha dito. Fez questão de declarar sua solidariedade a um militante petista processado por tentativa de homicídio.

Nunca antes, numa campanha eleitoral neste país, se viu um candidato tão apaixonado na defesa do crime. Lula, naturalmente, diz que isso é “política social”; afinal, ele sempre afirmou que os bandidos não são os agressores, mas as vítimas da sociedade. Na sua visão de governo, devem ser protegidos da polícia e da justiça, e não combatidos por elas. É uma teoria estúpida, pois jamais resultou na recuperação de criminoso nenhum, e sim em mais crime. O que você acha que acontece quando soltam bandidos que estão na penitenciária: o número de crimes vai aumentar ou diminuir?

Já não chegam as dezenas de milhares de delinquentes que estão soltos – e roubam, matam e estupram todos os dias? Pois então: Lula quer colocar mais dessa gente na rua. Isso é ser a favor ou contra o crime, na prática? E as drogas? “Pequenas quantidades” de heroína nas escolas, por exemplo, ou de cocaína – isso vai deixar o Brasil melhor, mais próspero ou mais justo? Ninguém precisa de uma “grande dose” de heroína para começar a sua ruína. Os únicos que precisam desta “descriminalização”, e que vão lucrar com ela, são os traficantes e o crime organizado.

É aí, na verdade, que está o maior câncer da sociedade brasileira nos dias de hoje: poucos países do mundo, provavelmente nenhum, favorecem tanto o crime quanto o Brasil. Ano após ano, muda-se as leis para beneficiar diretamente os criminosos – eles têm cada vez mais direitos, mais garantias, mais instrumentos legais para escaparem das punições, mais proteção da justiça, mais privilégios e mais impunidade. Os policiais, ao contrário, são perseguidos cada vez mais, como se os inimigos da sociedade fossem eles, e não os bandidos.

A cada lei nova que o Congresso aprova, menos direitos e mais riscos o policial brasileiro tem – a ponto de que hoje, do ponto de vista legal, é mais perigoso ser um policial do que ser um assaltante, homicida ou estuprador. É o resultado direto da perseguição feita o tempo todo aos policiais pelo Supremo, pelo Ministério Público, pela corregedoria da polícia, pelos governadores de Estado, pela Defensoria Pública, pelos grupos de “direitos humanos”, pela mídia em peso. Na prática, todos eles estão defendendo diretamente o crime e as organizações criminosas. Negam, é claro – mas é exatamente isso o que acontece no mundo das realidades concretas.

A legislação penal brasileira jamais, em momento algum, pensa nas pessoas honestas, inocentes e indefesas que são vítimas do crime – nem em seus direitos, ou na proteção que teriam de receber da autoridade pública. O “direito à vida” que a Constituição lhes garante é uma piada; o direito realmente garantido no Brasil é o de quem mata. Como poderia ser diferente? As leis brasileiras, há anos, são escritas pelos que estão nos degraus mais altos do crime, com os bilhões que têm, a influência que exercem e o terror que impõem.

Fazem isso através dos escritórios milionários de advocacia penal, que armam desde a redação até a aprovação das leis no Congresso. Quem pode se esquecer do grupo de advogados que dá a si mesmo o nome de “Prerrogativas” e que está fechado com Lula para a presidência? Um de seus membros mais destacados disse em público, numa festa feita em São Paulo para o seu candidato, o que parece ser o lema do grupo: “Se o crime já ocorreu, para que punir?”

Ele estava se referindo, no caso, aos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelos quais Lula foi condenado em três instâncias e por nove magistrados diferentes – algo que ajuda a deixar claro porque o ex-presidente está do lado em que está. Mas acaba mostrando de forma admirável porque vivemos hoje no meio desta calamidade toda. O crime prospera no Brasil, e vai prosperar cada vez mais, porque as elites, que jamais têm problemas de segurança consigo mesmas, trabalham a favor dos grandes criminosos.


Um Tribunal que Joga para Lula

Publicado em 23 de julho de 2022

Prepara-se neste momento no Brasil, à vista de todo mundo e com a falsificação da lei por parte dos que têm a obrigação de garantir o seu cumprimento, o que tem toda a cara de ser o roubo de uma eleição – ou algo tão parecido com isso, mas tão parecido, que fica difícil dizer qual seria a diferença. Podem não conseguir. Podem desistir no meio do caminho. Pode até ser, dentro do princípio geral de que tudo é possível, salvo prova científica em contrário, que acabe havendo eleições limpas para a escolha do próximo presidente da República daqui a dois meses e meio. Mas provavelmente nunca, nos 522 anos de história deste país, uma facção política que controla a eleição e a apuração dos votos fez tanto esforço para dar a impressão que está usando o aparelho do Estado com o propósito de fazer exatamente isso: garantir, antes da votação e seja lá qual for a vontade dos eleitores, a vitória do seu candidato à presidência. Esse candidato é o ex-presidente Lula.

Não há nisso tudo nenhum mistério ou problema incompreensível de física nuclear. Vota-se, no Brasil, com um sistema eleitoral que essencialmente só é utilizado em dois outros países, Butão e Bangladesh – e não se admitiu até agora a mínima sugestão para dar mais segurança ao processo. Encerrada a votação, um funcionário do Estado que preside o “tribunal eleitoral”, uma aberração que não existe em nenhuma democracia séria do mundo, vai dizer quem ganhou – sem que haja, por parte de ninguém, a possibilidade material de verificar se a apuração dos votos corresponde à vontade que a maioria dos eleitores registrou nas urnas eletrônicas. Esse funcionário é o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, com o apoio fechado de oito entre os seus dez colegas de função pública – é ele quem vai chefiar o TSE nessas eleições. Acontece, muito simplesmente, que o ministro Moraes dá a entender todos os dias, pelas decisões oficiais que está tomando, que não é imparcial. Ao contrário: age como inimigo aberto de um dos candidatos, o presidente da República, e como militante também aberto do seu adversário. Não é uma questão de achar ou não achar isso ou aquilo. É o que está nos despachos do ministro. Como evitar, assim, que cresça dia a dia a desconfiança geral na honestidade dessas eleições? Não basta que uma eleição seja honesta. Ela tem de parecer honesta, como a mulher de Cesar. Essa aí não está parecendo, nem um pouco.

Os fatos são os fatos. Em seu último conjunto de decisões, Moraes proibiu que qualquer dos 200 milhões de brasileiros diga nas redes sociais uma única palavra sobre as possíveis ligações que existem entre Lula, o PT, a organização criminosa PCC e o assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André – atendendo a uma exigência feita pelos próprios Lula e PT. É um ato inédito, em sua ambição, seu rancor e sua violência, contra a liberdade constitucional de expressão garantida por escrito na principal lei do país. A informação sobre essas ligações é fato público: foi impressa e divulgada digitalmente pela revista Veja, reproduzida por outros veículos de imprensa e debatida no ambiente político. Faz parte, aliás, de um documento oficial – o depoimento de confissão, homologado pela justiça, de Marcos Valério, o intermediário na distribuição de propinas no primeiro governo Lula. Que lei permite ao ministro impedir que alguém mencione um fato exposto ao conhecimento geral pela mídia? O que Moraes decidiu na prática é que ninguém pode dizer a seguinte frase no Twitter, no Facebook e em outras redes sociais: “Eu li na Veja que o Marcos Valério falou à justiça sobre ligações entre Lula, o PT, o PCC e o assassinato do prefeito Celso Daniel”. Como assim, “não pode”? As informações já foram publicadas na mídia, e a mídia, pelo menos até agora, não está proibida de dizer nada, e nem obrigada a dizer o que quer que seja; a divulgação das palavras de Marcos Valério, assim, foi perfeitamente legal. Como, então, o sujeito não pode repetir fatos que foram expostos legalmente? A imprensa pode falar e o cidadão não pode? É isso o que o ministro resolveu?

Moraes mandou apagar das redes as menções feitas sobre o relacionamento entre Lula, PT e PCC; afirmou que são “mentiras”. Quem disse que são “mentiras”? Não foi a justiça. O caso Valério continua em aberto; como o ministro pode dizer, antes da decisão final do processo, que as declarações do intermediário do “Mensalão” são mentirosas? Quem está dizendo isso é Lula e o PT, só eles, para não terem de responder perguntas sobre o assunto durante a campanha eleitoral – eles e, agora, Alexandre de Moraes. Onde está, nesse caso, a imparcialidade do magistrado que vai dizer, em outubro, quem ganhou a eleição? O que ele fez, neste episódio, foi interferir diretamente na campanha, tomando o partido de um dos candidatos. É exatamente a mesma parcialidade que Moraes mostrou ao dar “dois dias” para o presidente Jair Bolsonaro “explicar” a acusação, feita por partidos de esquerda, de que ele incentiva o chamado ”discurso do ódio” na campanha eleitoral. De qual ato de “ódio”, objetivamente, se acusa Bolsonaro? Os acusadores não citam nenhum. Dizem apenas que seus discursos “configuram-se em estímulos psicológicos que vão construindo no imaginário dos seus apoiadores e seguidores a desumanização dos opositores”. É isso, promover o ódio? Moraes afirmou que essas alegações são “relevantíssimas”. Não disse uma sílaba, porém, sobre o filme em que Bolsonaro aparece assassinado numa passeata de motocicletas, jogado no chão, com sangue e uma faixa verde-amarela de presidente. Isso, para os árbitros supremos das eleições, não é ódio – nem o vídeo em que uma turma aparece jogando futebol com a cabeça do presidente da República.

“É um claro abuso de poder, uma censura inaceitável e um facciosismo incontestável”, diz o jurista Adilson Dallari sobre a proibição de se falar nas redes sociais a respeito das ligações de Lula e PT com o PCC. “O despacho deveria terminar com a expressão: ‘PT saudações.’” O advogado e ex-desembargador Ivan Sartori diz que a decisão de Moraes é censura prévia. “O artigo 220 da Constituição estabelece que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”, diz ele. “A retirada prévia implica em censura.” O jurista Dircêo Torrecillas acha estranho que Moraes tenha decidido que as afirmações sobre Lula, PT, PCC e Celso Daniel sejam falsas antes da apuração do caso. “As eventuais punições por crimes de calúnia, injúria ou difamação só podem vir depois que forem concluídas as investigações”, diz ele. O professor Ives Gandra Martins diz que a história em torno de Celso Daniel é um boato, já que não há provas sobre o que realmente aconteceu – mas na sua opinião boato se desmente, e não se transforma em causa levada à suprema corte do país.

Tudo o que o ministro Alexandre de Moraes decide vai na mesma direção. Ele acaba de prorrogar por mais 90 dias o inquérito ilegal, inédito e perpétuo que conduz desde 2019 – isso mesmo, 2019, ou três anos – para investigar “fake news”. Não há um único fato que possa ser apresentado para justificar a continuação desse inquérito que não acaba mais, e que não tem similar na história da justiça brasileira. Um ministro do STF não tem direito de abrir e chefiar um inquérito policial sobre causa nenhuma. Não pode chamar agentes da Polícia Federal para trabalharem sob suas ordens diretas. Não pode negar aos advogados o acesso aos autos da sua investigação. Não pode recusar-se a especificar para os indiciados quais as acusações legais que estão sendo feitas contra eles. Não pode prender durante nove meses, e depois condenar a nove anos de cadeia, um deputado federal no exercício do seu mandato. Não pode bloquear salários. Não pode – mas foi feito, e continua sendo feito. A única função do inquérito de Moraes, no mundo das realidades, é perseguir o presidente da República e os seus aliados. Como falar em neutralidade da “justiça” nesta campanha eleitoral se o ministro mantém aberto, pelo menos até o dia da eleição, um processo oficial que hostiliza abertamente um dos candidatos – e só ele? Em que democracia do mundo se faz um negócio desses? Mais: como Moraes pode ser imparcial e, ao mesmo tempo, receber para uma reunião íntima, a portas fechadas, os chefes dos partidos de esquerda? Se existe alguma questão legal a ser resolvida, quem teria de se dirigir ao ministro seriam os advogados; em vez disso, ele recebe os políticos que compõem uma das partes da disputa eleitoral. É do conhecimento geral, também, a coleção de ameaças, inclusive de prisão, que Moraes faz contra o que ele considera o “mau uso” dos recursos digitais na campanha – e nas quais fica claro, até para uma criança com 10 anos de idade, qual dos dois lados da disputa está sendo de fato ameaçado.

O marechal de campo do “tribunal eleitoral” tem o apoio quase completo dos colegas. O ministro Edson Fachin parece ser o primeiro deles. Fachin tomou a extraordinária decisão de anular, por erro de endereço postal, as quatro ações penais contra Lula – inclusive sua condenação pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes. Ele criou, com essa canetada, a candidatura de Lula à presidência – e, agora, acusa Bolsonaro de querer dar um “golpe” nas eleições. Não gostou, nem um pouco, que o presidente tenha se reunido com embaixadores estrangeiros para falar das eleições. Ele estava simplesmente exercendo o direito de apresentar o seu lado numa discussão na qual os adversários se manifestam a cada cinco minutos, aqui e no exterior; provocou reações histéricas. “Basta”, disse Fachin. “Basta” o quê? Qual a sentença que o ministro vai dar na próxima vez que Bolsonaro falar ou fizer alguma coisa que ele não gosta? Ainda falta tempo para as eleições. O presidente não vai ficar quieto até lá. O STF, então, vai cassar a sua candidatura? Há também o ministro Luís Roberto Barroso. Esse já disse que “eleição não se ganha, se toma”. Também afirmou, numa conferência nos Estados Unidos, que Bolsonaro é o “inimigo”. Dos outros ministros nem é preciso falar. Sete dos 11 foram nomeados por Lula e Dilma Rousseff. Outros dois são Alexandre de Moraes, justo ele, e Gilmar Mendes, que chorou em homenagem aos advogados que defenderam Lula nos seus processos criminais. São essas as figuras que vão lhe dizer quem ganhou a eleição.



Lista Geral das Coisas Impossíveis

Publicado em 18 de junho de 2022

Eis aqui uma lista de coisas que não vão acontecer nunca; não perca o seu tempo tentando encontrar alguma delas, ou esperando que aconteçam, porque você não vai conseguir nada. É uma das maravilhas do nosso tempo. Em toda a história da humanidade, jamais houve uma época, como agora, com tanta informação e tanto conhecimento à disposição de tanta gente e de forma tão imediata. Ao mesmo tempo, nunca se fez tanto esforço para impedir que as pessoas comuns tomem conhecimento dos fatos: são eliminados, simplesmente, quando contrariam a visão de mundo da maior parte dos comunicadores, “formadores de opinião” e o resto das chamadas elites culturais que há na praça. Segue-se uma relação de alguns fatos que jamais são contados, e nem serão. Pode ser útil.

• É impossível que um jornalista europeu ou americano escreva ou diga que os índios são 0,4% da população brasileira, ou 900.000 sobre um total de 220 milhões de pessoas, e ocupam quase 14% do território do Brasil. Também não escrevem, nem dizem, que 50% da população indígena não vive em reservas – ou seja, estão no meio dos demais cidadãos deste país.

• É impossível que um jornalista brasileiro, ou de qualquer nacionalidade, escreva ou diga que os homossexuais formam 1,3% da população do Brasil. Segundo dados do IBGE, divulgados agora em maio, um total de 2,9 milhões de brasileiros acima dos 18 anos de idade declarou ser gay, dentro do mesmo conjunto de 220 milhões de pessoas mencionado no item anterior. A ideia transmitida pela mídia é exatamente oposta a esses dados. Um jornal de São Paulo, por exemplo, já afirmou que houve “4 milhões de pessoas” numa parada gay na Avenida Paulista.

• Os cerca de 300 milhões de toneladas de grãos que o Brasil deve produzir na corrente safra ocupam pouco mais de 8% de toda a superfície territorial do país. Foram plantados, este ano, pouco acima de 70 milhões de hectares; o Brasil tem 850 milhões de hectares de extensão. Esses fatos são tratados como segredo de Estado pela mídia – e os números em que se baseiam são considerados “tendenciosos”, porque levam o cidadão a concluir que a agricultura brasileira não tem absolutamente nada a ver com a “destruição da Floresta Amazônica”. Como são “tendenciosos”, não podem ser publicados, pois vai parecer “fake news”, ou notícia “enganosa”, ou “desinformação” etc.

• É mantido em sigilo, também, o fato de que o produtor rural brasileiro é obrigado a reservar 20% da área de sua propriedade para as matas – e, se na propriedade não houver mata, ele é obrigado a plantar. Na Amazônia, essa exigência é de 80% da área. Não se informa, igualmente, que os donos da terra não recebem nenhum tipo de compensação financeira por colaborar com a preservação da natureza, nem na forma de abatimento nos impostos que paga. O público não é informado que os proprietários rurais da Europa e dos Estados Unidos, onde o agronegócio brasileiro é condenado todos os dias por destruir o meio ambiente, “alterar o clima” e ameaçar a segurança do “planeta”, não têm nenhuma obrigação remotamente parecida com essa – nem com a preservação das “matas ciliares” na margem dos rios, nem com os satélites do “cadastro rural”, nem com os fiscais do Ibama, do Incra, das secretarias estaduais e municipais do Ambiente, e por aí afora.

• Nunca será encontrada na mesma sentença a informação de que a inflação do Brasil nos 12 meses encerrados em maio é de 11,7%, e que a inflação nos Estados Unidos, no mesmo período, é de 8,5% – ou que a da Alemanha é de 8%. A inflação, pelo que se publica, é um fenômeno que só ocorre no Brasil.

• No atual debate sobre os preços dos combustíveis para o consumidor, e a “necessidade” de se adotar um “preço brasileiro” para o petróleo – já que a Petrobras explora com sucesso as reservas existentes no Brasil -, não há possibilidade de se mencionar que o preço das mercadorias jamais é determinado pelo seu custo de produção, e sim pelo seu valor de mercado a cada momento. Não há um “preço brasileiro” para a soja – nem para o café, o açúcar, o frango, a carne, o suco de laranja, o minério de ferro, a celulose e assim por diante. Compra-se e vende-se cada um desses produtos não por aquilo que custaram para o produtor, e sim por aquilo que o mercado internacional quer pagar por eles.

• Não se lê nunca na imprensa, e nem se diz nunca na televisão ou rádio, que dos 11 atuais ministros do Supremo Tribunal Federal sete foram nomeados nos governos Lula-Dilma, e dos quatro que sobram um é Alexandre de Moraes e o outro é Gilmar Mendes.

• Não há registro, também, de que o inquérito do ministro Moraes para investigar “fake news” e “atos antidemocráticos” seja ilegal, pois a lei não permite que o STF conduza uma investigação criminal. Quem faz isso é a polícia e o Ministério Público, cabendo à justiça comum decidir sobre culpa ou inocência – e ao Supremo, única e eventualmente, manifestar-se sobre a legalidade constitucional do que foi decidido, caso surja alguma dúvida a respeito.

