Ação Humana (Notas do Livro)

Ação Humana: Praxeologia e Economia

Praxeologia do grego praxis (ação, hábito, prática) e logia (doutrina, teoria, ciência). É a ciência ou teoria geral da ação humana. Mises definiu ação como “manifestação da vontade humana”; ação como sendo um “comportamento propositado”. Economia. É considerada, por Mises, como a mais nova das ciências, aquela que  abriu caminho para as ciências humanas, pois mostrou a regularidade na sequência e interdependência dos fenômenos de mercado.

Por muito tempo, os filósofos, com os seus termos globais nação, raça e igreja , ansiaram por identificar os fins de Deus no curso da história humana. Como não conseguiram responder satisfatoriamente a indagação relativa a que fatores compeliriam a agir desta ou daquela forma, lançaram mão da divindade, da revelação, da "alma mundial" e da "astúcia da natureza". Outros optaram pelo poder, Não tentaram descobrir as leis da cooperação social, porque pensavam que o homem podia organizar a sociedade como quisesse. Não atingindo o desejado, culpavam a moral humana.

A descoberta da inevitável interdependência dos fenômenos de mercado invalidou essas hipóteses. Nesse caso, tiveram que achar outro caminho e não simplesmente optando pela dicotomia entre o bom e o mau, o justo e o injusto. Na ocorrência de fenômenos sociais, prevalece regularidades as quais o homem tem de ajustar nas ações se deseja ser bem-sucedido. Assemelha-se ao físico que estuda as leis da natureza. Não simplesmente uma disciplina normativa, de coisas que deveriam ser, mas do que é, daquilo que está acontecendo e sendo observado.

Os economistas clássicos não conseguiram superar o aparente paradoxo do valor. Até o final do século XIX, a economia política fundamentava-se nos aspectos "econômicos" da ação, uma teoria da riqueza e do egoísmo. Essa visão mudou somente com o aparecimento da economia subjetiva, que transforma a teoria dos preços do mercado numa teoria geral da escolha humana. É a ciência de todo tipo de ação humana.

Toda decisão humana representa uma escolha nada daquilo que os homens dizem obter ou querem evitar fica fora dessa ordenação e de preferência. Da economia da escola clássica emerge a teoria teoria geral da ação humana, a praxeologia, termo que foi empregado pela primeira vez em 1890, por Espinas.

Fonte de Consulta

MISES, Ludwig Von. A Ação Humana: Um Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Von Mises Brasil, 2010, Introdução, item 1.

 

Ação Humana: Pré-requisitos

"Não somos apenas homo sapiens, mas também homo agens."

O ser humano tem sempre em mente substituir uma situação menos satisfatória por outra mais satisfatória. De sua situação presente, projeta, imagina algo melhor e sua ação procura realizar o idealizado. A causa dessa ação é o desconforto. O indivíduo perfeitamente satisfeito não sentiria necessidade de uma mudança, nem precisaria agir, pois está livre de preocupações. O desconforto e a imagem de uma situação melhor não são suficientes; há necessidade de uma terceira condição: a expectativa de que sua ação vai aliviar o desconforto. 

A ação humana é a busca da felicidade? Diz-se que um indivíduo se considera "feliz" quando atinge seus fins. Poder-se-ia corrigir: este indivíduo está mais feliz do que estava antes. O objetivo final da ação humana é a satisfação das necessidades do ser humano. São os critérios pessoais que fazem alguém sentir-se mais ou menos desconfortável. As necessidades de um monge no deserto são completamente distintas das dos viventes nas grandes metrópoles.

Há diversos propósitos numa dada ação: potencializar o seu próprio ego, ajudar os semelhantes, atender os apetites sexuais etc. "A praxeologia é indiferente aos objetivos finais da ação. Suas conclusões são válidas para todos os tipos de ação, independentemente dos objetivos pretendidos. É uma ciência de meios e não de fins. Emprega o termo felicidade no sentido meramente formal. Na terminologia praxeológica, a proposição “o único objetivo do homem é alcançar a felicidade” é tautológica. Não implica nenhuma afirmação sobre a situação da qual o homem espera obter felicidade".