• O público não encontra, não encontrou até agora e nem vai encontrar algum dia no futuro nenhuma menção ao fato de que as decisões derivadas deste inquérito ilegal também são ilegais: prisão de um deputado federal no exercício de seu mandato, sem que tenha cometido crime inafiançável ou sido preso em flagrante; a criação do “flagrante perpétuo”, pelo qual um delito, mesmo depois de concluído, não se conclui nunca; anulação do dispositivo constitucional que proíbe a punição de parlamentares por manifestarem “quaisquer opiniões”; bloqueio da conta salarial do mesmo deputado; bloqueio da conta de sua mulher, que não é investigada por delito nenhum; o não reconhecimento de um decreto presidencial concedendo graça ao deputado em questão, sempre o mesmo.

• O público não foi informado até agora, nem será, que o crime de “fake news”, exposto diariamente na mídia e atribuído apenas a criminosos de direita, não existe nos 361 artigos do Código Penal Brasileiro, e em nenhum outro lugar da legislação ora vigente no país. Nenhuma lei proíbe alguém de mentir, ou de dar notícia mentirosa, falsa ou simplesmente errada: são punidas, isto sim, as consequências da mentira, na forma dos delitos de calúnia, difamação e injúria, ou de falso testemunho, estelionato, sonegação fiscal, fraude, informação falsa em documento público, omissão da verdade e outros, conforme o caso específico e as circunstâncias.

Esse rol de informações impossíveis poderia continuar por horas e horas, e não se chegaria nunca ao fim. Algo a fazer a respeito? Não muito. Mas um fato é certo: sempre que você ler no jornal ou ouvir na televisão e rádio algo que não entende, ou que lhe parece uma cretinice, ou que tem cara de mentira, fique tranquilo — é você quem está com a razão, e não eles. Continue na sua, e obedeça à lógica comum; é o que se pode fazer. Já é alguma coisa. (https://luizberto.com/lista-geral-das-coisas-impossiveis/)



Constituição em Frangalhos

Publicado em 14 de junho de 2022

A democracia do Brasil está sendo destruída na frente de todo o mundo, praticamente todos os dias, pelas decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Não há nada oculto, e nem sujeito à dúvida, naquilo que fazem: estão criando, peça por peça, um país fora da lei, no qual a Constituição Federal e o restante da legislação em vigor não valem mais nada, os direitos individuais foram suprimidos e o resultado das eleições pode ser montado numa sala secreta do “TSE”, o braço eleitoral do STF. Qualquer cidadão brasileiro pode ser preso, obrigado a usar tornozeleira e punido com multas extravagantes e ilegais. Está sendo tocado no degrau mais alto da justiça um inquérito policial proibido por todas as leis – nunca foi feito, em toda a história do Brasil, nada de parecido. Partidos políticos são proibidos de operar por decisão individual de um ministro – que, naturalmente, conta com o apoio da maioria dos colegas em qualquer decreto que assine, por mais demente que possa ser. Há violação aberta ao direito de livre expressão; não é permitido, simplesmente, dizer o que os ministros não querem que seja dito nas redes sociais. Há ameaça pública, por parte do STF e do TSE, de cassar candidaturas à próxima eleição – uma intervenção no processo eleitoral que jamais se viu desde que o Brasil retornou oficialmente ao Estado de direito.

É uma ditadura em construção. Um decreto perfeitamente legal do presidente da República, anulando uma condenação do STF, é ignorado pelo ministro Alexandre de Moraes, o autor da sentença; ele continua socando punições em cima do indivíduo que persegue, e a maioria dos seus companheiros de plenário apoia este ato de desordem aberta. A imunidade dos parlamentares, que segundo a lei não podem ser punidos por “quaisquer opiniões” que derem em público, foi grosseiramente desrespeitada pelo tribunal – um deputado federal em pleno exercício do mandato, esse mesmo que o presidente perdoou, foi preso por nove meses, condenado a quase nove anos de prisão e enfrenta multas que podem chegar a R$ 1,5 milhão, pelo único e exclusivo fato de ter feito “ataques” verbais ao STF. Suas contas bancárias foram bloqueadas, inclusive a que paga os seus vencimentos como deputado – e bloquear salário, qualquer salário e por qualquer motivo, é proibido de maneira absoluta por todas as leis do país. O ministro que persegue o deputado bloqueou, também, as contas de sua mulher. É algo nunca visto no Direito. A mulher do deputado não é acusada de crime nenhum, não faz parte do processo e, se tiver alguma coisa a ver com a história, a violência fica ainda mais absurda – ela integra a equipe de advogados do réu, e nenhum deles jamais poderia ser atingido por qualquer punição de quem está julgando o caso no qual advogam. (Imagine-se um pouco o que aconteceria se bloqueassem a conta bancária de um advogado de Lula, durante suas desventuras com a justiça penal brasileira. O mundo acabaria na hora.) O STF apoia essa aberração, como apoia toda a conduta delinquente do colega.

Vive-se num regime de histeria. O dirigente de um partido político sem expressão – não tem nenhum deputado federal, nem estadual -, mas que opera inteiramente dentro da lei, chamou um ministro Moraes de “careca”; o partido todo, no ato, foi praticamente proibido de continuar exercendo as suas atividades, por decisão pessoal do ministro que se sentiu ofendido. É verdade que o dirigente usou a palavra skinhead para dizer “careca”, e esse termo, no inglês, serve para designar militantes nazistas. Mas qual poderia ter sido o seu crime? Careca o ministro indiscutivelmente é – não dá, então, para dizer que o punido espalhou notícia falsa, ou fake news, na linguagem oficial do Supremo. E achar que ele é nazista? Aí já é uma questão de ponto de vista – mas expressar pontos de vista é um direito assegurado pela liberdade constitucional de expressão. Houve abuso ou crime no exercício desta liberdade por parte do líder partidário? Então a única resposta legal teria sido processar o homem por calúnia, injúria ou difamação, pedir retratação ou cobrar alguma indenização por dano moral – como, aliás, teria de ter sido feito no caso do deputado que tanto assombra o STF. O fato é que no Brasil de hoje a vingança passou a ser abertamente admitida como função judicial. Os ministros, e particularmente o que foi chamado de “careca”, deram a si próprios o poder e o direito de punir quem quer que seja quando se sentem pessoalmente atingidos, por qualquer coisa que seja. Para tanto, quando se dão o trabalho de explicar alguma de suas atitudes, inventaram a espantosa teoria pela qual cada metro quadrado do território nacional, do Oiapoque ao Chuí, é uma extensão física do prédio-sede do STF e, portanto, está sujeito às mesmas regras de segurança em vigor ali. Quer dizer, o infeliz fala alguma coisa em São Benedito do Fim do Mundo – e é como se estivesse dentro da sala da ministra Cármen Lúcia, com uma granada na mão. Da mesma maneira, a pessoa de cada ministro é considerada como se fosse o próprio STF, e qualquer coisa que se diga contra eles é considerada um “ataque à instituição” e uma ameaça à sua sobrevivência. Como assim? É demente. O tribunal, pela última conta, gastou R$ 80 milhões nos últimos quatro anos com a segurança pessoal dos ministros e funcionários: carros blindados, escolta armada, o diabo. Como o sujeito, enfiado numa casamata dessas, pode se sentir “ameaçado” por ser chamado de careca? Supõe-se que um alto funcionário do Estado deveria se obrigar a um mínimo de coragem pessoal para exercer as suas funções, não é mesmo? É muito justo que ele tenha toda a segurança física – mas, com essa segurança toda, por que a excitação nervosa fora de controle quando alguém diz a mínima coisinha? Não faz sentido nenhum.

Os ministros do STF violam diretamente a democracia brasileira porque nenhum dos seus atos, por mais ilegais que sejam, é contestado por quem quer que seja. Na verdade, o que acontece é o contrário. O Congresso Nacional é cúmplice do Estado fora da lei que o Supremo criou no Brasil – para começo de conversa, aceitou, num caso único no mundo, que o princípio constitucional da imunidade parlamentar fosse jogado na lata do lixo pelo STF. No Senado, que tem o dever legal de fiscalizar o tribunal, a situação é de parceria declarada com a ilegalidade – seu presidente, um dos maiores bananas que jamais passou pelo Poder Legislativo brasileiro, opera como um servente explícito dos ministros. A mídia, em sua quase totalidade, é fanaticamente a favor de tudo o que o STF decide. As elites econômicas e culturais, a esquerda em peso e toda a militância das ”pautas progressistas” também dão apoio integral ao tribunal. Não é nenhuma surpresa, naturalmente, a aberração que coroa todas essas aberrações: a suprema corte do Brasil, um grupo de ativistas onde sete dos 11 ministros foram nomeados nos governos Lula-Dilma, e dois outros são inimigos radicais do governo, age como um partido político de oposição e tem um candidato quase oficial à presidência da República – ou seja, é a própria negação da democracia. A mídia, as classes intelectuais e a “comunidade internacional” fingem fervorosamente que essa realidade não existe.

A respeito da candidatura Lula, porém, o STF tem um problema sem solução, hoje ou em qualquer época futura: o chefe do PT é candidato à presidência da República porque um dos ministros, com o pleno apoio dos colegas, tomou em seu favor a decisão mais delirante de toda a história jurídica do Brasil. Como apagar esse ato de militância política escandalosa? O ministro anulou, sem qualquer fundamento que tivesse um mínimo de decência, os quatro processos penais existentes contra Lula, inclusive sua condenação pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove magistrados diferentes – o juiz que deu a sentença original, os três desembargadores que a examinaram e os cinco ministros do Superior Tribunal de Justiça que fizeram a revisão final do caso. Sem essa anulação, Lula simplesmente não poderia ser candidato, por força da Lei da Ficha Limpa – ou seja, sua candidatura é resultado direto da decisão do STF. É bem sabido o disparate utilizado para anular a condenação: Lula teria sido julgado num foro sem “competência legal” para julgá-lo. Não faz o menor nexo. Qualquer advogado de porta de cadeia sabe que a primeira coisa a ver num processo, qualquer processo, é se o foro é competente ou não é; se não é, a coisa nem começa. Como, então, a ação penal que condenou Lula passou por nove juízes e ninguém, ao longo de cinco anos, percebeu nada de errado com o foro? Só o ministro Edson Fachin descobriu — bem na hora em que Lula queria se candidatar a presidente? É uma alucinação. A partir dela, tudo o que o STF decide fica contaminado.

É o mesmo processo de degeneração que está acontecendo com o inquérito policial aberto três anos atrás no STF – o “inquérito para apurar fake news e atos antidemocráticos”. Esse inquérito é ilegal: por uma maneira muito simples de dizer as coisas, ele nunca poderia ter sido aberto, pois a lei brasileira, também de uma maneira muito simples, não permite que o STF abra um inquérito criminal. Muito menos, aliás, quando ele próprio se apresenta como vítima, investigador de polícia, promotor de acusação e juiz final do caso, tudo ao mesmo tempo. A partir desse fato, nada mais fica certo. É a doutrina jurídica da “árvore envenenada”, muito aceita no Direito dos Estados Unidos. Se uma árvore está envenenada, diz a teoria, todos os seus frutos terão veneno; se um ato judiciário é ilegal, todos os atos derivados dele serão ilegais. O inquérito das fake news é um clássico em matéria de árvore envenenada. Sua criação desrespeita a lei, e ponto final – depois desse pecado original, nada do que sair dele é legal, nem tem qualquer valor jurídico.

Daí por diante, como no tango de Gardel, é Cuesta Abajo; só tristeza, com um erro dando origem automática a outro erro, um despropósito gerando outro despropósito, e assim por diante, ladeira abaixo e cada vez pior. Não poderia haver inquérito nenhum; a partir dessa insensatez, o STF foi criando a prisão de um deputado federal no desfrute das suas imunidades como homem público eleito pelo povo; o “flagrante perpétuo”; as agressões à liberdade de expressão; a criação de presos políticos e de pelo menos um exilado; a criminalização da “notícia falsa”, ou desinformação, um crime que não existe nos 361 artigos do Código Penal Brasileiro; a imobilização de um partido que tem o direito de existir; o bloqueio da conta bancária da mulher do deputado punido; as ameaças de anulação de candidaturas – na verdade, anulação de candidaturas “de direita”, a começar pela do presidente; e daí em frente, rumo ao infinito.

Esse desrespeito continuado à lei desmonta a democracia brasileira; não há como haver democracia e, ao mesmo tempo, um supremo tribunal de justiça que pratica a ilegalidade o tempo todo. Também não há como fazer isso sem a aceitação das forças que dizem representar a “sociedade civil”. Essa aceitação se traduz em incentivo, daí se passa à cumplicidade e, no fim, à coautoria. É onde estamos. (https://luizberto.com/constituicao-em-frangalhos/)



O Isolamento é um Faz de Conta

Publicado em 14 de junho de 2022

De todos os grandes crimes de que o governo é acusado pelos partidos de esquerda, pelos formadores de opinião e pelos especialistas que a televisão chama para nos iluminar em mesas redondas depois do horário nobre, poucos deixam os acusadores tão assombrados quanto a “política externa”. É algo mais ou menos entre o genocídio e a rachadinha – é menos falado do que ambos, certamente, mas impressiona muito a parte da oposição nacional que se considera mais culta, inteligente e civilizada.

A política externa brasileira, dizem todos, é uma calamidade que conduziu o Brasil a um “completo isolamento” perante a comunidade das nações e fez de nós, os brasileiros, párias num mundo que não tolera mais, hoje em dia, o “populismo”, o “direitismo”, o “fascismo” e tudo o mais que marca esse governo que está aí.

No mundo dos fatos objetivos, porém, as coisas acontecem de maneira exatamente oposta à que é descrita pela oposição. Nada poderia comprovar isso de forma mais clara do que a seguinte realidade: nunca, como neste momento, o Brasil esteve tão próximo de entrar na OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a mais séria, prestigiada e relevante entidade internacional em operação atualmente no mundo.

A OCDE, com seus critérios extremamente rigorosos para a admissão de membros, é onde se juntam as democracias mais bem sucedidas do Primeiro Mundo, aquelas que demonstram competência comprovada em todas as questões-chave de boa governança e praticam o respeito pela liberdade econômica. Estar na OCDE é estar entre os países que mais deram certo num mundo cada vez mais errado. Não é uma ONU, ou coisa parecida. Lá vagabundo não entra.

O Brasil, se tudo der certo, e se as atuais estratégias administrativas e econômicas forem mantidas, deverá ser um dos próximos membros da OCDE. É preciso, para isso, cumprir toda uma longa série de exigências; ainda vai levar, segundo as estimativas de hoje, entre três e cinco anos para o país completar as condições que são requeridas para a admissão. Mas o ingresso do Brasil deixou de ser uma meta, ou um objeto de discursos: passou a ser um processo em andamento com possibilidades reais de sucesso.

É mais do que se conseguiu em qualquer época de política externa “equilibrada”, “globalista” e fiel ao “politicamente correto” – aquela época, já distante, em que Leonardo DiCaprio não falava mal do Brasil, o presidente da França não dizia que a Amazônia “está em chamas” e a menina Greta nem sabia que a gente existia.

Hoje o Brasil é o bandido do mundo para as classes intelectuais, os artistas, as ONGs, os cientistas de circunstância, as entidades de “defesa dos índios”, os executivos de multinacionais “inclusivas” e os despachantes de interesses ocultos. Mas sua agricultura e pecuária estão batendo todos os recordes de exportação, e se transformaram numa peça-chave para a segurança alimentar do mundo.

Não há nenhuma grande empresa global sem presença ativa no país. Os investimentos estrangeiros no Brasil, um elemento essencial na definição do grau de respeito desfrutado por qualquer país na comunidade internacional, foram de 50 bilhões de dólares no ano passado, com pandemia e tudo – 80% a mais, simplesmente, do que em 2020.

Em todo o mundo, o Brasil ficou em sexto lugar entre os que mais receberam capital estrangeiro em suas economias em 2021 – abaixo apenas dos Estados Unidos e da China, como não poderia deixar de ser, e de Cingapura, Hong Kong e Canadá, longamente estabelecidos como grandes imãs do investimento mundial.

O Brasil, segundo os “especialistas”, estaria praticamente rompido com os Estados Unidos e o seu presidente Joe Biden. Na última cúpula dos países americanos em Los Angeles, presidida por Biden, o Brasil foi perfeitamente bem recebido; quem não estava lá, por desconvite, eram Venezuela, Cuba e Nicarágua, justamente os países deixados na geladeira pela atual política externa do Itamaraty. Há, enfim, a evolução da entrada na OCDE.

Isolamento? É melhor estar isolado assim do que integrado num mundo onde os países mais importantes são as mencionadas Venezuela, Nicarágua e Cuba, mais as ditaduras africanas, as organizações “palestinas” e grupos terroristas muçulmanos – um resumo de tudo que dá errado, destrói a democracia, gera pobreza e causa morte, e que tanto atrai o amor e o afeto da oposição brasileira. (https://luizberto.com/o-isolamento-e-um-faz-de-conta/)



Economia Brasileira Vai Bem, Obrigado

Publicado em 7 de junho de 2022

A economia do Brasil cresceu 1% no primeiro trimestre de 2022, o que não é um marco na história universal do progresso, mas é simplesmente três vezes mais que o “0,3” que os sábios do FMI previam com a certeza de quem ganha um Nobel de economia.

É óbvio que os economistas brasileiros mais procurados pelos jornalistas concordaram de olhos fechados com essa previsão deprimente – alguns deles, como se sabe, estão nessa vida há mais de 30 anos, falando sem parar que “o modelo” capitalista morreu no Brasil, e não vai ressuscitar nunca mais. Era a prova final, segundo eles, que “o Bolsonaro” está arruinando o país; no máximo consegue “despiorar”, mas com certeza está conduzindo a economia brasileira para a sua destruição.

Não é só o crescimento econômico. O desemprego teve uma redução dramática. Caiu de 14,8% para 10,5%, segundo a última aferição – e isso significa, na prática, que no momento há 100 milhões de brasileiros com trabalho formal, com o índice de ocupação superando os números de antes da pandemia. É o melhor índice desde 2015.

Há nove meses seguidos o país tem superávit fiscal, gastando menos no que arrecada – apesar de todas as despesas com o combate à Covid, verbas extras para a saúde dos estados, 500 milhões de doses de vacina e o auxílio emergencial em dinheiro para os cidadãos, hoje no valor de R$ 400 por mês e oficializado com o nome de Auxílio Brasil. A inflação de maio foi de 0,4% – cerca de metade do que previam todos os economistas, analistas de banco e os especialistas do “mercado”.

O superávit citado acima é o maior em mais de 20 anos. A dívida pública bruta, que inclui a previdência social, os estados e os municípios, está em níveis anteriores aos da pandemia. O agronegócio pode ter em 2022 o melhor ano de sua história, e as exportações batem novos recordes.

Resumo desta ópera: para um país que precisa crescer como uma China durante dez ou 20 anos para sair da pobreza, o desempenho da economia é ruim – até por problemas estruturais, legais e políticos que impedem o crescimento de qualquer nação. Mas a realidade da economia brasileira de hoje não tem absolutamente nada a ver com o quadro de calamidade que é apresentado todos os dias ao público.

O fato é que os números acima são tratados pela mídia brasileira como se fossem um segredo de Estado – é mais fácil o camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que encontrar essas realidades expostas de maneira clara ou com destaque no noticiário. Sai alguma coisa num fundo de página ou num restinho de telejornal, é verdade, porque também seria impossível não publicar nada. Mas os comentários sempre dizem que os números estão “abaixo” do que deveriam ser e jamais que estão acima do que foi previsto; a situação, no seu modo de ver as coisas, apenas fica “menos pior”.

Da mesma forma, jamais se encontra, em alguma matéria indignada com a inflação brasileira, qualquer menção ao fato de que a inflação nos Estados Unidos está em 8,5% e a da Alemanha, o modelo extremo de seriedade e disciplina econômicas, está acima de 8% – os piores índices em meio século.

Também nunca se menciona, quando falam de inflação, os dois anos de paralisação da economia, com os “fique em casa”, as quarentenas e os “lockdowns” aplicados com tanta excitação pelo Supremo Tribunal Federal, pelos governadores e pelos prefeitos; é como se nada disso tivesse existido, ou tido algum efeito sobre a alta de preços.

Em todo o mundo, a inflação só existe no Brasil, e só “o Bolsonaro” é culpado por ela. É um retrato acabado do Brasil de hoje, segundo a mídia. Só acontecem coisas mais ou menos “piores”.


A Farsa da Linguagem "Neutra"

Publicado em 31 de maio de 2022

A linguagem “neutra”, que tanto encanta burocratas de RH, gerentes de marketing inclusivos e demais devotos de “pautas” definidas por eles mesmos como “progressistas”, é um tipo de estupidez francamente incomum. Em geral, esse tipo de anomalia germina nos lixões mentais onde se cultivam e se colhem as ideias vadias. No caso, porém, a mania de eliminar o feminino e o masculino da gramática portuguesa vem de onde se espera que venha justamente o contrário – as escolas secundárias e as universidades, cujo dever perante a sociedade é promover o avanço do conhecimento, da cultura e da lógica. É para isso que são pagas. Se for para propagar o erro e a ignorância, elas perdem o sentido. É o que está acontecendo.

A linguagem do “todes” e do “iles”, que tanto prospera hoje em dia nas cerimônias de formatura de universidades e no credo ideológico de escolas de gente rica, é antes de tudo um erro de português – seria mais o menos como ensinar, na aritmética, que 2 + 2 são 22, ou que o ângulo reto ferve a 90 graus. Não há, realmente, como sair disso: usar o feminino e o masculino é um requisito fundamental do português, idioma oficial do Brasil e, mais do que tudo, a língua que o povo brasileiro fala no seu dia a dia, de maneira livre, natural e sem nenhuma imposição vinda de cima ou de fora.

O cidadão fala o português da maneira como aprende em casa, como lhe vem à cabeça e como está acostumado a falar em sua vida: não pode, simplesmente, ser obrigado a falar de um modo diferente. Querer impor o contrário é uma violência. Acima de tudo, é contra a lógica. Nossos catedráticos e outros altos pedagogos querem que os bebês sejam chamados de ”menines”. Tudo bem: mas é menino ou menina? Xeque-mate.

Fica, desde logo, um problema insolúvel: por acaso as escolas e as universidades vão passar a reprovar, nos exames, os alunos que escreverem ou falarem o português correto? Os devotos da “abolição de gêneros” não admitem que se chame uma mulher de “ela” e um homem de “ele”, mas nos manuais de gramática portuguesa está escrito que é isso, exatamente isso, o que as pessoas devem fazer, se quiserem se expressar no idioma nacional.

Como é que fica, então? Os militantes da “linguagem neutra” vão chamar o Ministério Público para processar criminalmente os infratores por atos contra a democracia, o igualitarismo e as “causas identitárias”? Ou, pior ainda, por “homofobia” – crime “equivalente ao racismo”? Será que vão apresentar um projeto de lei no Congresso para impor a sua nova língua à população?

Tudo isso é um completo absurdo, mas é assim que os responsáveis pelas universidades e escolas secundárias querem que seja. Não vão conseguir, é claro. O que chama a atenção, nessa história toda, não é o efeito concreto da fantasia que querem impor; ninguém vai começar a falar “ile”, “bem vinde” e outras cretinices do mesmo tipo, porque ninguém consegue obrigar um povo a falar uma língua que não é a sua.

Língua não é produto de alguma cerebração intelectual processada em agências de publicidade, e sim da vontade, da prática e da inclinação da população em falar de uma determinada maneira. A “linguagem neutra”, nesse sentido, tem as mesmas possibilidades de sucesso que o esperanto, e demais tentativas de se criar línguas artificiais. O que impressiona, mesmo, é o tamanho da farsa.


A Voz dos Imbecis

Publicado em 20 de maio de 2022

A imprensa, o Supremo Tribunal Federal e a esquerda que vive da compra, venda e aluguel de más ideias descobriram há tempos os seus piores inimigos – as redes sociais. É um sinal dos tempos, e um sinal bem ruim, que se considere pecado mortal aquilo que é uma das mais espetaculares conquistas do espírito humano; a internet é resultado direto do avanço da ciência e da tecnologia, e quando o progresso é tratado como se fosse uma manifestação do mal por uma parte da sociedade, estamos com um problema evidente. Ninguém diz, é claro, que é contra o progresso. Mas todos os que hoje combatem a atuação das redes sociais na política, e especialmente nas eleições de outubro próximo, são contra o progresso de que não gostam – e o “conteúdo” das redes é o tipo do progresso de que não gostam nem um pouco. Na verdade, é mais simples do que isso. O inimigo da mídia, do STF e da federação dos “progressistas” não é a internet. É o público. Nada assusta tanto essa gente como um brasileiro de carne e osso com uma cabeça para pensar e uma voz para dizer o que pensa.

Não deveria ser assim – ou, ao contrário, talvez tenha mesmo de ser assim. O que atrapalha a vida dos meios de comunicação de massa hoje em dia é a falta de massa, ou seja, de leitores, de ouvintes e de telespectadores. O problema do STF é a recusa em respeitar as funções que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal. A esquerda, enfim, sofre com a escassez de votos em quantidade suficiente para formar uma maioria clara no Brasil. Em vez de se concentrarem na busca de soluções para estas dificuldades, porém, ficam irados com a internet. A mídia está ressentida com as redes sociais porque elas lhe tiraram o público – ou, mais exatamente, a relevância que imaginavam ter junto ao público. O STF se enerva porque não pode eliminar a imagem miserável que tem junto à população nas redes; pode prender o deputado Daniel Silveira, socar inquéritos nos inimigos políticos e aterrorizar senadores e deputados, mas não controla o que se diz pela internet. A esquerda nunca conseguiu predominar nas redes sociais; está perdendo a batalha, aí, para a direita, e não se conforma com isso.

Uma coisa é juntar meia dúzia de delinquentes, botar camisa vermelha e invadir propriedades, sob o olhar distante da polícia e do Ministério Público. Também é fácil escrever editoriais dizendo que o presidente da República matou 600.000 pessoas, e que vai dar um golpe de Estado se ganhar a eleição. (Imaginem, então, se perder.) Não há nenhum problema, se você é ministro da principal corte de justiça do país e lhe permitem que faça tudo, indiciar em inquéritos os adversários, expedir ordens de prisão para a Interpol e distribuir tornozeleiras eletrônicas. Tudo isso é barato, e está disponível em tempo integral. O problema é fazer os demais cidadãos pensarem como você pensa. A única opção numa democracia é conviver com essas contrariedades – e pagar o preço da sua liberdade respeitando a liberdade do outro. Mas a mídia, o STF e a esquerda não querem uma democracia no Brasil; na verdade, são hoje as forças que mais combatem a liberdade neste país. Voltam todas as suas energias, assim, para as mais variadas tentativas de prender as redes sociais numa camisa de força.

É raro passarem três dias seguidos sem que o STF ponha para fora o seu rancor contra o que o público está dizendo. Conduz há mais de três anos um inquérito absolutamente ilegal, e aparentemente perpétuo, para punir “atos antidemocráticos” e bloquear a divulgação daquilo que considera fake news – ou seja, qualquer tipo de notícia, pensamento ou opinião que o ministro Alexandre de Moraes, por alguma razão, quer castigar. Fez acordos com as multinacionais que controlam as redes para censurar postagens feitas durante a campanha eleitoral. Ameaça com prisão os infratores das leis não existentes que vão inventando para defender as suas posições políticas. Interfere grosseiramente no processo da eleição presidencial – isso para não falar no candidato que o ministro Edson Fachin criou, um condenado pela justiça por corrupção e lavagem de dinheiro que legalmente não podia ser candidato. O STF trabalha por sua vitória de maneira aberta – o único concorrente real de Lula, o presidente da República, foi definido pelo ministro Luís Roberto Barroso como “o inimigo”. Mas nada disso parece suficiente. O ataque às redes promete continuar até o dia da eleição.

A última explosão de hostilidade veio do ministro Moraes. Numa plateia onde se sentavam peixes graúdos do PT e outros devotos da candidatura do ex-presidente Lula, Moraes decidiu apresentar o que faz parte da visão filosófica, digamos assim, que tem sobre a questão. “A internet deu voz aos imbecis”, disse ele, repetindo uma frase já cansada e supostamente sábia que qualquer autor de palestra de autoajuda utiliza no seu ganha-pão diário. Quem disse isso, vários séculos atrás, foi um desses intelectuais-vagalume que piscam por uns instantes, e em seguida se apagam na noite, depois de fazerem sucesso temporário com alguma ideia deixada pela metade. É um dito interessante, mas a verdade é que a internet deu voz, realmente, ao público. Aos imbecis, especialmente? Não: deu voz a todos. Foi uma revolução. Pela primeira vez na história da humanidade, desde que o homem saiu da caverna e evoluiu até andar na Lua, todos os seres humanos que consigam ler e escrever, qualquer um deles, podem dizer em voz alta o que pensam ou têm vontade de dizer – basta ir ao celular e teclar o que lhes vem na cabeça. Podem, ao mesmo tempo, ouvir tudo o que está sendo dito. Pronto: ninguém precisa mais dar entrevista no jornal, ou pedir licença da autoridade, para dizer o que quer. Também não está mais limitado a ler, ouvir ou ver os meios de comunicação para saber o que está se falando na praça.

O que aparece, então, é o que as pessoas acham das coisas, do mundo e da vida, nem mais nem menos. Não gostam do que está sendo dito? Paciência. Vai ser preciso trocar de humanidade e achar uma mais ao gosto do ministro Moraes e seus colegas do STF, dos jornalistas e do candidato da esquerda à Presidência da República. A humanidade que existe na vida real é essa aí. É duro, com certeza; a maioria dos 8 bilhões de habitantes da Terra, e dos 200 milhões de brasileiros, não é de grandes pensadores, nem de Einsteins e nem mesmo, talvez, de pessoas atraentes. Mas se são “imbecis” ou não, como repete o ministro Moraes, não vem ao caso; são seres humanos com direitos iguais ao dele, ou de qualquer pessoa, a expressarem o que pensam em público. O que dizem nas redes é o que têm dentro de si; se o que têm dentro de si são essas coisas que estão dizendo, sentimos muito, mas é inevitável aceitar. O que o STF, a mídia e a esquerda querem é restringir, limitar e reprimir o pensamento. Isso é a marca mais clássica das ditaduras.

Não são os “disparos automáticos”, os “robôs” e os algoritmos que incomodam o Supremo, como querem fazer crer os seus inquéritos, os seus agentes na “justiça eleitoral” ou o noticiário maciço da imprensa. O que assusta a todos eles, na verdade, é o que as pessoas têm a dizer. Não é difícil entender. Até há pouco só a mídia, os supremos tribunais e as elites tinham condições de expor o que pensavam; a liberdade de expressão só se aplicava à “gente bem”, com dois ou três sobrenomes, dinheiro no banco e curso de “humanas”. Hoje, por força das redes, todo mundo fala e, principalmente, todo mundo fica sabendo o que se fala. O STF e a sua atual companhia não suportam essa realidade. Da mesma maneira, é falso que alguém nesse bonde esteja realmente preocupado com o mau uso que é feito da internet. Ninguém no Supremo dá a mínima para a onda de crimes digitais que oprime o Brasil; pouco se lhes dá se roubam o Pix, invadem contas bancárias ou clonam celulares. Não querem, ali, punir os bandidos. Querem punir a sua opinião. Também não são os delitos cometidos com a palavra que estão envolvidos na guerra contra as redes; todos esses crimes são perfeitamente previstos no Código Penal Brasileiro, e não precisam mais de lei nenhuma para serem combatidos. Experimente dizer na internet que o seu vizinho é ladrão de cargas ou traficante de drogas; ou melhor, não experimente, porque quem fizer isso vai acabar com um processo por calúnia nas costas.

A internet, como diz o ministro Moraes, dá a voz aos imbecis. O que Moraes não diz é que a internet também dá voz a ele. Temos um óbvio problema aí. Por que raios o ministro julga que a sua voz é linda e a voz dos outros não é? Quem é ele para decidir quem é imbecil e quem é inteligente, ou quem é qualificado o bastante para se exprimir nas redes sociais? Se Moraes considera “imbecis” os que discordam das suas posições políticas, qualquer um pode dizer a mesma coisa dele; não existem, no Brasil ou no mundo, leis estabelecendo regras para a cretinice – ou qual o nível de excelência mental que as pessoas devem ter para receberem um certificado de não imbecil. Nada disso, é claro, tem o mínimo interesse para os inimigos da internet. No momento, só pensam numa coisa: ganhar a eleição. Se a liberdade está no caminho, pior para a liberdade.




Fachin e a 'Rússia"

Publicado em 23 de fevereiro de 2022

Os brasileiros devem ao ministro Edson Fachin, mais que a qualquer autoridade pública deste país, uma situação que não existe em nenhuma sociedade democrática do mundo – a candidatura para a Presidência da República de um ladrão condenado pela Justiça em três instâncias sucessivas e por nove magistrados diferentes, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Fachin anulou com um único golpe de caneta, sem discutir absolutamente nada sobre culpa, provas de crime ou qualquer fato relevante, as quatro ações penais que condenaram o ex-presidente Lula à pena de prisão fechada. Pronto, eis aí o milagre: um cidadão que a Justiça brasileira declarou oficialmente corrupto, e expulsou da vida pública, é candidato ao cargo mais elevado do Brasil.

É um portento para encher qualquer biografia, mas Fachin está longe de se mostrar satisfeito. Não basta ser o pai e a mãe da candidatura Lula. Ele também quer, na sua posição no “Tribunal Superior Eleitoral”, que Lula ganhe a eleição – e acaba de dar um passo que ele julga importante nesta direção, ao criar um tumulto inédito, deliberado e grosseiro em torno da limpeza das eleições.

Segundo Fachin, o sistema eleitoral brasileiro “pode estar”, já neste momento, sob ataque da “Rússia” – não dos russos em geral, ou de um grupo de malfeitores russos, mas da “Rússia”, assim mesmo. Por que raios a “Rússia” estaria atacando os computadores do TSE? Fachin não diz nada. O ministro não apresentou um átomo de prova para a acusação que fez em público, nem um raciocínio lógico, nada; falou apenas em “relatórios internacionais”, sem citar nenhum. A única coisa certa é que fez a sua acusação justamente durante a visita do presidente da República à Rússia.

Fachin falou também sobre hackers da “Macedônia do Norte”. E da Macedônia do Sul, o que ele acha? Não se sabe qual o grau de conhecimento do ministro sobre qualquer Macedônia, do Norte ou do Sul, e muito menos por que ele resolveu dizer o exato contrário do que seu colega Barroso vem dizendo, sem parar, com a mesma fé que o papa tem no Padre Nosso: o sistema eleitoral brasileiro é “inviolável” e, se alguém duvida disso, é acusado na hora de querer “o golpe militar”. Cada vez que o presidente cobra “mais segurança do sistema”, anota-se automaticamente que ele falou “sem apresentar provas”. E Fachin? Pode falar uma barbaridade dessas sem prova nenhuma, num ataque primitivo a uma nação que mantém relações perfeitamente normais com o Brasil, e pretender ser um juiz imparcial das eleições de 2022?

A acusação de Fachin não é apenas um ato de vadiagem mental. É uma convocação à desordem.


A Pior Vergonha

Publicado em 3 de janeiro de 2022

O Brasil encerrou o ano de 2021 com uma vergonha estampada no meio da testa: pela primeira vez, desde o regime militar, e num caso único em qualquer nação democrática do mundo, há um preso político trancado numa cela de presídio neste país. Em nome das “instituições democráticas”, e agindo como um porão de polícia secreta, o Supremo Tribunal Federal mantém preso há mais de quatro meses, sem direito de defesa e sem processo legal, um cidadão que não cometeu nenhum crime para o qual a lei brasileira prevê prisão. Está cumprindo pena sem ter sido processado, julgado e muito menos condenado.

O ex-deputado Roberto Jefferson está preso na penitenciária de Bangu porque dirigiu ofensas aos ministros do STF. Insulto não é nenhum crime que permita a autoridade pública jogar um cidadão na cadeia. No máximo, é delito de injúria, no qual o autor é processado em liberdade; caso condenado, jamais cumpre pena de prisão, ainda mais se é réu primário. Mas Jefferson não está respondendo a nenhum processo legal na Justiça – foi preso por ordem pessoal de um ministro do STF, e vai ficar na prisão por quanto tempo o ministro quiser, sem que seus advogados possam recorrer a nada ou a ninguém. Isso se chama prisão política. Só acontece em ditadura.

A prisão do ex-deputado é, como tantos outros, um ato puramente ilegal do STF. A desculpa utilizada pelo ministro Alexandre de Moraes – que neste caso consegue o prodígio de agir, ao mesmo tempo, como delegado de polícia, carcereiro, promotor e juiz – é que Jefferson é uma “ameaça à democracia”. Como assim? Por acaso ele está comandando algum grupo terrorista? Está armazenando armas para dar um golpe de Estado, ou treinando combatentes para atos de violência? É claro que não, mas e daí? Moraes acha que ele é uma “ameaça à democracia”, e isso, no seu entender, permite à autoridade ignorar a lei e eliminar os direitos individuais do acusado.

Tecnicamente, o ex-deputado está em “prisão preventiva” – medida que se aplica a criminosos que são um perigo real e imediato para a segurança dos demais cidadãos, ou que vão cometer crimes outra vez. É um disparate em estado puro, mas Moraes decretou que a prisão de Jefferson é “necessária e imprescindível” – o que consegue ofender, ao mesmo tempo, a lógica e a gramática. É onde estamos.