Para melhor compreender esses pré-requisitos, convém analisar, também, os instintos e impulsos. Feuerbach já observara corretamente que todo instinto é um instinto para a felicidade. A psicologia e a sociologia defendem uma classificação arbitrária dos objetivos imediatos da ação. Assim, onde a praxeologia diz que o objetivo de uma ação é remover algum desconforto, a psicologia do instinto o atribui à satisfação de um impulso instintivo. 

Ludwig von Mises critica a posição da escola do instinto que defende que a ação humana não é determinada pela razão, mas provém das entranhas da alma. "No entanto, racionalismo, praxeologia e economia não lidam com as causas e objetivos finais da ação, mas com os meios usados para a consecução do fim pretendido. Por mais insondáveis que sejam as profundezas de onde emerge um impulso ou instinto, os meios que o homem escolhe para satisfazê-lo são determinados por uma consideração racional de custos e benefícios". 

Aquele que age pela emoção também exerce uma ação. Mesmo arrebatado por uma paixão não deixa de comparar custos e benefícios. Nos animais, temos os instintos de conservação: alimentação, reprodução e agressão. Estes instintos são inatos e requerem satisfação. O mesmo não ocorre com o ser humano que, movido pelo seu livre-arbítrio, sua vontade, pode renunciar alguns desejos ardentes e substituí-los por outros. O que distingue o homem de uma besta é precisamente o fato de que ele ajusta seu comportamento deliberadamente. 

Extraído de:  

MISES, Ludwig von. A Ação Humana: Um Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Von Mises Brasil, 2010 (Capítulo 1- "O Agente Homem", item 2 - "Os Pré-requisitos da Ação Humana").

Ação Humana: O Modo de Proceder da Economia

O conhecimento da ação humana é inato nos seres humanos. Precisamos, pois, entender em que consiste a ação humana. Como a lógica e a matemática, o conhecimento praxeológico está em nós; não vem de fora. Nossa tarefa é expô-lo à luz, explicar suas implicações e definir as condições universais da ação em si. O mais importante de tudo é detectar as condições gerais mínimas que são necessárias para determinadas formas de ação.

A preferência da praxeologia é o estudo da ação sob as condições que existem no mundo real. A curiosidade é orientada na direção de certos problemas, desviando-a de outros. Indica o que devemos pesquisar, mas não nos diz como, pois esta é tarefa do próprio pesquisador. A experiência nos ensina que existe a desutilidade [aborrecimento, desconforto] do trabalho. Não nos ensina diretamente, mas aprioristicamente. Não há nenhum fenômeno que se apresente como desutilidade do trabalho. Há, apenas, a hipótese apriorística de que o lazer [ausência de trabalho] é preferível ao trabalho.

Ludwig von Mises diz: "A economia não adota o mesmo procedimento que a lógica e a matemática. Não se limita a formular um sistema de meros raciocínios aprioristas desvinculados da realidade. Adota, nas suas análises, pressupostos que sejam úteis para compreensão da realidade. Não existe, nos tratados e monografias sobre economia, uma separação marcada entre a ciência pura e a aplicação prática de seus teoremas e situações históricas ou políticas específicas. Para apresentação sistematizada de suas conclusões, a economia adota uma forma na qual estão entrelaçadas a teoria apriorística e a interpretação de fenômenos históricos".

Não há o método histórico de análise econômica, mas sim economia e história econômica, e as duas não podem ser confundidas. Os teoremas referentes à troca indireta não são aplicáveis a situações onde não exista troca indireta. Mas isto não diminui sua validade. A história econômica nada mais é do que os registros de políticas de governo que falharam porque foram elaboradas com um imprudente desrespeito às leis da economia. Quer dizer, o poder embriaga tanto um ditador como a maioria democrática.