A mídia, as classes intelectuais, os defensores dos direitos humanos e o restante do “Brasil democrático” não dizem uma sílaba sobre nada disso. Como Jefferson é um homem de direita, acham que ele não tem direito à proteção da lei. Talvez esteja aí, no fundo, a pior vergonha.


E se o Governo Mandasse o STF Passear?

Publicado em 1 de janeiro de 2022

Imagine por um instante – só por curiosidade, certo? (Só por curiosidade; é claro que ninguém aqui está sugerindo nada, pelo amor de Deus, e muito menos qualquer tipo de ato antidemocrático.) Então: imagine por um instante o que aconteceria se um dia desses o presidente da República, ou alguém do seu governo, recebesse a milésima ordem do Supremo Tribunal Federal para explicar “em 48 horas”, ou “três dias”, ou coisa que o valha, por que fez isso ou por que deixou de fazer aquilo, e não desse resposta nenhuma. O que aconteceria, em outras palavras, se dissesse ao ministro Barroso, ou ao ministro Alexandre, ou à ministra Rosa, ou qualquer um dos 11: “Olha, ministro tal, vá para o diabo que o carregue”?

Como nunca aconteceu até hoje, e como nunca o STF mandou o presidente da República explicar seja lá o que fosse em nenhum governo anterior ao atual, não dá para responder com certeza científica; falta, como se diz, a prova da experiência. Mas, pela Lei das Probabilidades, que no fundo vale bem mais que muita lei aprovada por esse Congresso que está aí, pode se dizer com grande margem de segurança que não iria acontecer rigorosamente nada. Claro, claro: a mídia ia ficar enlouquecida, mais do que em qualquer momento do governo de Jair Bolsonaro, e o centro liberal-civilizado-moderno-intelectual-etc. entraria numa crise imediata de histeria. As instituições, iriam gritar todos, as instituições: o que esse homem fez com as nossas sagradas instituições, meu Deus do céu? A Constituição Cidadã está sendo rasgada. A democracia acaba de ser exterminada no Brasil. É golpe. É ditadura militar. Mas seria só uma crise de nervos no mundinho da elite, mais nada. Na prática, e nas coisas que realmente interessam, o governo poderia mandar o STF não encher mais a paciência, pronto – e não mudaria absolutamente coisa nenhuma.

A população, com certeza, estaria pouco se lixando para a indignação do STF, das gangues políticas, da elite meia-boca a bordo dos seus SUVs, das classes pensantes e dos banqueiros de investimento de esquerda; é possível, aliás, que dissesse “bem feito”. Todo mundo iria continuar trabalhando. Os boletos bancários continuariam vencendo. Os ônibus continuariam saindo das rodoviárias. Os serviços de água encanada, energia elétrica e coleta de lixo, nos lugares em que existem, continuariam funcionando. Ninguém iria desmarcar uma consulta médica, nem faltar a um compromisso, nem fazer qualquer coisa diferente. Nenhum país iria romper relações com o Brasil. Os evangélicos iriam ouvir o pastor nas igrejas. Os portos continuariam a embarcar soja. Os colégios chiques continuariam a aumentar as mensalidades, e a chamar seus alunos de alunes. A centésima primeira variante do vírus iria aparecer num canto qualquer. É possível, até, que a Bolsa de Valores subisse. Enfim: a solidariedade, o respeito e o apreço dos brasileiros pelo STF e pelo resto das nossas “instituições democráticas” permaneceriam exatamente onde estão, ou seja, no zero absoluto.

E, de mais a mais, o que os ministros do STF, o Jornal Nacional e todos os demais indignados poderiam fazer na prática? Chamar o Exército para prender o presidente da República? Chamar a PM de Brasília? Chamar a tropa da ONU? Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, esses que estão aí hoje, iriam fazer algum gesto heroico de “resistência”? Rolaria, enfim, o impeachment que não rolou até agora? Lula, o PT e a CUT iriam decretar uma greve geral por tempo indeterminado, até a queda do governo? A verdade é que não existe, na vida como ela é, nenhum meio realmente eficaz para exigir obediência do Executivo se ele não quiser obedecer. Não só do Executivo, por sinal – do Legislativo também não. Ainda outro dia, por exemplo, aconteceu exatamente isso. Foi a primeira vez, mas aconteceu: a ministra Rosa, em mais um desses acessos de mania de grandeza que são a marca do STF de hoje, anulou uma lei aprovada pela Câmara -, e a Câmara não tomou conhecimento da anulação. Tratava-se, no caso, de um projeto que afetava diretamente o bolso dos deputados, entregando a eles bilhões em “emendas parlamentares”. Aí não: a decisão foi ignorada, a lei continuou valendo e depois de muito fingimento de parte a parte, para disfarçar o naufrágio da decisão do STF, ficou tudo como estava.

Não há nenhum sinal, entretanto, de que possa acontecer alguma coisa parecida com a atual Presidência da República. Poucas vezes na história deste país, ou nunca, se viu um governo tão banana quanto o que está hoje no Palácio do Planalto. Tem muita “laive”, passeata de motocicleta e implicância com a vacina, mas comandar que é bom, como determina a lei e como o eleitorado decidiu, muito pouco, ou nada. Para começar, o Executivo não controla nem a metade do Orçamento federal; o resto poderia estar sendo gasto no Paraguai. O presidente não manda na máquina pública; não pode nomear nem o diretor da Polícia Federal. Também não pode demitir. Cada um faz mais ou menos o que bem entende, frequentemente em obediência ao PT e a grupos de esquerda. O governo dá ordens que são pura e simplesmente ignoradas. Decidiu que não poderia haver demissões de empregados que não tivessem tomado vacina; um tribunal qualquer, desses que se reproduzem como coelhos em Brasília, decidiu o contrário e ficou por isso mesmo. As Secretarias Estaduais de Saúde dão ordens opostas às do Ministério da Saúde; o que fica valendo é a decisão das secretarias. O procurador-geral da República, nomeado pelo presidente Bolsonaro, dirige uma equipe que lhe faz oposição aberta e direta.

Um dos maiores aliados do governo, o ex-deputado e dirigente partidário Roberto Jefferson, está na cadeia há mais de quatro meses – é, por sinal, o único preso político do Brasil. Outro, o jornalista Allan dos Santos, teve de se refugiar nos Estados Unidos e está com a prisão solicitada à Interpol. Governadorzinhos e prefeitinhos de fim do mundo governam como bem entendem. Qualquer nulidade do Congresso ou da vida política, desde que tenha carteirinha de militante de “esquerda”, vive correndo ao STF para que o governo faça assim, ou não faça assado; é atendido sempre, como nos pedidos permanentes de “explicações”. Que raio de governo “autoritário” é esse que não tem autoridade nenhuma?

É muito interessante, assim, o ponto de vista do ministro Gilmar Mendes sobre essa anarquia cada vez mais grosseira. Segundo Gilmar, diante das realidades que estão aí na frente de todo mundo, o mais sensato para o Brasil seria a adoção do parlamentarismo. É, possivelmente, a única contribuição construtiva jamais dada para o atual debate político por um membro do STF. O que adianta ter presidente da República se a Presidência da República não manda nada? Para que esse drama de eleição presidencial a cada quatro anos se o eleito, seja quem for, vai passar o tempo todo em crise? Eis aí um excelente recado: se não governa, pede para sair.


Economia Fica Para “Depois”. O “Depois” Chegou

Publicado em 31 de dezembro de 2021

Descobriu-se de repente, neste final de ano, um acontecimento realmente prodigioso: a pobreza aumentou no Brasil, após dois anos de covid e de repressão, inclusive policial, contra a atividade econômica. Quem poderia imaginar uma coisa dessas, não é mesmo? Fazem “lockdown”. Fecham o comércio e a indústria. Suspendem os serviços. Proíbem as pessoas de trabalhar – até camelô foi perseguido pela polícia.

Transformam o Brasil num país de fiscais. Agridem, como nunca antes, a liberdade de produzir – a de produzir e mais um caminhão de outras. Daí, quando se vê que há 13 milhões de desempregados e milhares de negócios reduzidos à ruína, se escandalizam: o Brasil ficou mais pobre.

Como a vida política neste país se reduz cada vez mais à fraude, à mentira e à eliminação da lógica, nada mais natural que o partido dos iluminados-progressistas-etc., que se dá o direito de pensar por todos, tenha chegado à uma conclusão falsa sobre o desastre. A culpa, dizem os viajantes desse bonde, é do “governo”. A calamidade na economia atingiu todos os países do mundo, sem nenhuma exceção – ricos ou pobres, bem ou mal governados, democracias ou ditaduras. Há inflação mundial. Há desemprego mundial. Há aumento na pobreza mundial. Mas só o governo do Brasil é culpado. No resto do mundo a culpa é da covid.

Essa falsificação é especialmente grosseira, malandra e mal intencionada quando se considera que no Brasil, por decisão do Supremo Tribunal Federal e com o pleno acordo da elite pensante, as “autoridades locais” ganharam a exclusividade no trato da epidemia. Dizem que não foi assim, mas foi exatamente assim, na prática – já que nenhuma das suas decisões, segundo ordenou o STF, podia ser contrariada pelo governo federal ou por quem quer que fosse. Governadores e prefeitos, na verdade, foram colocados acima da lei.

Todo mundo está cansado de saber o que fizeram: reagindo como uma manada em pânico, as “autoridades locais” se jogaram de corpo e alma no “fecha tudo”, no “fique em casa” e no “cale a boca” – e adoraram isso, porque nunca mandaram tanto. A prioridade, repetida até enjoar, era “salvar vidas”. O “ser humano” vale mais que “os negócios”, diziam, e a economia deveria ficar “para depois”. É melhor cancelar um CNPJ do que um CPF – quem não se lembra deste lema, considerado então a quinta essência da sabedoria humana? Para os ricos, tudo bem: puseram máscara, fizeram “home office” e continuaram circulando nos seus SUVs. Para os pobres, foi uma tragédia. Não passou pela cabeça das “autoridades locais”, do STF e da elite que a imensa maioria da população brasileira precisa trabalhar todos os dias para sobreviver. Não pode ficar “em casa”. Não é opcional.

A economia fica para “depois”? Pois então: o “depois” chegou. Agora, como o batedor de carteira que tenta se safar gritando “pega ladrão”, os responsáveis pelo desastre lamentam a miséria que causaram e põem a culpa no governo. Nada mais normal, nesse Brasil doente que está aí.


Lula e Alckmin: Aliança do Oportunismo

Publicado em 23 de dezembro de 2021

De todas as fraudes já praticadas pelos políticos brasileiros contra os eleitores deste país, poucas poderão ser comparadas, no passado, presente e futuro, com essa anunciada aliança entre Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin para disputar as eleições presidenciais de 2022.

O grau de sinceridade de uma chapa entre ambos, se pudesse ser medido em números, daria um zero absoluto; ao dizerem que se admiram mutuamente e têm ideias em comum, estão mentindo com um cinismo capaz de fazer inveja aos piores momentos da vida política nacional – e olhem que essa vida tem um caminhão de piores momentos. A curiosidade, no caso, é saber qual dos dois está mentindo mais.

Deve ser Alckmin. Lula mente o tempo todo e sobre todos os assuntos; está mentindo há 40 anos e não será agora que vai mudar, mesmo porque não consegue dizer a verdade nem quando lhe perguntam que horas são. É coisa de cabeça. Mas Alckmin, para fazer um acordo desses, está se transformando numa pessoa que não existe.

Isso não é uma “reinvenção”, como dizem os consultores de carreira, nem uma mudança honesta para corrigir erros do passado. É uma falsificação pura e simples. Alckmin não tem nada, absolutamente nada, em comum com Lula, o PT, e a esquerda brasileira; ao contrário, sempre mostrou detestar isso tudo desde que entrou na política quase 50 anos atrás. Mudou agora por uma coisa que se chama oportunismo.

As desculpas que o ex-governador está dando para virar a casaca não resistem a 30 segundos de observação. Alckmin diz que está aceitando a ideia de ser vice de Lula por “patriotismo”, “espírito público” e outras lorotas. O Brasil, diz ele, precisa do seu desprendimento, abnegação e demais virtudes; para atender ao apelo desesperado de uma “nação” em busca de “equilíbrio”, aceita a vice-presidência na chapa do PT. Chega a ser cômico.

Há anos, desde os tempos do “mensalão”, Alckmin vem chamando Lula de ladrão, corrupto, incompetente e daí para baixo. Lula, do seu lado, tem o mais completo desprezo pelo novo companheiro; é um dos que mais pisoteou, em sua coleção de inimigos. Não aconteceu nada de novo que pudesse justificar uma mudança das opiniões que um tem do outro.

Se resolveram se juntar, é unicamente porque Lula imagina que vai tirar proveito de Alckmin, e Alckmin imagina que vai tirar proveito de Lula – e que ambos vão enganar o eleitor com a fraude de uma chapa “moderada”. É empulhação com teores de pureza de 100%.


O Preconceito Contra Os Evangélicos

Publicado em 11 de dezembro de 2021

É um problema, mais um, que a elitezinha brasileira de todos os dias, essa que diz ao resto do país o que está acontecendo, o que é aprovado e proibido e o que você tem de pensar a respeito de tudo, está fazendo de conta que não existe. O problema é a distância cada vez maior que vai separando esse Brasil, o que aparece nas manchetes de jornal e no horário nobre, dentro do qual se tomam as decisões e se determinam quais os assuntos que devem ser debatidos, e a população evangélica. É complicado, porque há cada vez mais evangélicos – e fingir que eles se resumem a meia dúzia de empregadas domésticas e umas igrejinhas perdidas no fundão das periferias não é mais, definitivamente, uma opção. Os evangélicos deixaram de ser uma coleção de grupos religiosos formados por minorias que discordam da grande corrente central da Igreja Católica. Estão se tornando uma classe social.

E agora? Não se trata mais de debater uma questão religiosa, e sim uma realidade política. Os evangélicos, simplesmente, são muitos – são numerosos demais, portanto, para serem ignorados e, sobretudo, excluídos do debate nacional. Não faz nenhum sentido. O Brasil é um país onde a maioria esmagadora da população é pobre. A maioria dos pobres é evangélica – não só porque vai ao culto e paga o dízimo ao pastor, mas porque tem valores próprios, e esses valores são os mesmos das profissões de fé evangélicas, a começar pelos que envolvem moral, família e costumes sociais. Mas o Brasil “oficial”, o Brasil da mídia, dos formadores de opinião e das classes intelectuais, insiste em ignorar essa realidade, porque ela é muito incômoda. Pior: o Brasil que se considera “superior” é francamente hostil ao universo evangélico. Pior ainda: tem preconceito explícito contra seu modo de vida, suas ideias, suas crenças, suas posições políticas e seu sistema ético. É um problema, e de bom tamanho. Ter preconceito contra uma minoria é um erro moral. Ter preconceito contra o que pode estar se transformando numa maioria é um convite aberto à guerra política. É precisamente onde estamos neste momento.

A elite brasileira que existe aí – bem, você sabe quem é essa gente. São as empresas desesperadas em atender às exigências dos “movimentos” negros, feministas ou gays – ou, mais exatamente, às exigências feitas pelos proprietários dessas organizações. É a imprensa em peso. São os militantes do clima – soldados da Amazônia e inimigos do aquecimento global. São os departamentos de marketing que trocaram a ideia de vender pela ideia de ser “justo”. É a universidade como um todo. São os cientistas políticos, os banqueiros de investimento e, de um modo geral, o mundo de quem não vive do trabalho manual. São os donos dos “movimentos sociais”, das ONGs e das organizações em favor da “democracia popular”. São os defensores dos direitos de quem está do “lado certo da contradição” – apenas desses. São os encantados com o Black Lives Matter, a máscara para toda a eternidade e os concursos de “Miss” ganhos por homens. São as grandes empresas e as lideranças políticas que aparecem no jornal.

Enfim – já deu para ter uma boa ideia, não é? Pois então: este mundo todo está convencido de que os evangélicos brasileiros são o mal em estado puro. Não tem, é claro, a mais remota ideia do que fazer com eles na prática: como conviver com milhões de pessoas que estão incomodando, ou se livrar delas? Mas são contra a sua existência na vida real. Imaginam um Brasil sem evangélicos. Não se conformam, talvez mais que tudo, com o fato de que esses milhões de brasileiros pobres não são de “esquerda”. Se são pobres deveriam, é claro, pensar como pensam os editorialistas da imprensa ou os diretores de comerciais de TV. Mas não pensam. É o diabo.

O preconceito contra os evangélicos que existe na elite brasileira é incomparavelmente pior do que qualquer preconceito racial, ou contra homossexuais, ou contra mulheres, que possa existir no Brasil de hoje. É visível no desprezo aberto pelas práticas religiosas, pela conduta social e pelas ideias, crenças, valores e hábitos cotidianos dos evangélicos. Está presente, de forma explícita ou disfarçada, nos editoriais da imprensa que pregam as virtudes do “Estado laico”. É visto todos os dias na maneira depreciativa ou francamente irritada com que se trata a “bancada evangélica” – um mal em si, para a crônica política, algo que deveria merecer a repressão imediata do ministro Alexandre de Moraes e do seu inquérito perpétuo contra “atos antidemocráticos”. Para o Brasil correto, civilizado e que sabe pensar, o “evangélico” – assim mesmo, no genérico, como se fossem todos uma pessoa só – é o exemplo perfeito e acabado do brasileiro primitivo, atrasado e grosseiro, tanto do ponto de vista político como do ponto de vista social. O “evangélico”, nessa visão de mundo, é o sujeito que atravessou a fronteira do “fascismo”, ou está chegando a ela. É alguém francamente malvisto nos departamentos de RH das empresas “progressistas” como a Fiat, etc; não vai conseguir emprego se souberem que frequenta o culto. A discriminação contra o evangélico deixou, há muito, de ser uma patologia apenas religiosa. Passou a ser o mais malicioso preconceito de classe no Brasil de 2021.

Tudo isso ficou claro, mais uma vez, na aprovação do nome do advogado André Mendonça como novo ministro do Supremo Tribunal Federal. Sem que até hoje tivesse aparecido a menor justificativa para o que aconteceu, o seu nome levou quatro meses para ser submetido à aprovação do Senado – uma aberração que não recebeu o menor reparo de ninguém. Na sabatina, teve de responder a questionamentos sobre a sua fé religiosa, como se isso fosse alguma coisa suspeita, ou francamente ilícita – algo que não aconteceu com nenhum dos outros membros do STF. Ninguém questionou os seus conhecimentos de Direito; só se falou da sua religião. Desde que o presidente da República apresentou o seu nome, André Mendonça tem sido visto pela mídia com desprezo – como se fosse um mero servente de Jair Bolsonaro. Os intelectuais o tratam como um homem das cavernas em relação às questões de costumes. Está tendo de explicar o fato de ser evangélico – como se isso não fosse um direito legítimo de qualquer cidadão brasileiro. Se um conjunto de manifestações assim não é preconceito, direto na veia, então o que é?

A verdade é que André Mendonça e toda a população evangélica vão sendo tratados cada vez mais como inimigos de classe pela esquerda e por seus atuais satélites – o “centro” que se define como “liberal, democrático e equilibrado”, e que vive no pavor de ofender Lula, desagradar aos artistas da Globo e parecer “de direita”. Qual é o problema? Num país em que a Constituição estabelece a plena liberdade de religião, André Mendonça tem tanto direito de ser evangélico, e estar no Supremo, quanto os outros têm direito de estar lá com as suas próprias religiões ou sem religião nenhuma. Ou não tem esse direito? Do jeito que a sua ida ao STF está sendo tratada, a impressão é que o sujeito tem de ser militante do aborto ou do casamento gay para ser membro de um tribunal superior de justiça no Brasil de hoje. É perversão da ideia de que uma sociedade deve ter lugar para pessoas de convicções diferentes. Convicções como as de André Mendonça, segundo o Brasil “que pensa”, não deveriam ser permitidas. São “antidemocráticas”. Assim como o STF diz que a liberdade de expressão tem “limites”, e que não pode ser utilizada se o cidadão é de direita, as forças que discriminam os evangélicos acham que a liberdade de religião também é “relativa” e só deveria valer para os que aceitam os tratados do ministro Luís Roberto Barroso e seus companheiros sobre comportamento sexual, relações familiares e outras questões de costumes.

Na sua sabatina, o novo ministro desfez as objeções do Comitê Nacional de Vigilância Religiosa em poucas palavras. Disse que, como cidadão, é evangélico. Como juiz, obedece à Constituição – e pronto, acabou a discussão. Se obedecer mesmo será um avanço notável em relação a diversos dos seus colegas, que fazem exatamente o contrário. Podem ser leigos de puríssimo sangue. Mas na hora de assinar os seus votos decidem o oposto do que está escrito na lei. Qual é a vantagem? A postura de um magistrado em relação à religião não pode, obviamente, ser critério para a sua ida ao Supremo Tribunal Federal. Também não pode ser um impedimento.

O preconceito contra os evangélicos está criando dois Brasis. É um caminho perigoso.

Ladrão Rico na Cadeia não Pode

Publicado em 10 de dezembro de 2021

Se existe neste país uma coisa que realmente incomoda o Supremo Tribunal Federal e seus satélites do alto poder judiciário nacional é ver ladrão rico na cadeia. Não sossegam enquanto não conseguem soltar, ou não identificar migalhas processuais que os beneficiem, ou anular sentenças, ou absolver em parte – enfim, enquanto não fizerem “alguma coisa” para ajudar e, se possível, colocar o criminoso na rua, devolvendo a ele a possibilidade de começar tudo outra vez.

Aconteceu de novo, desta vez com ninguém menos que o ex-governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, que conseguiu ser condenado a 400 anos de prisão; roubou tanto, mas tanto, segundo consta em suas sentenças de condenação, que nem a Justiça brasileira conseguiu dar um jeito no seu caso. Pensava-se até agora que Cabral, pelo menos ele, ficaria de fora da obsessão dos tribunais superiores em soltar corrupto – “esse não”, dizia-se, aí também já é demais.

Engano: nada é demais para o STF quando se trata de garantir a impunidade da altíssima ladroagem. Os ministros acabaram de demostrar isso, mais uma vez, com a anulação de uma das penas de Cabral, de 14 anos de cadeia – o que abre o caminho para liquidar o resto do saldo devedor, na maior rapidez que for possível. Com essa anulação ficam faltando 386 anos de xadrez para pagar, mas o que é uma mixaria dessas para um STF? Daqui a pouco um advogado qualquer acaba dando um jeito e o homem volta para a rua, pronto a retomar suas atividades políticas.

Cabral, é óbvio, não foi absolvido de nada nessa manobra; como de hábito, não se discutiu se ele é culpado ou inocente. Mas acharam que foi julgado pelo “juiz errado” e, assim sendo, tem de zerar tudo. É como Lula: seus processos penais foram anulados pelo STF porque deram um jeito de decretar que ele deveria ter sido julgado em outra cidade e, nesse caso, as condenações não valem. Não interessa à Justiça brasileira se Lula roubou ou não; o que interessa é saber se foi julgado no lugar certo, segundo a burocracia judicial.

Na aberração em que se transformou o sistema judiciário do Brasil, o que houve, agora, foi um passo em direção ao equilíbrio. Se Lula está solto, e é candidato à Presidência da República, por que Sérgio Cabral deveria estar preso? Se os empreiteiros de obras que confessaram seus crimes e devolveram dinheiro roubado estão livres e voltaram a ser heróis da mídia, por que Cabral não pode ter o mesmo?

Aliás: se todo mundo está solto, por que só ele tem de ficar trancado na penitenciária de Bangu? É essa “anomalia” que o STF está tentado corrigir.

Desinformação

Publicado em 8 de dezembro de 2021

A nova lei dos precatórios, que basicamente permite ao Estado pagar em 2022 menos do que deveria por suas dívidas já vencidas na Justiça, é um desses monumentos à chatice que só o Congresso Nacional consegue colocar de pé. É, também, o típico assunto de jornalista. Tem de ser tratado nas primeiras páginas e no horário nobre, porque é questão carimbada como “importante”, e no fundo é importante mesmo – mas a verdade é que nem as mães dos jornalistas, as maiores fãs de tudo o que eles escrevem ou dizem, têm animo para conversar sobre isso com os filhos.

Chato ou não, porém, é tema (ou “pauta”, como se diz hoje) em relação ao qual o público tem direito de ser bem informado. E o fato é que o público foi, em geral, mal e porcamente informado sobre essa história toda, do começo ao fim. É um caso bem simples. Ao longo de toda a evolução do projeto dos precatórios, os leitores, ouvintes e telespectadores receberam uma notícia-chave, dentro da colossal maçaroca de “conteúdo” que lhe foi jogada em cima pela mídia a respeito do assunto: essa PEC iria encontrar dificuldades imensas para ser aprovada. Provavelmente não seria.

Se passasse pela Câmara, não passaria nunca pelo Senado. Enfim: não vai ter PEC, como não iria ter golpe. O problema, aí, é que aconteceu exatamente o contrário. A lei dos precatórios foi aprovada pela Câmara, sem problema algum. E no Senado, onde não passaria nunca, foi aprovada por 61 votos a 10. Não foi, como se vê, por dois ou três votos de diferença – foi uma surra de 6 a 0.

Até cinco minutos antes da votação, estavam dizendo ao público que a PEC corria os piores riscos. Feita a votação, dá 61 a 10. Ou seja: a PEC jamais correu risco nenhum na vida real, e quem pensou que corria não estava sabendo de nada. (No seu inquérito sobre “fake news”, o ministro Alexandre Moraes até que poderia, quem sabe, decretar que isso é delito de “desinformação”. Já imaginaram?).

Deixe-se de lado, aqui, os méritos e deméritos relativos da lei dos precatórios, que com certeza dão base para formidáveis embates no terreno da teoria econômica e da boa gestão das contas públicas. O fato central, no mundo das realidades imediatas, é que a nova lei faz sobrar mais de US$ 100 bilhões no orçamento federal do ano que vem – e que esse dinheiro permite ao governo, tranquilo, pagar seu ambicioso programa de doações de 400 reais por mês à população no ano eleitoral de 2022.

Quer dizer: o que havia, mesmo, era torcida para que os abonos sociais ficassem sem recursos. Isso não é boa informação.


Cara e Ineficiente

Publicado em 7 de dezembro de 2021

A Justiça brasileira é cada vez mais desprezada pela maior parte da população, como registram as pesquisas de opinião pública – e fracassou miseravelmente na sua função essencial de prover a proteção da lei para todos, como mostra a crua evidência dos fatos. Como pode ser respeitada e cumprir a sua missão de prover justiça, se solta sistematicamente traficantes pesados de drogas e outros criminosos capazes de se defender com advogados caros?

Ou então: como a população poderia achar que há justiça no Brasil se o ex-presidente Lula, condenado em três instâncias pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, está solto por aí – só porque o principal tribunal de Justiça do país disse que ele foi julgado na cidade errada? As pessoas não entendem. Por que Lula e o “Gordão do PCC”, por exemplo, estão na rua, e militantes políticos de direita estão presos?

A alta justiça brasileira não vale nada por causa das decisões que toma, só isso; quem a condena, na prática, é a conduta dos ocupantes do Supremo Tribunal Federal, daquele bando de tribunais “superiores” que o pagador de impostos sustenta em Brasília e das cortes regionais de apelação, operadas pelos estados e pela União.

Já seria suficientemente ruim se fosse apenas isso – mas é pior, porque não é apenas isso. Além de prestar um serviço de qualidade miserável à população que a sustenta, a Justiça brasileira é hoje a mais cara do mundo. De um lado, a judicatura foi completamente sindicalizada ao longo dos últimos 20 ou 30 anos, transformando os magistrados brasileiros numa casta cara demais para a sociedade, com privilégios financeiros e materiais cada vez mais extravagantes. De outro lado, a Justiça engole verbas imensas, concedidas sem cabimento e gastas sem controle, para cuidar da sua própria manutenção.

Os números são chocantes. Em 2020, ano em relação ao qual estão disponíveis os números oficiais mais recentes, a Justiça brasileira gastou mais de R$ 100 bilhões. Não é chute de jornalista: são os dados, oficialíssimos, do CNJ, o Conselho Nacional de Justiça. É o dobro, ou algo assim, de todo o “auxílio emergencial” a ser pago em 2022, esse que tem provocado tanto escândalo entre os novos vigilantes da austeridade nas contas públicas. Sustenta 433 mil funcionários, entre os quais 18 mil juízes. Representa 1,3% do PIB.

Não cometa o equívoco de achar que este último número é razoável – ele é uma aberração. Significa que o Brasil gasta três vezes mais do que a Alemanha, proporcionalmente, para manter seu sistema judiciário; a Alemanha, note-se, tem a Justiça mais cara da Europa. Comparado com a Inglaterra, por exemplo, o Brasil gasta dez vezes mais. Com os Estados Unidos, quase isso.

Anuncia-se, agora, uma nova festa de arromba com o dinheiro público: a Justiça vai torrar nada menos do que R$ 3 bilhões na reforma dos seus prédios e na construção de outros, novos; suas excelências acham que precisam ainda de mais palácios, pois não cabem nos atuais. A ideia é simplesmente absurda: como seria possível, honestamente, alguém ocupar esses imensos mausoléus atuais, fruto do mau gosto de construtoras amigas e da licenciosidade no orçamento das obras, e querer mais do que já tem?

A Justiça brasileira não é apenas um desastre para o cidadão a quem deveria servir. É, também, o caminho da fortuna para quem recebe o presente de construir suas obras.


O ministro sem fronteiras

Publicado em 4 de dezembro de 2021


Há alguma coisa profundamente errada com o ministro Alexandre de Moraes. É esquisitíssimo, em primeiro lugar, que ele apareça tanto assim no noticiário, como se fosse o homem público mais importante que o Brasil já teve em 521 anos de história – ou um astro do sertanejo universitário no auge da carreira. Se o cidadão não foi eleito nem para a presidência do clube de bocha do bairro, e lida no seu dia a dia com algumas das coisas mais chatas que existem na esfera do conhecimento humano, por que virou essa figura “pop” que deixa em transe o mundinho da elite brasileira? Mais que isso, e muito pior que isso: é rigorosamente incompreensível o que Alexandre está fazendo como ministro do Supremo Tribunal Federal. Aí complica um colosso, porque o que ele faz tem efeito prático, imediato e doloroso. Por uma dessas calamidades que perseguem o Brasil, como a saúva e a seca no Nordeste, o STF virou o grupo que manda hoje na sociedade brasileira – e seria difícil achar um grupo que manda tão mal. Nesse ponto, justamente, a coisa pega: entre os que mandam mal, Alexandre é hoje o que manda pior.

Não se trata de discutir a qualidade dos despachos do ministro. Muito antes de se chegar lá, a discussão já vai para o brejo por um motivo central absolutamente descomplicado: Alexandre de Moraes toma decisões que são 100% contrárias ao que está escrito na lei. Tanto um repetente em faculdade de Direito de terceira linha quanto uma sumidade da ciência jurídica universal, aqui ou em qualquer país do mundo, teriam certeza da mesma coisa diante dos decretos sem apelação do ministro: essas decisões são ilegais. Ele e seus colegas, naturalmente, afirmam que leigo não sabe o que é legal ou ilegal, não entende nada de Direito e, portanto, não pode dar palpite. Falso. Ninguém precisa ser matemático para saber que o triângulo tem três lados. Essa história não tem nada a ver com técnica; não se trata de nenhuma questão enrolada de alto direito canônico que só jurista cinco-estrelas pode debater. Tem a ver com lógica, simplesmente. A lei manda fazer uma coisa. Alexandre faz o contrário. Xeque-mate.

Como é que as coisas ficaram assim? Não dá para entender. Justo com ele, que é juiz supremo e, nessa condição, não tem ninguém acima para lhe dizer que não pode fazer isso, ou que é obrigado a fazer aquilo? Fica difícil. O que Alexandre resolve está resolvido; há os outros dez ministros, claro, mas é mais fácil o camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que “o grupo” mexer no despacho de alguém. Seja lá o que for, o grupo “está fechado”, e dá a maior força ao “professor”; se um deles decidir que 2 mais 2 são 22, vai ficar assim mesmo e não se fala mais nisso, a menos que você esteja querendo contestar as “instituições” e tomar um processo no lombo por “atos antidemocráticos”. Alexandre sabe, obviamente, o que está escrito na Constituição e na legislação penal brasileira, pois qualquer um, até um jornalista, é capaz de saber; não existe a possibilidade de que ele não saiba, ou não tenha entendido o que leu. Faz de propósito, portanto – e aí complica geral. Que diabo está acontecendo aqui?

A última bula universal baixada por Alexandre mostra pelo menos uma coisa: não há mais nenhum limite para ninguém, nem para nada, dentro do STF. Se o ministro sabe perfeitamente o que está fazendo, e continua a fazer o que faz, é porque chegou à certeza de que pode tudo. Não perca o seu tempo, assim, tentando descobrir onde passa a fronteira: não há fronteira. É onde estamos no momento. Em sua última decisão, talvez mais que qualquer outra, o homem realmente chutou o balde: simplesmente proibiu o deputado Daniel Silveira, que está em pleno exercício do seu mandato, de dar uma entrevista ao programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan. Isso não existe desde que o regime militar proibia o bispo dom Helder Câmara de falar à imprensa, e a imprensa de publicar o que ele falasse. Não é que o deputado tenha dado a entrevista e, depois, sido acusado por Alexandre de ter dito alguma blasfêmia antidemocrática no ar. Ele foi proibido de dizer o que ainda não tinha dito. Que tal?

E se Silveira quisesse dizer na entrevista que o Supremo é a coisa mais linda que existe no Brasil? Não poderia, segundo o decreto de Moraes. E se quisesse falar dos 2 a 1 do Palmeiras em cima do Flamengo? Também não poderia. Nada poderia, em suma. É uma novidade realmente extraordinária. Nem se trata, nisso aí, de dizer que a decisão não vale nada do ponto de vista jurídico; qualquer advogado de porta de cadeia sabe que não existe nenhum artigo na Constituição, ou em qualquer dos 10 milhões de leis em vigor no Brasil, que autorize o ministro a censurar o que um cidadão vai falar. O que chama a atenção, mesmo, é que Alexandre não faz mais nexo – em matéria de lógica, o homem descolou da nave mãe. Suas decisões não precisam mais manter nenhum contato com a racionalidade; ele quer, como o rei Luís XV, e se ele quer os nove colegas (no momento está faltando um) também querem, e, se o STF quer, ninguém tem nada de ficar fazendo pergunta. E os direitos do deputado Silveira? Os direitos do deputado Silveira que vão para o diabo que os carregue.

Ele já estava proibido por Alexandre de se manifestar pelas redes sociais; é um dos 513 deputados federais do Brasil, igualzinho aos outros, não foi cassado nem recebeu condenação judicial nenhuma, mas não pode nem desejar um feliz aniversário pelo Twitter. Que lei permite um negócio desses? O ministro sustenta, pelo que dá para entender da sintaxe atormentada das suas decisões, que o deputado é uma ameaça à democracia e em casos de ameaça à democracia a liberdade de expressão não se aplica. Não se aplica, por sinal, nenhuma das garantias individuais do cidadão. No mundo das realidades, o que ele fez foi insultar o STF num vídeo. Pela lei, Silveira tem imunidades parlamentares, e jamais poderia receber as punições que recebeu. Mais: se fosse legalmente processado, julgado e condenado por um juiz de direito, isso seria crime de injúria, ou de incitação à violência – delitos que não permitem a prisão de ninguém em flagrante e muito menos nove meses de cadeia, como Alexandre socou em cima dele, e nem o banimento de rede social nenhuma. Mas e daí? Aqui é nóis que manda. Se não gostou vai reclamar no Tribunal de Haia.

O ministro, em linha com o resto da sua cabeça, também se tornou um militante político de vanguarda. Sua última realização – num encontro “latino-americano” de esquerda sobre “liberdade de expressão”, imaginem só – foi uma obscura construção através da qual se chega à conclusão de que “a direita” deveria ser proibida de participar das eleições brasileiras. Essas de 2022, já agora? Alexandre não esclareceu. Disse apenas que a direita – “uma nova direita” – está pretendendo conquistar o poder através das eleições, com o objetivo de “corroer as instituições democráticas”. Os responsáveis por isso seriam “ideólogos norte-americanos”. É mesmo? Quais? Essa informação também não foi fornecida. O que a direita vai fazer, segundo o ministro, é acabar com a democracia e com a “oposição”, através da “assunção do poder pelas vias democráticas”. Que conversa é essa? A Constituição não proíbe ninguém de ser de direita. Por que raios, então, cidadãos de direita não poderiam se valer das “vias democráticas” para se elegerem a cargos públicos? Que vias, nesse caso, Alexandre sugere que eles adotem? Não faz sentido, outra vez.