Os princípios da economia tem sido, ao longo do tempo, um desafio à vaidade dos detentores de poder. Um verdadeiro economista jamais será benquisto por autocratas e demagogos. A praxeologia e a economia progridem passo a passo por meio do raciocínio dedutivo. "Definindo, com precisão, premissas e condições, constroem um sistema de conceitos e extraem por meio de raciocínio logicamente incontestável todas as conclusões possíveis. Em relação às conclusões assim obtidas, só se podem admitir duas atitudes: ou se evidenciam erros lógicos na série de deduções que produziram as conclusões ou se deve reconhecer sua correção e validade".

As ciências empíricas são indutivas; podem analisar segmentos sem se preocupar com o conjunto. O economista, porém,  não pode ser um especialista, isto é, lidando com qualquer problema específico, não pode perder a visão do conjunto.

Extraído de: 

MISES, Ludwig von. A Ação Humana: Um Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Von Mises Brasil, 2010 (Capítulo 2 "Os Problemas Epistemológicos da Ciência da Ação Humana", item 10 "O Modo de Proceder da Economia").

Ação Humana: A Economia e a Revolta contra a Razão

1. A revolta contra a razão. Os filósofos, ao longo da história, não hesitaram em superestimar a capacidade da razão. Temos a ideia do absoluto, das utopias, do supremo legislador... A revolta da razão foi dirigida à economia. O ataque às ciências naturais foi uma consequência lógica e natural do ataque à economia. Esta reação teve origem em meados do século XIX, quando os economistas demonstraram que as utopias socialistas não passavam de ilusões fantasiosas. Só havia um caminho para evitar a derrocada: atacar a lógica e a razão e substituir o raciocínio pela intuição mística. Estava reservado a Karl Marx o papel histórico de propor esta solução.

Para superar a crítica devastadora dos economistas, Marx afirmara que a razão humana não tem condições de descobrir a verdade. "A estrutura lógica da mente varia segundo as várias classes sociais. Não existe algo que se possa considerar como uma lógica universalmente válida. A mente humana só pode produzir “ideologias”, ou seja, segundo a terminologia marxista, um conjunto de ideias destinadas a dissimular os interesses egoístas da classe social de quem as formula. Portanto, a mentalidade “burguesa” dos economistas é absolutamente incapaz de produzir algo que não seja uma apologia ao capitalismo. Os ensinamentos da ciência “burguesa”, que são uma consequência da lógica “burguesa”, não têm nenhuma validade para o proletariado, a nova classe social que abolirá todas as classes e transformará a Terra num paraíso".

2. O exame lógico do polilogismo. O polilogismo marxista assegura que a estrutura lógica da mente é diferente nas várias classes sociais. O já falecido professor Franz Oppenheimer assegurava que “o indivíduo erra com frequência, por perseguir seus interesses; uma classe, no geral, não erra nunca”. Esta afirmativa sugere a infantibilidade do voto majoritário. Os marxistas não hesitam em qualificar como “pensador proletário” qualquer pessoa que defenda suas doutrinas. Todos os outros são taxados de inimigos da classe e de traidores da sociedade.

3. O exame praxeológico do polilogismo. A ideologia marxista é uma doutrina que, embora errada do ponto de vista da autêntica lógica proletária, é conveniente aos interesses egoístas da classe que a formulou. A ideologia marxista é falsa, mas atende aos interesses da classe que a formulou, precisamente por causa de sua falsidade. O que levou Marx a formular sua doutrina sobre ideologias foi o desejo de solapar o prestígio da ciência econômica. A essência da filosofia marxista consiste em proclamar: somos nós que temos razão, porque somos os porta-vozes da nascente classe proletária.

4. O polilogismo racista. Este tipo de polilogismo está em consonância com tendências atuais do empirismo. A humanidade está dividida em várias raças, que têm características físicas diferentes. Para os partidários do materialismo filosófico, os pensamentos são uma secreção do cérebro, como a bílis é uma secreção da vesícula biliar. Sendo assim, a consistência lógica lhes impede de rejeitar a hipótese de que os pensamentos segregados pelas diversas raças possam ter diferenças essenciais. 