O pior, nessa trapaça toda, pode nem ser o ministro Alexandre, embora esteja tudo suficientemente errado com as suas sentenças, os seus discursos e a sua conduta no STJ. De repente, pensando bem, ele até que está na dele. Pode fazer o que bem lhe dá na telha, sem correr o mínimo risco. Ninguém o impede de fazer nada; por que raios não faria? Ele quer ser o exterminador da direita. Quer ser um novo herói para a esquerda, e para a cantora Daniela Mercury. Quer ser o mais querido dos jornalistas. Tudo bem; a vida é assim mesmo. A tragédia é a passividade com que o Brasil que pensa, opina e decide como o país deve ser governado aceita – ou incentiva – a degeneração descontrolada das atribuições do STF. A verdade, no fim das contas, é que o STF só existe do jeito que é porque a sociedade brasileira o aceita do jeito que ele é. Todo mundo faz de conta que não está acontecendo nada de mais. O cercadinho da política, a mídia, a OAB, a elite, os banqueiros de investimento de esquerda, a universidade, os “garantistas” e mais uma porção de etcs. não acham, realmente, que haja algum problema no fato de o STF desrespeitar o tempo todo a Constituição. Por covardia, ou por acharem que é assim mesmo que as coisas devem ser, tratam os ministros como gente que, afinal das contas, está salvando o Brasil – são uma muralha que defende a democracia, e outras coisas igualmente fenomenais.

Esse mundo todo acha que está muito certo um sistema superior de justiça que mantém preso o ex-deputado Roberto Jefferson e solta o traficante Fábio Santos, o “Gordão do PCC”, depois de ter soltado o seu companheiro “André do Rap”. Qual seria o problema? Não se sabe qual é a ideologia do “Gordão do PCC”, mas todo mundo sabe muito bem que Jefferson é de direita. Se é de direita, não tem direitos; é assim que se defende a democracia neste país. Alexandre de Moraes, aí, é apenas mais um no time – e, nesse caso, o que está profundamente errado não é bem ele, e sim o Brasil de hoje.


O fiasco da prévia do PSDB

Publicado em 22 de novembro de 2021

Todo brasileiro capaz de ter alguma preocupação com política poderia fazer nesse momento a seguinte pergunta: como o PSDB quer governar o Brasil e seus 200 milhões de habitantes se não consegue organizar uma miserável prévia com menos de 50 mil votantes para escolher o seu candidato a presidente da República?

Passaram meses a fio tentando fazer essa prévia. Gastaram uma fortuna no sistema digital de votação – aliás, dinheiro saído diretamente do seu bolso, através das facilidades do “fundo eleitoral”, que pagou também pela formidável frota de jatinhos espalhada pelo aeroporto de Brasília durante as horas do evento. Levaram o dia inteiro tentando votar. No fim tudo o que conseguiram foi um grande zero: tiveram de desistir e suspender a prévia.

Não conseguiram fazer nem isso? Nem isso. As pessoas, simplesmente, não conseguiam votar; deu pau no aplicativo e ninguém soube consertar. Fim de conversa e da prévia. Com a recusa em encarar a realidade que vem mostrando há anos, os dirigentes do PSDB disseram que houve um “impasse”; os mais hipócritas disseram que foi uma “pausa”. O que houve, na verdade, foi uma calamidade – e uma humilhação em estado integral para o partido, a sua direção e os seus integrantes.

A prévia do PSDB não foi a pique por nenhuma alta razão de Estado. Foi a pique pela absoluta falta de capacidade da direção em cumprir o mínimo de seu dever técnico, político e moral. De duas uma: os votantes não conseguiram votar porque houve fraude ou, então, incompetência em estado extremo. Não há uma terceira hipótese.

A eleição do PSDB para escolher o seu candidato à Presidência já era uma piada: o partido tem 1,3 milhão de inscritos, e menos de 5% se interessaram em votar pela prévia. Mas não se conseguiu nem isso. Com o fiasco grosseiro do sistema digital, só conseguiram dobrar a aposta e o prejuízo.

O PSDB, que já foi um partido sério e chegou a comandar o Brasil por oito anos, é hoje uma ruína. Perdeu cinco eleições presidenciais seguidas – 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018, quando conseguiu ficar com 4% dos votos. Vive no terror perpétuo de desagradar ao ex-presidente Lula e parecer “de direita”. O desastre da prévia, agora, mostra que o partido continua construindo, com o máximo de empenho, sua biografia de perdedor.

O país dos limites

Publicado em 21 de novembro de 2021

É realmente curioso, para um país tão obcecado com a salvação da democracia como é o Brasil de hoje, que não se consiga mais usar a palavra “liberdade” sem, na mesma hora, usar junto a palavra “limite”. Temos, com o barulho de um vulcão ativo, até um inquérito perpétuo para descobrir, processar e punir “atos antidemocráticos”; seus gestores, no Supremo Tribunal Federal, querem tornar o Brasil seguro para a democracia, e para executar sua missão se deram o direito de passar por cima de qualquer lei em vigor no País. Mas a liberdade não está na alma da democracia que tanto se quer salvar? Está e não está. A defesa das “instituições” tem de ficar acima de tudo – inclusive dos direitos individuais indispensáveis para haver cidadãos livres. Ficamos assim, então: para salvar a democracia, temos de liquidar a liberdade.

A má vontade com a ideia geral de liberdade fica evidente na tendência, cada vez mais agressiva, de explicar que ninguém deve ser realmente livre. Não se usa mais isso hoje em dia, dizem o STF e o sistema judiciário, as classes intelectuais e o mundo político, a elite e a mídia em geral; liberdade tem de ter limites. É mesmo? E quem está dizendo o contrário? A liberdade, desde sempre, é limitada pela lei; até pelo Código Penal, no caso específico da liberdade de expressão. A questão não está aí, nesta suposta necessidade de combater a anarquia. O que se quer, no Brasil de hoje, é deixar as pessoas com menos liberdade – tanto que se fala cada vez mais em “limites” e cada vez menos em liberdade. O resto é hipocrisia.

Os vigilantes da democracia estão querendo, no mundo das realidades, liquidar direitos das pessoas. O deputado Daniel Silveira, após nove meses de prisão ilegal, não pode falar à imprensa, por ordem do ministro Alexandre de Moraes; segundo ele, o direito de dar entrevistas tem “limites”. Uma emissora de televisão foi condenada recentemente por passar dos “limites” ao levar ao ar uma reportagem em que todos os fatos estavam corretos, mas em que havia, segundo o juiz, “abuso no direito de informação”.

O jornalista Allan dos Santos, nos Estados Unidos, está com um pedido de extradição nas costas por ter ultrapassado, segundo o STF, os “limites” da liberdade de expressão. Há gente na cadeia, como o ex-deputado Roberto Jefferson, pelas mesmas razões. “Limites” – eis a palavra mágica que justifica hoje todas as agressões à lei e à liberdade praticadas pela autoridade pública e pela polícia nacional de repressão ao “racismo”, à “homofobia” e ao direito de abrir a boca.

A negação do jornalismo

Publicado em 20 de novembro de 2021

Parece destinada em breve ao cemitério, por falência progressiva dos motivos que tinha para manter-se viva, uma das piores ideias que a imprensa brasileira já teve em seus 200 e poucos anos de existência. Com a diminuição dos casos de covid, e o seu desaparecimento das manchetes e do horário nobre da televisão, pode estar caindo em exercício findo, como se diz em português de funcionário público, o “consórcio” dos principais veículos da mídia brasileira para divulgar em conjunto os mesmos números diários sobre mortos na epidemia. Virou uma coisa de religião. Só esses números, segundo os jornalistas, são (ou eram) a verdade, o caminho e a luz. Ficou a cargo do “consórcio”, desde o dia em que foi criado, o direito exclusivo de dizer quantas pessoas tinham morrido na véspera – nenhum outro poderia ser admitido, sob pena de incentivo ao genocídio e sabe lá quanta desgraça ainda pior. Não haveria mais perigo, a partir daí, de que “o Bolsonaro” inventasse números e acabasse, em sua estratégia de “desinformação”, com os objetos de desejo mais intensos que a imprensa brasileira já teve em tempos modernos: o “fique em casa”, a máscara e o uso do álcool em gel.

Durante meses a fio, ou até mais, era o momento do dia mais empolgante para muito jornalista deste país: a hora de fechar os mortos da edição com o número sagrado que baixava do “consórcio”. Quanto mais alto o número, maior a alegria nas redações, secreta ou sem disfarce. “Yesssss!”, exultava-se intimamente, a cada vez que os números produzidos pelo “consórcio” batiam recordes – diários, mensais, quinzenais, nos dias ímpares, nos dias de chuva, nas vésperas de feriados, nos dias santos e por aí afora. Era sinal, então, que a covid continuava a toda. Isso, no tumulto mental de muito comunicador, iria enfraquecer o governo Bolsonaro, apressar o fim do capitalismo e dar um impulso decisivo nas lutas pela diversidade, por mais terras para os índios e contra o aquecimento global.

Foi um momento de ruptura violenta com a vida inteligente, mas, até aí, tudo mais ou menos bem – são coisas que acontecem e depois, com o passar do tempo, se dissolvem em sua própria mediocridade orgânica. O que chama a atenção no “consórcio de mídia” é a brutalidade do equívoco profissional cometido por quem imaginou e criou essa deformidade. É simples. O consórcio é a própria negação da ideia mais elementar do jornalismo independente: a capacidade, por parte de cada órgão de imprensa, de apurar, escrever e publicar as notícias que julga de interesse para o público, sem consulta aos vizinhos, sem a sua licença e sem a interferência de ninguém. Não deveria ter existido, em nenhuma circunstância – até por uma questão mínima de amor-próprio.

Os editores, nesse episódio, não apenas levaram os veículos a abrir mão do principal patrimônio que podem ter: a sua identidade como órgão de fé pública. Nessa condição, espera-se que um jornalista não renuncie à sua liberdade de publicar o que acha correto para os leitores, ouvintes ou expectadores – e que assuma a responsabilidade plena pelo que está publicando. Os criadores do “consórcio” deram, além disso, uma demonstração de vacilo profissional. Por que pedir ajuda ao concorrente para publicar uma notícia? Será que a gente não tem competência para apurar as nossas próprias informações? Onde foi parar a vontade de competir e de dar matéria melhor que a do competidor? É a vitória do conformismo de rebanho – o importante é obedecer a ordens, ser igual ao colega, aceitar, colocar “limites” na liberdade individual, seguir um comando político. Disso não sai nada que preste. Só um Saara mental – um deserto sem sombra, sem vida e sem alegria.

Não adianta nada, obviamente, dizer que cada órgão de imprensa tem um representante no “consórcio”. Por que diabo, então, o representante não entrega ao seu próprio veículo o que está entregando ao “consórcio”? A partir daí, cada veículo que cuide da sua vida e trate de fazer mais e melhor que a concorrência. Se é para o sujeito colaborar com o conjunto e doar a todos os outros membros do “consórcio” a sua informação, em vez de levá-la ao lugar onde ele próprio trabalha, porque tanto jornal, rádio ou emissora de televisão assim? Por que quando cai um avião, por exemplo, não se junta todo mundo para dar o mesmo número de mortos e feridos? Vidas são vidas, é o que a mídia diz sem parar há quase dois anos. Morto de desastre de avião seria menos importante, então, que morto de covid? Não faz nexo. É uma busca inédita, insaciável e irracional pelo coletivo; a impressão é que o sonho de muito jornalista brasileiro é trabalhar num grande Pravda nacional, com redação única, Lula na cadeira de redator-chefe e nenhum outro veículo em circulação.

É a mesma coisa, ou uma ideia ainda pior, com as “agências de verificação” que se dedicam a verificar aquilo que os seus donos consideram “notícias falsas”, ou fake news. São os censores de 2021 – uma criação não da autoridade pública nos regimes de força, como sempre é o caso nos mecanismos de censura, mas dos próprios jornalistas. Seria difícil, tempos atrás, acreditar que um jornalista profissional pudesse se tornar um defensor extremado da proibição de dar notícia – ou do castigo, inclusive penal, para quem publicar notícias proibidas pelas “agências”. Mas é isso, exatamente, o que aconteceu. Grupos particulares, sem identidade jurídica ou fiscal, sem diretores legais ou endereço, deram a si próprios o direito de dizer o que é verdade e o que é mentira em tudo o que a mídia publica ou pode publicar. É claro que têm um viés político, e mais claro ainda que viés é esse: não há uma única agência de fake news fazendo vigilância sobre notícias falsas contra o governo federal, por exemplo. Todas, sem exceção, variam da esquerda para a esquerda. “Falso”, naturalmente, é tudo aquilo que o grupo não quer que seja publicado.

Ao se associarem às “agências de verificação”, os órgãos de imprensa, mais uma vez, estão entregando a terceiros uma parte essencial de sua alma: definir sem interferência de ninguém o que é correto e, portanto, passível de publicação. Um veículo de respeito está aí para isso: apurar as suas próprias informações, publicar o que considera fiel aos fatos e assumir a responsabilidade pelo que publicou. “Se saiu impresso, ou foi ao ar, é porque nós fizemos o nosso trabalho, verificamos exatamente o que aconteceu e garantimos que isso aqui é verdade. É por esse motivo que o público paga para ter acesso ao que nós publicamos. É esse o nosso trabalho. Não é o governo, nem uma empresa, nem uma entidade qualquer, seja qual for, que estão nos instruindo ou autorizando a dizer isso ou aquilo; somos nós mesmos.”

Um órgão de imprensa de verdade não precisa de agência de fake news – faz o seu trabalho de verificação por conta própria, e o selo de qualidade de suas informações não tem de ser dado por ninguém, a não ser por ele mesmo. Também não faz o papel de polícia do conteúdo alheio, e nem terceiriza a própria credibilidade. Se essa ou aquela notícia não saem, é porque os jornalistas deste ou daquele veículo constataram que ela não é verdadeira; não é porque a “agência de verificação” não deixou. Não dá para entregar a outros, para quem está interessado em fazer jornalismo a sério, a tarefa de apurar nada do que é publicado. Ou você é responsável por tudo o que publica, ou não é. Não há meio-termo.

Os jornalistas brasileiros adoraram o “consórcio” e as “agências”. Não há nada de bom, em nada disso aí, para leitores, ouvintes e telespectadores.

Todos se calam diante dessa violência

Publicado em 19 de novembro de 2021

Não há nada que se compare ao caso do deputado Daniel Silveira, no Brasil de hoje, em matéria de ilegalidade em estado bruto. As classes intelectuais, a mídia e a elite em geral, que vivem à beira de um colapso nervoso com tudo o que consideram ameaças ao “Estado de Direito”, ignoram grosseiramente esse escândalo – da mesma forma que a OAB, as entidades que dizem defender direitos humanos e constitucionais e a central nacional dos “garantistas”.

Isso não muda em nada o tamanho da extraordinária coleção de violências que o deputado vem sofrendo em seus direitos mais elementares – apenas coloca em evidência a cumplicidade do Brasil bem pensante com o desrespeito flagrante, direto e permanente às leis brasileiras por parte do Supremo Tribunal federal. É ele, na pessoa do ministro Alexandre Moraes, que impõe a Daniel Silveira a situação de perseguido político oficial – uma aberração em qualquer democracia constitucional.

Solto depois de nove meses de prisão integralmente ilegal, e proibido de manifestar-se nas redes sociais – não pode comentar nem um jogo de futebol no Twitter – o deputado também não pode, agora, dar nenhum tipo de entrevista à imprensa. É um fenômeno. Um criminoso do PCC, por exemplo, pode dar entrevistas na cadeia – quantas quiserem publicar. Silveira, deputado e solto, não pode. Esta exibição de demência não diz respeito só a ele; agride diretamente o direito da imprensa de entrevistar quem bem entender.

São ofensas particularmente primitivas à liberdade de expressão garantida no artigo 5º da Constituição Federal. Nada, nem ali e nem em nenhuma outra lei brasileira, permite que se faça o que está sendo feito em relação ao deputado. Ele não é o único, naturalmente, a ter os seus direitos rasgados pelo inquérito ilegal, perpétuo e totalitário do ministro Moraes sobre “atos antidemocráticos”. Mas o seu caso, sem dúvida, é um dos mais infames.

Silveira, como se sabe, foi preso no início do ano por ofensas ao STF – uma ilegalidade absoluta, pois ele é um deputado em pleno exercício do seu mandato e não pode, pela Constituição, ser preso – a não ser em flagrante e no caso de crimes gravíssimos, como qualquer cidadão brasileiro. Ele não cometeu crime gravíssimo: seu delito, caso fosse julgado e condenado, é o de injúria. Mais: a prisão aconteceu dias depois de ter feito as declarações. E daí? O ministro inventou um desatino legal jamais ouvido antes, o “flagrante perpétuo”, para jogá-lo no xadrez. Ficou por isso mesmo.

O deputado, de qualquer forma, está protegido pelas “imunidades parlamentares” e jamais poderia ter sido preso por ter expressado opiniões, mesmo insultuosas; teria de ser processado na forma da lei, com a participação da Câmara dos Deputados. Durante sua prisão, o ministro Moraes proibiu que ele fizesse uma ressonância magnética no joelho. Foi uma sucessão de horrores.

Agora, em liberdade, Silveira vive na condição de “subcidadão”. Sem qualquer justificativa legal, ele se vê com menos direitos que os demais brasileiros. Se fosse aplicada a lei, jamais poderia ter sido preso; foi roubado em nove meses de sua vida e está oficialmente ameaçado de voltar para o cárcere, por vontade exclusiva de um ministro do STF.

A elite se cala diante deste e de outros abusos porque os atingidos são pessoas politicamente amaldiçoadas pelo “Brasil democrático”. Esquece que quando se anula os direitos de um são anulados os direitos de todos.

Toffoli e o poder moderador que não existe

Publicado em 18 de novembro de 2021

Acabamos de ficar devendo ao ministro Dias Toffoli uma revelação realmente extraordinária; com certeza, nenhum brasileiro sabia disso até agora. No festival jurídico que o seu colega Gilmar Mendes promove neste momento em Lisboa, onde colossos do Direito moderno expõem para o mundo os últimos frutos do seu saber, Toffoli informou que o Brasil vive, nos dias de hoje, num “regime semipresidencialista”, com o Supremo Tribunal Federal exercendo o papel de “Poder Moderador” – como Dom Pedro II durante o Império. É um espanto.

Deve ser, possivelmente, o que determina alguma Constituição secreta que está em vigor, sem ninguém saber. Não temos o Orçamento secreto? Então: podemos ter também uma Constituição Secreta. O certo, sem a menor dúvida, é que a Constituição Federal de 1988, que até agora estava valendo, não estabelece absolutamente nada disso. Segundo o que está escrito ali, há no Brasil um regime presidencialista integral, não semi, com três Poderes separados e independentes entre si, Executivo, Legislativo e Judiciário. Não há, na Constituição Cidadã ora vigente, nenhum “Poder Moderador” – e nem se prevê que o STF modere coisa nenhuma.

Toffoli, o único ministro do STF a ser reprovado duas vezes seguidas no concurso para juiz de Direito, também informou que o Brasil é um país “difícil de governar” – motivo, pelo que deu para entender, para a adoção desta novíssima forma de governo. Falou também sobre a “centralidade” do Congresso (há tempos que ninguém usava essa palavra; era uma das preferidas de Marina Silva) e o seu papel. Segundo ele, o Congresso reflete “os consensos das elites regionais” – e o STF é o “fiador” disso. Fiador das elites regionais? Por esta o Supremo certamente não esperava.