5. Polilogismo e compreensão. Alguns defensores dos princípios do marxismo e do racismo admitem que a estrutura lógica da mente seja a mesma para todas as raças, nações ou classes. O que estas doutrinas queriam dizer é que a compreensão histórica, a apreciação estética e os juízos de valor dependem dos antecedentes pessoais de cada um. Esta nova interpretação, na realidade, não encontra apoio no que escreveram os defensores das doutrinas polilogistas. 

6. Em defesa da razão. Um racionalista judicioso não tem a pretensão de dizer que, pela razão humana, se torne onisciente. Teria consciência do fato de que, por mais que aumente o conhecimento, sempre haverá dados irredutíveis que não são passíveis de elucidação ou compreensão. Não obstante, acrescentaria o nosso racionalista, na medida em que o homem é capaz de adquirir conhecimento, necessariamente terá que contar com a razão.

Extraído de: 

MISES, Ludwig von. A Ação Humana: Um Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Von Mises Brasil, 2010 (Capítulo 3 – "A Economia e a Revolta Contra a Razão", itens 1 a 6).

Ação Humana: Uma Primeira Análise da Categoria Ação

1. Meios e fins. Fim é o objetivo, o resultado que se pretende alcançar com uma ação. Meio é aquilo que utilizamos para atingir tal objetivo. Inicialmente, não há os meios; só existem coisas. E a coisa só se torna meio quando a mente humana percebe a possibilidade de empregá-la para atingir um determinado fim. Os meios são sempre escassos, isto é, insuficientes para alcançar os fins desejados. Se não fosse assim, seria desnecessária qualquer ação humana para obtê-los. Se não houvesse a insuficiência de meios, não haveria necessidade de ação.

2. A escala de valores. O agente homem sempre escolhe entre várias oportunidades que lhe são oferecidas. Prefere uma alternativa e rejeita outras. Valor é a importância que o ser humano atribui aos fins pretendidos. "Os meios são valorados de forma derivativa, segundo sua utilidade e contribuição para alcançar o objetivo final. Sua valoração deriva do valor atribuído ao respectivo objetivo. Só têm importância na medida em que tornam possível atingir algum objetivo, algum fim. Valor não é algo intrínseco à natureza das coisas. Só existe em nós; é a maneira pela qual o homem reage às condições de seu meio ambiente".

3. A escala de necessidades. A fisiologia aplicada, ao tentar determinar quais meios são mais indicados para prover a maior satisfação possível, distingue entre as necessidades “reais” e os apetites espúrios do homem. O que interessa à praxeologia e à economia é o que um homem faz e não o que devia fazer. A medicina pode estar certa ou errada ao qualificar o álcool e a nicotina como venenos. Mas a economia tem que explicar os preços do tabaco e da bebida tais como são e não como seriam em outras condições. A economia lida com o homem real, frágil, e não como seres ideais, oniscientes e perfeitos como só os deuses poderiam ser.

4. A ação como troca. Ação é substituir algo menos valioso por algo mais valioso. Isso pode ser chamado de troca, ou seja, uma condição menos desejável é trocada por outra mais desejada. "Aquilo que se abandona, chamamos de preço pago para atingir o objetivo desejado. Ao valor do preço pago, chamamos de custo. O custo é igual ao valor atribuído à satisfação de que nos privamos, a fim de obter o objetivo pretendido".

Extraído de: 

MISES, Ludwig von. A Ação Humana: Um Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Von Mises Brasil, 2010 (Capítulo 4 – "Uma Primeira Análise da Categoria Ação", itens 1 a 4).

Ação Humana: O Tempo

1. O tempo como um fator praxeológico. Num universo rígido, eternamente imutável, não haveria a noção de tempo. Há que se considerar os conceitos de mudança e de tempo, que estão inseparavelmente ligados. Há um tempo antes, durante e depois de uma ação. O pensamento progride de uma situação de menor conhecimento para outra de maior conhecimento. A diferença entre um sistema lógico [atemporal] e o sistema praxeológico reside no fato de a praxeologia ter a mudança como um de seus elementos; as noções de mais cedo ou mais tarde e de causa e efeito fazem parte do sistema.

2. Passado, presente e futuro. A ação proporciona ao ser humano a consciência da passagem do tempo. Toda ação está dirigida ao futuro, pois está sempre planejando em vista de um futuro melhor. Nesse caso, o homem adquire consciência do tempo, quando planeja converter uma situação presente menos satisfatória numa situação futura mais satisfatória. Para os filósofos, é pela reflexão sobre o passado que o ser humano toma consciência do tempo. Entretanto, não é o recordar que proporciona ao homem as categorias mudança e tempo, mas sim o desejo de aprimorar suas condições de vida.

Ludwig von Mises diz: "O tempo que medimos graças a aparelhos mecânicos é sempre passado, e o tempo a que os filósofos se referem pode ser tanto passado como futuro. Neste sentido, o presente é apenas uma linha ideal que separa o passado do futuro. Mas, do ponto de vista praxeológico, existe entre o passado e o futuro um momento presente real. A ação se processa no presente real porque utiliza esse instante e, portanto, encarna sua realidade".

"O presente, enquanto duração, é a continuação das condições e oportunidades oferecidas à ação. Qualquer tipo de ação necessita de condições especiais às quais deve ajustar-se para atingir os objetivos pretendidos. O conceito de presente é, portanto, diferente para os vários tipos de ação. Nada tem a ver com o tempo astronômico ou com os vários métodos de medir a passagem do tempo. O presente, para a praxeologia, compreende todo o tempo passado que ainda tenha atualidade, isto é, que ainda possibilite a ação. O presente se estende, conforme a ação que se tenha em vista, até a Idade Média, até o século XIX, até o ano ou mês passado, até ontem e até o minuto ou fração de segundo que acabou de passar. Quando alguém diz: “hoje em dia já não se adora Zeus”, está referindo-se a um presente distinto daquele que o motorista do carro tem em mente quando pensa: agora ainda é cedo para fazer a curva".

3. A economia de tempo. Para a economia, o tempo é escasso; por isso devemos pensar em sua irreversibilidade. Economizar tempo é algo distinto de economizar bens e serviços. Mesmo o indivíduo que só pensa em fantasias, ele  é obrigado a economizar tempo, a não ser que fosse imortal ou dotado de uma eterna juventude. Há satisfações que são impossíveis de serem desfrutadas ao mesmo tempo. Mesmo para esse homem, o tempo seria escasso e sujeito à circunstância do mais cedo ou do mais tarde.

4. A relação temporal entre ações. Duas ações de um indivíduo nunca são sincrônicas. O sincronismo só é uma noção praxeológica quando se refere à ação conjunta de vários homens. As pessoas não entendem bem o significado do termo "escala de valores". "A escala de valores só se manifesta na ação real; só pode ser percebida a partir da observação da ação real. Portanto, é inadmissível compará-la com a ação real ou usá-la como critério para avaliação das causas das efetivas ações realizadas pelo homem".

Aprendemos que se a é preferido a b e b a c, logicamente a deveria ser preferido a c. Mas se c é preferido a a, estamos diante de um modo de agir ao qual não podemos atribuir consistência e racionalidade. Aqui, "não devemos confundir o conceito lógico de coerência (isto é, ausência de contradição) com o conceito praxeológico de coerência (isto é, constância ou fidelidade aos mesmos princípios). A coerência lógica só tem lugar no pensamento e a constância só tem lugar na ação".

Extraído de: 

MISES, Ludwig von. A Ação Humana: Um Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Von Mises Brasil, 2010 (Capítulo 5 – "O Tempo", itens 1 a 4).