Por que a China nunca será uma democracia

Publicado em 16 de novembro de 2021

A China é muito longe do Brasil, muito diferente em tudo, muito mais rica – segundo o FMI, teve em 2020 um PIB dez vezes maior que o brasileiro – e é muito mais importante para o resto do mundo. Ou seja: não dá para comparar. Não dá, mas também não é proibido olhar para a China e pensar um pouco no que acontece lá. Não para copiar nada, pelo amor de Deus – é só mesmo para pensar.

Há quase dez anos, desde 2012, a China vem sendo comandada por um só presidente e um só governo, e acaba de decidir que vai continuar assim pelo futuro próximo. Obviamente, o esquema tem dado certo; a China, sob a atual direção, continua sendo de longe o país de maior sucesso material do mundo, com todos os espetaculares benefícios que isso tem trazido para a sua sociedade. Se não estivesse dando certo, aliás, a coisa não continuaria de pé.

Num mundo que vive na incerteza, na inconstância e na incapacidade de definir o que quer, com uma inflação descontrolada de “causas” de todos os tipos, a China é uma rocha de estabilidade. Tem problemas, é claro; teve Covid, como todo mundo – foi a pátria da Covid, aliás – tem disputas, tem dificuldades sérias, tem escassez de terra e de água, tem gente infeliz. Mas não vacila, nunca, no essencial: fazer tudo o que é necessário para manter vivo, e muito acima de qualquer outro país, o crescimento econômico.

Os chineses já há muito tempo – na verdade, desde que começaram a sua extraordinária transformação interna, possivelmente a maior que uma nação já viveu na história humana – têm uma certeza: a única solução efetiva para as questões sociais está no crescimento contínuo, racional e acelerado da economia. Isso deve ser feito com as ferramentas do capitalismo e com a liberação das forças produtivas – e sob o comando de um partido político único que, na verdade, é um sistema burocrático e administrativo baseado no mérito individual. Fim de conversa.

A China não precisou de democracia para sair do subdesenvolvimento mais aterrorizante em que estava 50 anos atrás e passar para a posição de segunda maior economia do mundo. Não precisou de democracia, igualmente, para satisfazer com toda a decência as necessidades materiais de uma população a caminho do 1 bilhão e meio de habitantes. Na verdade, em 5 mil anos de história, nunca teve democracia – e não parece nem um pouco interessada em ter uma agora, ou em futuro visível.

Na China não há debates sobre a “linguagem neutra”, as terras indígenas ou o direito de homens biológicos jogarem em equipes esportivas de mulheres. Não existe a Ordem de Advogados da China, nem um supremo tribunal federal que manda para a cadeia aliados do presidente Xi Jiping. Nas escolas, os professores têm de ensinar de verdade os alunos, a começar pelas ciências exatas – ou é isso, ou vão para a cadeia. Não há um Ministério Público que proíbe o governo de construir estradas de ferro ou usinas de energia elétrica. Não há uma porção de outras coisas.

O contrato social na China é outro. O governo não fornece Constituição, com 250 artigos, estabelecendo o “direito de moradia” – fornece a moradia. A troca é simples. Nós damos comida, trabalho, tratamento médico, escola, celular, laptop e mais uma porção de coisas reais. Vocês deixam o governo em paz. Tudo bem?

É assim que funciona lá. A democracia do mundo ocidental cristão – tecnicamente, a mesma no Brasil e na Suécia, com resultados opostos num lugar e no outro – não é uma ideia que faz sentido para a atual direção da China, ou para qualquer outro governo que os chineses já tiveram. Eles mesmos, pelo que se vê na prática, acham que está bom assim. Vida que segue, portanto.

Democracia grátis

Publicado em 14 de novembro de 2021

O Congresso brasileiro é ruim? Sim, o Congresso brasileiro é muito ruim. Ruim? Para falar sinceramente, é pior do que ruim; podem chamar de péssimo que ele atende. Feita essa primeira constatação, há uma segunda: este é o único Congresso que temos. Não dá para chamar o Parlamento da Suécia, por exemplo, e pedir que ele faça as nossas leis. Também não dá, pelas mesmas razões, para terceirizar a tarefa em favor do Congresso da Venezuela. (O PT, PSOL, etc., pelo que vivem dizendo, iriam gostar muito, mas realmente não vai dar, pelo menos por enquanto.)

É um problema e tanto. O Brasil é uma democracia, pelo que está escrito na Constituição, e na democracia brasileira quem faz as leis são a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. E se elas forem ruins? Paciência: todo mundo vai ter de aguentar. “Estado de direito” é isso. Só deputados e senadores eleitos em voto livre, secreto, universal e obrigatório pela população estão autorizados a escrever e aprovar leis. O Poder Executivo tem de cumprir o que foi aprovado e o Poder Judiciário tem de julgar se a lei aprovada está sendo cumprida. Não está escrito, em nenhum lugar, que as leis devem ser boas; apenas que o Congresso tem o direito e a obrigação de fazer cada uma delas.

Também não se prevê na Constituição nenhum mecanismo de controle de qualidade em relação aos deputados e senadores. O sujeito pode ser um Churchill ou um Tiririca, tanto faz; se for maior de idade, passar no teste de alfabetização e receber os votos necessários para ser eleito, está dentro, e tem o direito legal de aprovar ou recusar o que lhe der na telha. A Constituição não diz que a ministra Rosa Weber, digamos, tem de gostar da lei para ela valer; pode ser uma pena, mas o que se vai fazer? É assim.

Tudo isso parece muito claro, mas não é. Na vida real, pelo menos, não é, pois não está acontecendo com o Congresso nada do que a Constituição diz que deve acontecer. A Câmara dos Deputados aprovou, de forma legítima e legal, uma lei sobre o pagamento de emendas parlamentares. Não valeu nada. A ministra Weber não concordou com o texto aprovado e o Supremo Tribunal Federal, muito simplesmente, vetou a lei que os deputados tinham acabado de colocar em vigor.

As emendas parlamentares são uma aberração, e lei nova sobre ruindade velha só piora o que nunca prestou. Mas são fruto direto da democracia brasileira, tal como ela está organizada; é o preço que se paga pelo estado de direito. O STF quer uma democracia grátis – ou obediente a ele. Só está produzindo desordem.

Quem governa esta droga?

Publicado em 13 de novembro de 2021

O Brasil está sem governo. As coisas essenciais para o cidadão, como o fornecimento de luz elétrica, o Corpo de Bombeiros e a coleta do lixo continuam funcionando, graças a Deus, nos lugares em que existem – as pessoas encarregadas de executar esses serviços vão trabalhar todos os dias, sabem o que têm de fazer e fazem direito. Não parou a extração de petróleo. O metrô abre às 4 da manhã e vai até a meia-noite. O sujeito que chega à porta de um pronto-socorro tem chances reais de ser atendido. A maioria dos sinais de trânsito está alternando o verde, o vermelho e o amarelo. O país já passou a marca dos 100 milhões de totalmente vacinados contra a covid, ou de 150 milhões com pelo menos uma dose – um bom exemplo mundial. Em suma: o que interessa, mesmo, está razoavelmente de pé, e isso não é assim tão pouca coisa. (Na Venezuela, por exemplo, a produção de 3 milhões de barris diários de petróleo caiu para 1 milhão. Pontes vão desabando aos poucos e as autoridades deixam cair, porque ninguém sabe como consertar. A inflação nos últimos 12 meses foi de 2.600%. O dia a dia é uma calamidade – e lá, claramente, existe governo demais. Ou seja: ter governo, mas governo ruim, não adianta nada.)

O problema é que no Brasil de hoje não existe governo nenhum no alto da árvore. Quem tem a obrigação legal, política e moral de governar não está governando – ou, muito pior ainda, um dos Três Poderes está impedindo ativamente os outros dois de governarem, com a ilusão de que governa tudo; no fim das contas, acaba sem governar nada, pois o que governa é apenas a desordem. Não há mais uma Constituição em vigor; ela é desrespeitada, caso após caso, pelo Supremo Tribunal Federal. Não há segurança jurídica, pois cidadãos e empresas não sabem, simplesmente, se a lei de hoje é a mesma de ontem, e se vai estar valendo amanhã. Ninguém sabe, também, se quando o Congresso aprova algum projeto é à ganha ou é à brinca. Juízes, procuradores e outros barões da Justiça, que dão a si próprios salários de R$ 80.000 por mês, ou mais, paralisam quando bem entendem a administração pública. Decisões econômicas cruciais não podem ser tomadas. A lei diz que não pode haver presos políticos no Brasil; há presos políticos no Brasil. A lei garante a liberdade de expressão; as pessoas são punidas por expressarem suas opiniões. Investigam-se, julgam-se e punem-se crimes que não existem no Código Penal Brasileiro, como o de “desinformação”, ou o de fake news. Não há mais independência de Poderes; o Congresso e o Executivo nunca sabem, nunca mesmo, se as suas decisões vão valer ou não. Se isso não é desordem, então o que é?

O Executivo, com certeza, não manda nada. Mandar como, se as suas decisões mais simples são abertamente desrespeitadas? O governo não consegue, sequer, baixar uma portaria lembrando que o cidadão tem o direito legal de não ser demitido do emprego caso se recuse a tomar vacina. É uma coisa elementar. Mas o Ministério Público “do Trabalho”, que existe para proteger os empregos, diz que a decisão não vale; o prefeito de São Paulo diz que não vai aplicar a instrução e fica tudo por isso mesmo. O presidente Jair Bolsonaro quis nomear, como é seu direito legal, um diretor para a Polícia Federal; o STF proibiu, mandou nomear outro e foi obedecido. A cada 5 minutos, o mesmo presidente recebe de algum dos dez ministros do Supremo um prazo de “cinco dias”, ou coisa que o valha, para “explicar” por que fez isso ou aquilo. Uma entidade pública legalmente vinculada ao governo federal, a Fundação Palmares, está proibida de demitir qualquer funcionário, por qualquer motivo que seja – um caso provavelmente único no mundo. O presidente da República, de novo ele, é censurado abertamente pelas “redes sociais” – qualquer YouTube ou Twitter da vida se dá o direito de proibir o homem de falar, ou de selecionar o que ele fala.

O governo não consegue levar uma linha de transmissão de energia elétrica para um Estado inteiro, o de Roraima, porque meia dúzia de índios e o Ministério Público não deixam. Não consegue, da mesma forma, construir uma ferrovia estratégica para o interesse público porque seu traçado passa em menos de 0,1% de uma “floresta nacional” – nem executar o seu projeto de “escola sem partido”, para limpar um pouco os currículos escolares da sua carga política e ideológica de esquerda. A administração federal está infestada por milhares de nomeações políticas feitas nos governos de Lula e Dilma Rousseff; os beneficiados não se subordinam aos seus superiores hierárquicos, mas à orientação do PT e de seus partidos auxiliares. O governo foi proibido de bloquear verbas de Goiás retidas por falta de pagamento das dívidas estaduais; a mesma coisa aconteceu com a Bahia. Durante a covid, especialmente, o Supremo deitou e rolou em cima da Presidência – a começar pela mais extraordinária decisão de todas, a que criou 6.000 repúblicas dentro do país, ao dar às “autoridades locais” independência quase absoluta para cuidar da epidemia. (Por conta disso, até hoje, dois anos letivos depois, há prefeitos que mantêm fechadas as escolas municipais.)

Não há nada que o STF tenha deixado de fazer para combater o governo. Bolsonaro foi intimado a “explicar”, em tantos dias, o decreto que facilitava o porte de armas, o corte de 30% nas verbas das universidades federais e o “Programa Verde Amarelo”. Exigiram, da mesma forma, que ele “explicasse” declarações que fez a respeito do pai do advogado Felipe Santa Cruz, presidente da OAB e destaque no atual palanque da oposição, sobre a ex-presidente Dilma Rousseff e sobre o jornalista americano Glenn Greenwald. Bolsonaro foi proibido de extinguir os “conselhos federais”, dinossauros burocráticos que prosperam sem controle de ninguém em Brasília. A medida que transferiu a demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura, um passo mínimo para enfrentar as fraudes na área, foi suspensa. Também foi cancelada a decisão de dispensar as empresas da obrigação de publicarem seus balanços em veículos de “grande circulação”. Foi anulada, igualmente, a extinção do “seguro obrigatório” para carros, o infame DPVAT. Enfim, são três anos inteiros da filosofia do “se é coisa do governo, então eu sou contra” – especialmente quando a “coisa do governo” é mexer em interesses materiais dos amigos do STF. Ao todo, segundo uma lista que circulou no Palácio do Planalto, os ministros tomaram, de 2019 para cá, 123 decisões diretamente contra o governo. Dá quase uma por semana. Faz algum sentido um negócio desses?

Com o Congresso, o desastre é o mesmo. Até outro dia, numa aberração que jamais será explicada, a Câmara dos Deputados do Brasil era a única Casa parlamentar do planeta a aceitar que um dos seus membros, em pleno exercício do mandato, estivesse na prisão – ficou preso nove meses, aliás, por decisão pessoal de um ministro do STF. Foi um momento realmente extraordinário. O deputado não foi cassado em nenhum momento pelo plenário da Câmara. Recebeu todos os seus salários e vantagens. Seu suplente não assumiu. Com o mandato válido, poderia perfeitamente ter votado – mas não podia comparecer às sessões porque estava na cadeia, e não foi permitido, também, que ele votasse em esquema de xadrez-office, ou de teletornozeleira. Durante toda a sua prisão, os 513 deputados federais da República aceitaram como coelhos assustados o ministro Alexandre de Moraes mandando chover e fazer sol; se tivesse decidido que o deputado Daniel Silveira ficaria preso pelo resto da vida, ninguém iria fazer nada. Que autoridade pode ter um Congresso desses?

O presidente do Senado foi obrigado pelo ministro Luís Roberto Barroso, como quem dá ordens a um subordinado, a aceitar a realização da sinistra “CPI da Covid” Esse mesmo Senado morre de medo da ideia de examinar a conduta dos ministros do STF, como é seu direito e sua obrigação legais – os senadores passam mal só de ouvir falar no assunto. A lei criando o voto “impresso”, ou com comprovante de votação, foi aprovada de forma aberta e legítima pela Câmara; foi anulada, simplesmente, pelo mesmo ministro, e votada uma segunda vez – aí, com uma decisão aprovada pelo STF. Ainda agora, a lei do pagamento das emendas parlamentares, que representa exatamente a vontade da maioria dos deputados e foi aprovada da maneira mais lícita que se possa imaginar, foi vetada pelo STF. A ministra Rosa Weber, com o apoio dos colegas, decidiu legislar diretamente em lugar dos deputados: baixou uma série de ordens a que a Câmara deve obedecer em relação à matéria aprovada. Não há nenhuma razão lógica, administrativa nem constitucional para isso – a nova lei, morta ao nascer, é pura e simplesmente a decisão legítima de uma Câmara dos Deputados legalmente eleita. Sua anulação é apenas mais uma demonstração de que o Supremo continua dando a si próprio, como faz o tempo todo, o direito de dizer se as leis aprovadas pelo Congresso Nacional valem ou não valem – e como, exatamente, elas devem ser.

Não interessa se a lei das emendas “do relator” é boa ou é ruim – se ela foi aprovada legalmente pelo Poder Legislativo, o STF não tem nada a ver com isso. Tem apenas de aceitar, como o Executivo e o resto da nação. Mas os ministros, cada vez mais, acham que cabe a eles decidir o que é bom e o que não bom para o Brasil. Seu trabalho não é mais aplicar a Constituição, mas decidir como o país tem de se comportar, da publicação de anúncios de sociedades anônimas à venda de seguros de carro, em nome do superior bem de “todos” – isso quando não estão ocupados em decidir o que é a verdade e enfiar gente na cadeia por fake news e atos contra o seu estilo de democracia.

A atuação do STF não é neutra. É perfeitamente inútil esconder os fatos: dos dez atuais ministros do SFT, sete foram nomeados por Lula e Dilma. Como é possível pretender que, uma vez no Supremo, eles deixaram de ser quem eram e passaram a se conduzir como juristas imparciais? O mundo político, a mídia e a elite podem fazer de conta que uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas é óbvio que tem tudo a ver; na verdade, só tem a ver. As decisões do STF, assim, são as decisões de um partido político de oposição e geralmente de esquerda – aliás, virou um hábito de o PT e seus satélites recorrerem ao Supremo, e ganharem, a cada derrota que sofrem em votação no plenário. E a confirmação da independência do Banco Central, aprovada em lei no Congresso? E a recusa do Tribunal Superior Eleitoral, um derivativo do STF, em anular a chapa Bolsonaro-Mourão? São, de fato, decisões que saem da “curva” do tribunal, mas e daí? O conjunto da sua conduta compõe uma condenação maciça aos dois outros Poderes, o Executivo e o Legislativo, ambos eleitos livremente pela população brasileira – o que não tem nada a ver com as funções e os deveres constitucionais da mais alta Corte de Justiça do país.

O grande problema para o Brasil, nessa salada, é que o STF não deixa o governo nem o Congresso governarem, mas também não consegue, ele próprio, governar o que quer que seja – cria a baderna jurídica, política e administrativa na sociedade, e fica flutuando acima dela, impotente para gerir problemas da vida real e sem responsabilidade pelas ruínas que cria. Os ministros têm uma capacidade praticamente ilimitada para fazer o mal, mas quase nenhum repertório para fazer o bem; o resultado é isso que se vê aí. Cada vez mais, os ministros se comportam – quase sem exceções – como o chefe que grita nas reuniões e acha que está impondo respeito, quando está apenas demonstrando falta de controle sobre si mesmo. É evidente, olhando com um pouco mais de atenção o que dizem nas suas decisões, que “caiu” o sistema em que se processa a atividade mental de suas excelências. Em algum lugar do circuito, um fio acabou desencapado – e o resultado é o espetáculo de ministros lançando bulas de excomunhão para castigar os culpados pela “polarização entre Poderes”, a “animosidade” na população, “ataques contra agentes políticos” e uma penca de disparates do mesmo tamanho. Como assim? Nada disso, obviamente, é proibido por lei. Desde quando dar notícias apresentadas “de forma parcial” é um crime, um desvio moral ou uma ameaça “à democracia”? Não tem mais muita coisa a ver com sanidade; tem tudo a ver com jurista de ditadura bananeira lendo sentença de condenação contra preso político.

Lula na Europa: dá gosto fazer campanha assim

Publicado em 12 de novembro de 2021

O ex-presidente Lula – ex-presidiário, ex-chefe de palanque em comício de operário, ex-portento mundial (“he’s the man”, disse Barack Obama em sua então augusta posição), e virtual candidato a presidente da República – está de viagem pela Europa em cumprimento a mais um dos seus deveres de marketing eleitoral. É sempre melhor circular por Paris, alavancado por olhares de adoração de toda aquela gente que faz o tipo “europeu de esquerda”, do que amassar barro no interior da Paraíba – mas aí é que está: toda campanha também tem os seus momentos de vida boa.