Ação Humana: A Incerteza

1. Incerteza e ação. A incerteza do futuro está implícita na própria noção de ação. Há filósofos que defendem que o acaso não existe. Podem ou não ter razão, mas no que diz ao homem a ação é algo inevitável. As ciências naturais não podem prever o futuro; quando muito os resultados de algumas ações. Podemos prever a construção de uma determinada máquina; mas não podemos prever como os consumidores irão reagir aos produtos por ela colocados no mercado. Os problemas relativos à verdade e à certeza são do interesse de uma teoria geral do conhecimento humano. O problema da probabilidade, por outro lado, interessa principalmente à praxeologia.2. O significado da probabilidade. Os matemáticos têm provocado confusão em torno do estudo da probabilidade. A história de todos os ramos do conhecimento registra exemplos de má aplicação do cálculo de probabilidades, tornando-o, como observara John Stuart Mill, “o verdadeiro opróbrio da matemática”. "Existem dois tipos de probabilidades. Podemos chamá-los de probabilidade de classe (ou probabilidade de frequência) e probabilidade de caso (relativa às ciências da ação humana). O campo de aplicação da primeira é o das ciências naturais, regido inteiramente pela causalidade; o campo de aplicação da segunda é o das ciências da ação humana, regido inteiramente pela teleologia".

3. Probabilidade de classe. Sabemos tudo sobre o comportamento de uma classe de eventos; quanto ao elementos da classe, sabemos apenas que é um elemento dessa classe. É o caso do sorteio de bilhetes da loteria. Há tantos bilhetes, mas a respeito dos que serão sorteados, sabemos apenas que fazem parte dessa classe. 

4. Probabilidade de caso. Conhecemos alguns dos fatores que determinam o resultado de um evento; mas existem outros fatores que também podem influenciar o resultado e sobre os quais nada sabemos. Frequentemente queremos prever um evento futuro com base em nosso comportamento de classe. Um médico pode prever a cura de um paciente com base numa probabilidade de cura. Não são previsões sobre o resultado de casos futuros, mas informações sobre a frequência dos possíveis resultados. São baseadas ou em informações estatísticas ou simplesmente numa estimativa aproximada e empírica.

Extraído de: 

MISES, Ludwig von. A Ação Humana: Um Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Von Mises Brasil, 2010 (Capítulo 6 – "A Incerteza", itens 1 a 4).

Ação Humana: A Lei da Utilidade Marginal

Na ordenação de uma ação, o indivíduo conhece apenas os números ordinais e não os cardinais. Na valoração das coisas, o ser humano tenta diminuir o seu desconforto. Para isso, ordena todas as coisas em uma única escala, a da sua própria satisfação. Dá valor distinto à alimentação e à obra de arte. Quer dizer, faz escolha entre essas alternativas presentes. Depois disso, tem que entrar em contato com a realidade dos fatos, os números.

Suponhamos que um homem possua cinco unidades do bem a e três unidades do bem b, e que atribua às unidades de a as seguintes posições na hierarquia de satisfação: 1, 2, 4, 7 e 8; e às unidades de b, as posições 3, 5 e 6. Isto significa: se tiver que escolher entre duas unidades de a e duas unidades de b, preferirá perder duas unidades de a a duas unidades de b. Nessa sua valoração, o que importa é a utilidade do conjunto como um todo – isto é, o incremento de bem estar que dele depende ou, o que é o mesmo, a redução de bem estar que sua perda provocaria.

Neste contexto, "utilidade significa simplesmente: relação causal para a redução de algum desconforto. O agente homem supõe que os serviços que um determinado bem podem produzir irão aumentar o seu bem-estar e a isto denomina utilidade do bem em questão. Para a praxeologia, o termo utilidade é equivalente à importância atribuída a alguma coisa em razão de sua suposta capacidade de reduzir o desconforto. A noção praxeológica de utilidade (valor de uso subjetivo segundo a terminologia dos primeiros economistas da Escola Austríaca) deve ser claramente diferenciada da noção tecnológica de utilidade (valor de uso objetivo, segundo a terminologia dos mesmos economistas)". 

"A lei de utilidade marginal já está implícita na categoria ação. É simplesmente o reverso da afirmativa que diz preferirmos o que nos dá mais satisfação ao que nos dá menos satisfação. Se a quantidade disponível aumenta de n-1 para n unidades, este incremento só pode ser usado para atender a uma necessidade que é menos urgente ou menos penosa do que todas aquelas que pudessem ser atendidas por meio da quantidade n-1".

"A lei de utilidade marginal não se refere a valor de uso objetivo, mas a valor de uso subjetivo. Não lida com a capacidade física ou química que as coisas têm para produzir um determinado efeito, mas com a sua relevância para o bem-estar de um homem como ele o entende em cada momento e em cada situação. Não lida com o valor das coisas, mas com o valor dos serviços que um homem espera delas obter".

Extraído de: 

MISES, Ludwig von. A Ação Humana: Um Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Von Mises Brasil, 2010 (Capítulo 7 – "Ação No Mundo", item 1 "A Lei da Utilidade Marginal").

Ação Humana: A Sociedade Humana

1. Cooperação Humana. A sociedade é um complexo de relações mútuas, consequência do comportamento propositado e consciente dos indivíduos que a compõem. A colaboração entre os seus membros substitui a existência isolada. Inclui a divisão de trabalho e combinação de esforços. O animal que age torna-se animal social, como bem explicitou Aristóteles na Antiguidade. "A sociedade em si não existe, a não ser através das ações dos indivíduos. É uma ilusão imaginá-la fora do âmbito das ações individuais. Falar de uma existência autônoma e independente da sociedade, de sua vida, sua alma e suas ações, é uma metáfora que pode facilmente conduzir a erros grosseiros".

2. Uma crítica da visão holística e metafísica da sociedade. Para as doutrinas do universalismo, do realismo conceitual, do holismo e do coletivismo, a sociedade é uma entidade que vive a sua própria vida, independente e separada das vidas dos indivíduos. Havendo antagonismo entre os objetivos da sociedade e os objetivos dos indivíduos, torna-se necessário controlar o egoísmo dos indivíduos e obrigá-los a sacrificar seus desígnios egoístas em benefício da sociedade. A teoria científica elaborada pela filosofia social do racionalismo e do liberalismo do século XVIII e pela moderna economia não recorre a nenhuma interferência miraculosa de poderes sobre-humanos. O indivíduo, ao buscar a satisfação de seus interesses próprios, beneficia todo o grupo social. 

A praxeologia e o liberalismo. O liberalismo não é uma teoria, mas a aplicação das teorias desenvolvidas pela praxeologia, e especialmente pela economia, aos problemas suscitados pela ação humana na sociedade. "Como doutrina política, o liberalismo não é neutro em relação a valores e fins últimos que se pretendem alcançar pela ação. Pressupõe que todos, ou pelo menos a maioria das pessoas, desejem atingir certos objetivos, e lhes informa sobre os meios adequados para a realização de seus planos. Os defensores das doutrinas liberais sabem perfeitamente que os seus ensinamentos só têm validade para as pessoas que estejam comprometidas com essa escolha de valores".

Liberalismo e religião. O liberalismo não tem nada a ver com sentimentos, com credos intuitivos para os quais não se possam apresentar provas logicamente suficientes, com experiências místicas, nem com percepções pessoais de fenômenos sobre-humanos. "O liberalismo é racionalista. Sustenta que é possível convencer a imensa maioria de que os seus próprios interesses, corretamente entendidos, serão mais bem atendidos pela cooperação pacífica no quadro da sociedade do que pela luta intestina e pela desintegração social. Tem plena confiança na razão humana. Pode ser que esse otimismo seja infundado e que os liberais estejam errados. Se for assim, o futuro da humanidade é desesperador".

Extraído de: 

MISES, Ludwig von. A Ação Humana: Um Tratado de Economia. São Paulo: Instituto Von Mises Brasil, 2010 (Capítulo 8 – "A Sociedade Humana", itens 1 e 2).