Para Lula, que enfrenta um tempo de chuva e frio por aqui – onde não pode sair na rua com medo de vaia -, este passeio de milionário pela Europa, com tudo pago e tratamento cinco estrelas, é o que poderia acontecer de mais gostoso no momento. Durante uns dias, pelo menos, ele vai viver uma das fantasias preferidas da esquerda de país rico – a de que Lula é um herói da classe operária, que nunca cumpriu pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, nunca se meteu com empreiteiro de obra e nunca teve ministro que delatou crimes de ladroagem no governo e devolveu dinheiro roubado.

Onde mais Lula pode viver esse tipo de conto de fadas? Só mesmo lá, onde 30 anos de propaganda na mídia e a necessidade de criar heróis populares vindos de terras distantes (Mandela, etc.), fizeram dele uma espécie de santo padroeiro de tudo aquilo que a esquerda europeia mais gosta. Lula, por lá, é o homem que “acaba com a pobreza” (embora, por alguma razão, nunca tenha acabado com os pobres). Defende os índios. Salva os quilombolas, os transgêneros e as “mulheres”. Faz reforma agrária. É o protetor das florestas, das nascentes e da ararinha-azul. Combate, com as próprias mãos e o risco da própria vida, o “capitalismo selvagem”.

Quem não gosta de cair de cabeça nesse tipo de Terra do Nunca, onde só tocam a sua música e é proibida a entrada de realidades? Em Paris, por exemplo, logo em Paris, ele vai ter uma recepção de Papa. A prefeita municipal, justo ela, é uma devota arrebatada – deu o nome de “Marielle Franco” a uma praça da cidade, para se ter uma ideia de quem é a peça, e da festança que vai armar para Lula e a admiração sem limites da mídia. Lava-Jato? O que é isso? Não existe Lava Jato em Paris. Campanha eleitoral assim dá gosto de fazer.

Ministros do STF desmoralizam a justiça

Publicado em 11 de novembro de 2021

O Brasil está vivendo o que talvez fique conhecido, em algum momento do futuro, como a época do ilusionismo, ou, em linguagem mais direta, a época da falsificação pura e simples – falsificação como prática corrente e diária do exercício da atividade política. É como nos teatros tipo “lanterna mágica”: o público vê uma coisa, através do jogo de luz e de sombras, e da dificuldade do olho humano para enxergar no escuro, mas logo em seguida, quando o palco se ilumina, todos descobrem que a realidade é outra. Essa ilusão, nas artes cênicas, é um divertimento. Na política é uma contrafação.

O Supremo Tribunal Federal, no momento, é o centro mais ativo do Brasil na aplicação desta trapaça: opera em tempo integral pretendendo sustentar as “instituições”, mas o que faz, na vida real, é anular de forma sistemática os princípios básicos da democracia e do Estado de Direito.

Nas sombras, o STF aparece como um magistrado que nos defende, a todos nós, das ameaças que os poderes Executivo e Legislativo representam para a Constituição. Quando acende a luz, a realidade que aparece é o contrário: dez pessoas que não receberam um único voto estão ditando o que o Congresso e o governo têm de fazer, sem prestar contas a ninguém e sem ter nenhuma responsabilidade pelas decisões que tomam.

A anulação da lei que estabelece novas regras para o pagamento das emendas parlamentares é o último ato desse espetáculo de prestidigitação com que o STF engana o país. Faz de conta que fiscaliza se a Constituição está sendo cumprida, enquanto, na prática, exerce as funções de governo – naquilo que lhe interessa governar, é claro. A lei foi aprovada, de modo indiscutível e legítimo, pela Câmara dos Deputados; deveria, pelo que está escrito na Constituição, entrar em vigor. Mas os ministros não gostaram. Acham que a lei é ruim e, por isso, não pode valer. Façam outra. Essa não pode.

Não interessa se a lei das “emendas do relator” é boa ou ruim – ela foi aprovada legalmente pela maioria dos deputados e, segundo está previsto nas “instituições” que o STF diz defender 24 horas por dia, só poderia ser anulada ou modificada por outra lei da mesma Câmara. Se o STF dá a si próprio o direito de decidir quais as leis que valem e quais as leis que não valem, a independência de poderes foi para o saco. Não se trata mais de uma exceção; virou a regra. O Congresso Nacional não sabe mais se as suas decisões valem ou não. O Executivo sabe menos ainda. As instituições, tão sagradas para o STF, estão indo para o diabo.

O STF não é o filtro pelo qual se aprovam ou se rejeitam as medidas de governo; não cabe a ele decidir o que é o “bem” e o que é o “mal” no país e na sociedade. Também não lhe cabe dar ordens aos outros Poderes, eleitos pelo voto direto do povo brasileiro, e nem governar o Brasil. Os ministros estão se exibindo, cada vez mais, como justiceiros de faroeste. Tudo o que conseguem é desmoralizar as noções de Justiça, de democracia e de legalidade. Acham-se o remédio. São a doença.

Não se pode nem rezar em paz nesse país

Publicado em 6 de abril de 2021

Poucas coisas são tão difíceis no Brasil de hoje quanto obter alguma decisão justa, ou pelo menos razoável, por parte do Supremo Tribunal Federal. É uma calamidade, assim, que nesses raríssimos momentos em que o STF emite um modesto sinal de luz no meio da sua própria treva, apareça um monte de gente caindo de pau em cima – e a decisão correta, então, passa a ser imediatamente atacada como um crime de lesa-pátria pelo consórcio que age todos os dias para manter em estado de coma a sociedade brasileira.

O ministro Kassio Nunes Marques, dias atrás, liberou parcialmente os templos brasileiros para a celebração de cultos religiosos – naturalmente, uma liberação limitada e sujeita à observação de todas as exigências de “segurança sanitária” que foram sendo criadas nestes tempos de covid. Foi como se o ministro tivesse liberado o assassinato em massa dos recém-nascidos. Um partido-anão, desses que vivem às custas do “fundo partidário” e de outras trapaças legais, “autoridades locais” cada vez mais enraivecidas com seu fracasso na gestão de uma epidemia que já matou 320 mil pessoas, e pelo menos um ministro do próprio STF entraram em mais uma crise de nervos – e querem, agora, anular a decisão do ministro Kassio.

Tudo o que ele fez foi permitir que as pessoas possam, com todos os cuidados do “distanciamento social”, ir um pouco à missa, assistir um batizado ou participar da oração nas igrejas evangélicas. Nem isso? Não, nem isso. O partido-anão, que tem dirigentes que já foram comunistas e hoje não são nada, as “autoridades locais” e o resto acham que botar o pé numa igreja, no país totalitário que querem criar com a desculpa de combater a covid, é uma ameaça social que tem de ser reprimida com todos os rigores da força do Estado.

A ofensiva contra a decisão é o pior ataque já feito desde o início da quarentena contra um dos mais sagrados direitos fundamentais do ser humano, vigente no Brasil desde o imperador Dom Pedro II – a liberdade de religião, uma garantia universal, elementar e indiscutível em qualquer sociedade minimamente democrática.

Os militantes da covid falam, a respeito deste tema e de qualquer outro, que querem “salvar vidas”. Mentira. A cada dia fica cada vez mais claro que usam a epidemia para impor, através da promoção do pânico, um regime político sem direitos individuais e liberdades públicas, no qual o livre arbítrio do cidadão é abolido e o Estado ganha o poder de decidir como cada pessoa tem de viver – em nome da “vida” e do “bem comum.”

A covid transformou-se hoje numa ferramenta política. Muitos dos que exigem todos os dias as medidas mais extremas para paralisar o país estão pouco ligando, na verdade, para os efeitos reais da tragédia – falam em “salvar vidas”, mas o que querem na prática é satisfazer os seus próprios desejos. Estão convencidos de que a epidemia é a melhor oportunidade que jamais tiveram para conseguir ganhos políticos pessoais, que se expressam na imposição de ideologias e no controle da máquina do Estado. Não vão parar com a vacina.

Querem um “novo normal”. Querem um país onde grupinhos de médicos e de burocratas decidem se o sujeito pode ajoelhar num banco de igreja. Querem o poder de fechar shopping centers. Querem proibir a venda de carvão, o trabalho dos barbeiros e a degustação de esfihas. Querem ter o monopólio dos alvarás, das licenças e do resto do papelório através do qual se fecha ou se abre um negócio. Querem “requisitar” bens “móveis e imóveis”. Querem autuar, multar, prender, algemar e espancar pessoas que não cometeram crime nenhum – aliás, fazem isso todos os dias, no país inteiro. Querem um Ministério Público calado e uma imprensa obediente aos protocolos que impõem – e por aí afora. O resto é pura conversa.

O dono do Supremo

Publicado em 1 de abril de 2021

Brasil está vivendo numa situação de desordem. De um lado, por conta da pior epidemia de sua história, foi paralisado por governadores e prefeitos que ganharam poderes de ditador – como acontecia na América Central ou em algum fundão da África, onde os golpistas derrubam o governo, ocupam o palácio e tomam a central de energia elétrica. De outro, e aí está o pior da história, todo o sistema de leis entrou em colapso; parou de funcionar como um conjunto organizado, lógico e previsível de direitos e obrigações, e foi substituído por uma junta civil de onze juízes-advogados que aboliu a Constituição, anulou as funções dos Poderes Executivo e Legislativo, e hoje decide o que o cidadão brasileiro pode, não pode e é obrigado a fazer.

O desmanche da economia, das liberdades individuais e da vida social do Brasil, comandado pelas “autoridades locais” e por seus comitês de “cientistas”, deve durar enquanto durar a covid. A baderna instalada na sociedade brasileira pelo Supremo Tribunal Federal já são outros 500. Os ministros governam por default, como se diz. Perceberam que o Legislativo, de um lado, se pôs de joelhos diante deles – mais de um terço dos seus integrantes tem processos penais nas costas e estão no Congresso para se esconder da polícia; só o STF pode lhes causar problemas, e ninguém ali quer problema. Já sabem, de outro lado, que têm diante de si um Executivo frouxo, derrotado, sem músculos, sem energia e sem cérebro – incapaz de reagir às agressões que recebe o tempo todo dos ministros e incapaz, sobretudo, de defender as convicções dos seus próprios eleitores. O STF, assim, não tem nenhum motivo para mandar menos. É óbvio que só vai mandar mais.

O último surto dessa ditadura de Terceiro Mundo com pose de “sociedade civil” e roupa de lorde inglês foi um insulto em duas fases aos cidadãos que cumprem a lei e pagam os seus impostos, e mesmo aos que não pagam nada. Num primeiro momento, o ministro Edson Fachin anulou de uma vez só todas as quatro ações penais que envolvem o ex-presidente Lula, inclusive sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro em terceira e última instância. O ministro não deu um pio sobre provas, culpa, confissões ou qualquer outra coisa que tenha a ver com um processo criminal; apenas disse que Lula tinha de ser processado em outro lugar, e por isso as sentenças de condenação assinadas por nove magistrados não valem mais nada. Mas o STF achou que só isso não bastava: além de premiar o réu, decidiu que também tinha de condenar o juiz. Num segundo momento, então, a ministra Cármen Lúcia acrescentou a avacalhação ao desastre: declarou o juiz Sergio Moro “suspeito” – com base em informações obtidas por meio de crime – de ter sido parcial na primeira das nove sentenças de condenação. Não apenas Lula não tem culpa de nada; agora, o culpado é o juiz que mandou o chefe supremo para o xadrez. Do ponto de vista político, para todos os efeitos, a principal Corte de Justiça do país passou a ser sua propriedade privada.

Que raio de “ordem constitucional” é essa? O STF, tudo de uma vez só, endossa o “toque de recolher” imposto pelos governadores – medida que poderia ser decretada unicamente em estado de sítio. Não existe estado de sítio no Brasil, mesmo porque só o presidente da República, pela Constituição, tem o direito de decretar uma providência assim; mas o STF não toma conhecimento dessa deformidade. Os ministros prendem um deputado, sem ter nenhum direito a isso; ao mesmo tempo, conduzem há mais de um ano um inquérito perfeitamente ilegal contra seus inimigos, com censura à imprensa e prisão de jornalistas. Anulam leis votadas de maneira legítima pelo Congresso. Declaram nulos decretos do presidente da República. Proíbem a polícia de voar de helicóptero sobre as favelas do Rio de Janeiro. Vetam a nomeação de funcionários de primeiro escalão do Executivo. Anulam por motivos políticos, como fizeram neste caso de dupla proteção a Lula, processos que correm legalmente na Justiça. Atendem, de maneira quase automática, a petições de partidos políticos de esquerda que perdem votações no plenário do Congresso.

O STF não está mais funcionando, nem por aproximação, como uma Corte constitucional – o que poderia ter a ver com a Constituição, por exemplo, a alteração de menos de 0,1% na área de um parque nacional, que a Câmara aprovou e o STF anulou? Também não está funcionando como um tribunal de Justiça comum. Está governando – e está governando em favor de uma orientação política e partidária muito bem definida. As mentes civilizadas fazem de conta que o STF é neutro. Como assim, “neutro”? Oito dos seus onze ministros foram escolhidos justamente pelos dois governos mais corruptos da História do Brasil, os de Lula e de Dilma Rousseff – são, ao mesmo tempo, os mais beneficiados pelo “salva ladrão” geral que vem marcando sistematicamente as decisões penais do tribunal. Como seria possível esperar imparcialidade de um órgão composto de nomeações puramente políticas? Isso não sai nunca a preço de custo para o público pagante. Basta ver as decisões de cada um dos onze. Quem está ganhando?

É curioso. O STF diz que Sergio Moro é “suspeito”. E ele mesmo, o STF, não é suspeito de nada? Além de todas as suas outras aberrações, o tribunal vem funcionando, há anos, como um escritório de advocacia para ladrões milionários, sejam eles políticos ou não. E o beneficiado não é apenas o PT, nem de longe – nesse mesmo bonde estão o alto almirantado do PSDB, o centrão mais extremo e tudo aquilo que, de um jeito ou de outro, consegue roubar alguma coisa de algum cofre do governo. A propósito, o ministro Gilmar Mendes, o principal inimigo do juiz Sergio Moro e das investigações antiladroagem da Operação Lava Jato, achou que deveria fazer, sem ninguém lhe pedir, um elogio público aos advogados de defesa de Lula. Ou seja, não ficou contente só em condenar o juiz que condenou Lula – também pisou em cima. Esse é o “garantismo” que existe no STF real; o que se garante, mesmo, é o atendimento dos desejos, ideias e interesses pessoais dos ministros, dos seus amigos e dos amigos dos amigos.

Nesse último episódio, como se sabe, a ministra Cármen tomou a espantosa decisão de mudar o voto que ela própria tinha dado tempos atrás sobre o mesmíssimo assunto; decidira, então, que o juiz Sergio Moro não era suspeito de coisa nenhuma. Mas agora, sem que tenha acontecido rigorosamente nada de novo, e depois de ter “conversado muito com o ministro Gilmar Mendes”, resolveu atender o atual chefe da facção pró-Lula do STF e voltou atrás; disse que o seu primeiro voto não valia mais, e veio com um segundo exatamente ao contrário, este a favor do ex-presidente e contra o juiz que o mandou para a cadeia. Não há sustentação nenhuma para o que Cármen fez, nem do ponto de vista jurídico, nem do ponto de vista lógico, nem do ponto de vista da honradez; na verdade, como lembrou a advogada e deputada estadual Janaina Paschoal, poderia ser enquadrada em crime de responsabilidade – se o STF, é claro, não mantivesse as leis do país, o tempo todo, em estado de morte cerebral. A conduta de Cármen, em todo caso, combina perfeitamente com a atmosfera de anestesia moral permanente em que vivem hoje os ministros do tribunal.

O STF, pelas decisões que tomou nos últimos anos, transformou-se na maior ameaça à segurança jurídica no Brasil em que vivemos; como em qualquer país subdesenvolvido, aqui a mesma lei é diferente a cada vez que é aplicada pelo STF, e vai sempre na direção daquilo que os ministros estão querendo no momento. Tudo serve, nada é previsível. O cidadão, como resultado, está sempre inseguro: nunca sabe o que vão resolver, e nunca consegue se sentir protegido pela lei. A decisão de Cármen levou o STF a novos patamares de insegurança jurídica; é como se tivesse dobrado a aposta. Trata-se de insegurança jurídica direto na veia – o que pode haver de mais inquietante que um ministro do Supremo que muda uma decisão já tomada por ele mesmo? Se nem o próprio voto de um ministro vale mais nada, podendo ser trocado como um boné de praia, então o que está valendo? Se isso não é insegurança, então o que poderia ser?

O fato é que esse tipo de atitude não é novidade, levando-se em conta a qualidade individual dos integrantes do STF. Só é compreensível falar um pouco mais da ministra Cármen, aliás, porque foi ela a última a vir para o noticiário por conta do que fez; normalmente, o mais prático é ignorar que existe. Cármen Lúcia é uma pessoa pequena. Nunca se destacou em nada. Tem a firmeza ética de uma gelatina de segunda linha. Sua contribuição à ciência jurídica é igual a três vezes zero; como ocorre com seus colegas, nunca produziu em sua atividade profissional mais do que uma turva aglomeração de palavras repetidas, copiadas, mal pensadas e mal escritas. Até algum tempo atrás, Cármen tinha posições contrárias a Lula e à corrupção porque tinha medo do que poderiam fazer os militares; havia uns ruídos, aqui e ali, de que eles estariam insatisfeitos com a impunidade dos ladrões. Mas o tempo passou, os militares nunca saíram de onde estiveram e a estática sumiu; quando a ministra perdeu o medo, trocou de voto e de lado. (Essas coisas não acontecem só com ela: a coragem pessoal jamais trouxe algum problema para os atuais ministros do STF.)

Se tudo isso já não fosse mais do que desastroso do ponto de vista da estabilidade legal, ainda sobra uma pergunta: se o STF é tão “garantista” que exige o cumprimento rigorosíssimo da lei nos mínimos detalhes quando se trata dos direitos dos réus, por que esse mesmo STF admite como válidas informações obtidas por meio da prática de crimes? Foi o que aconteceu no processo em que Moro foi condenado. Que raio de “garantia” ao cumprimento da lei existe numa coisa dessas? O tribunal não só admitiu como “provas” contra Moro gravações criminosas de conversas telefônicas; baseou unicamente nelas a sua decisão. E a lei? Não está escrito ali que qualquer elemento obtido de forma ilegal não pode jamais servir de “prova” para coisa nenhuma? Está. Mas a lei, hoje, não é o que está escrito; é apenas aquilo que os ministros querem neste ou naquele momento.

A conduta atual do STF produz um Brasil cada vez mais subdesenvolvido, mais pobre, mais desigual, com menos oportunidades para todos, menos progresso, menos produção e menos esperança. É uma receita acabada de falência.