O Livro da Política (Notas do Livro) 

Introdução

Se todos pudessem ter o que quisessem na hora em que quisessem, não haveria aquilo que chamamos de política.

Em vez disso, há concorrência, embates, fazemos concessões e, às vezes, temos de lutar pelas coisas.

Assim, desenvolvemos uma linguagem para explicar e justificar nossas demandas e para desafiar, contradizer ou satisfazer as dos outros. Essa pode ser uma linguagem de interesses, tanto de indivíduos quanto de grupos, ou pode ser a linguagem de valores, tais como direitos e liberdades ou divisão igualitária e justiça.

Mas no cerne da atividade politica, desde o seu começo, está o desenvolvimento de ideias e conceitos. Essas ideias nos ajudam a estabelecer o que queremos e a defender os nossos interesses.

Aristóteles achava que não se deveria permitir a todos os seres humanos a participação na atividade política: no seu sistema, as mulheres, os escravos e os estrangeiros estavam excluídos do direito de governarem a si mesmos e aos outros.

"A sociedade política existe com a finalidade das nobres ações, não por mero companheirismo." (Aristóteles)

"Deixe os tolos discutirem a forma de governo. O mais bem administrado, seja qual for, é o melhor." (Alexander Pope)

Para os moralistas, a política deveria ser direcionada à conquista de objetivos relevantes, ou que os arranjos políticos deveriam ser organizados para proteger certas questões. Dentre elas, estão valores políticos tais como justiça, igualdade, liberdade, felicidade, fraternidade ou autodeterminação nacional. No extremo, o radicalismo moral chega às utopias.

Outra tradição relevante de pensadores, ditos realistas, rejeita a ideia de que a política existe para oferecer valores éticos e morais, tais como felicidade ou liberdade. Em vez disso, eles argumentam que a política tem a ver com o poder, que é o meio pelo qual os fins são alcançados, os inimigos, derrotados, e as concessões, mantidas. Sem a habilidade de alcançar e exercer o poder, os valores — a despeito de quão nobres possam ser — são inúteis. Exemplo: Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes.

Ao lado dos moralistas e dos realistas, há as ideias sobre política tais como as do filósofo chinês Confúcio, que estão associadas às habilidades e virtudes de um conselheiro sábio

Outro tipo de pensamento político é, com frequência, descrito como ideológico.

"Os filósofos têm apenas interpretado o mundo... a questão, porém,  é transformá-lo." (Karl Marx)

Hegel e Marx são os pioneiros do pensamento ideológico.

De acordo com Hegel, as ideias políticas são uma abstração da vida de uma sociedade, Estado, cultura ou movimento político. Para que essas ideias façam sentido, bem como as instituições e os movimentos que elas implicam, é preciso examinar sua história e seu desenvolvimento. Tal história é sempre um relato do como chegamos ao ponto em que estamos hoje. O que não podemos fazer é olhar adiante e ver qual o rumo da história.

"Política é uma coisa muito séria para ser deixada para os políticos." (Charles de Gaulle)


Pensamento Político Antigo (800 a.C.-30)

Pode-se dizer que a teoria política se iniciou nas civilizações da China e Grécia antigas. Em ambos os lugares, surgiram pensadores que questionaram e analisaram o mundo ao seu redor de uma forma que hoje chamamos de filosofia. Desde cerca de 600 a.C., alguns deles atentaram para o modo como organizamos as sociedades. No começo, tanto na China quanto na Grécia, essas questões eram consideradas parte da filosofia moral ou ética. Os filósofos examinaram como a sociedade deveria ser estruturada para garantir não apenas a felicidade e a segurança das pessoas, mas para capacitá-las a uma "vida digna".

O filósofo mais influente dessa época foi Confúcio, que combinou moral e filosofia política em suas propostas para a manutenção dos valores morais chineses num estado liderado por um governante virtuoso, aconselhado por uma classe de administradores.  

Simultânea ao desenvolvimento na China, a civilização grega florescia. Assim como na China, a Grécia não era uma única nação, mas várias cidades-estado separadas sob diversos sistemas de governo. A maioria era governada por um monarca ou uma aristocracia, mas Atenas estabeleceu uma forma de democracia sob uma constituição apresentada pelo estadista Sólon em 594 a.C. A cidade se tornou o centro cultural da Grécia e proporcionava um espaço intelectual no qual filósofos podiam refletir sobre qual seria o Estado ideal, qual seria o seu propósito e como ele deveria ser governado. Lá, Platão defendia um governo administrado por uma elite de "reis-filósofos", enquanto seu pupilo Aristóteles comparou as várias formas possíveis de governo. Suas teorias formaram a base da filosofia política ocidental. 

Enquanto isso, outra potência surgia na Europa. A República romana havia sido fundada em torno de 510 a.C. com a derrota de uma monarquia tirânica. Uma forma de democracia representativa similar ao modelo ateniense foi estabelecida. Aos poucos, criou-se uma constituição, segundo a qual o governo seria liderado por dois cônsules eleitos anualmente pelos cidadãos, com um senado de representantes para assessorá-los. Sob esse regime, a República cresceu em força, ocupando províncias na maior parte da Europa continental. No entanto, no século I a.C., conflitos civis se espalharam pela República e por causa das diversas facções que lutavam pelo poder, Júlio César assumiu o controle em 48 a.C. e se tornou imperador de fato, pondo fim à República. Roma, mais uma vez, caiu sob um governo dinástico e monárquico, e o Império Romano dominaria a maior parte da Europa pelos quinhentos anos seguintes. 

Se Desejares o Bem, o Povo será Bom [Confúcio (551-479 a.C.)]

Kong Fuzi ("Mestre Kong"), que mais tarde ficou conhecido no Ocidente pelo nome latino de Confúcio. 

Confúcio acreditava que um soberano sábio e justo tinha um efeito benigno sobre o caráter dos seus súditos. O governante dá um exemplo aos seus súditos. Suas políticas e ideias se espalham por meio dos seus ministros... e seu povo começa a copiar a sua bondade.

Esquema Gráfico

"Um bom governo consiste no governante ser governante, o ministro ser ministro, o pai ser pai, e o filho ser filho." (Confúcio)

"O que você sabe sabe; o que você não sabe não sabe. Essa é a verdadeira sabedoria." (Confúcio)

A Arte da Guerra é de Vital Importância para o Estado [Sun Tzu (c. 544-c. 496 a.C.)]

Esquema Gráfico

"Se conheces os demais e conheces a ti mesmo, nem em cem batalhas correrás perigo." (Sun Tzu)

"Um líder lidera pelo exemplo, não pela força." (Sun Tzu)

Os Planos para o País só São Compartilhados com os Instruídos  [Mozi (c.470-c.391 a.C.)]

Esquema Gráfico

"A exaltação do virtuoso é a base do governo." (Mozi)

Para Mozi, os trabalhadores habilidosos, como os carpinteiros, podiam — com treino e aptidão — tornar-se administradores do governo.

Até que os Filósofos Sejam Reis, as Cidades jamais Estarão a Salvo dos seus Males [Platão (427-347 a.C.)]

Platão usa a metáfora do navio do Estado para explicar porque os filósofos deveriam ser reis. Apesar de não querer o poder, o navegador é o único capaz de conduzir ao reino adequado — assim como o filósofo é o único com o conhecimento para governar de maneira justa.

Esquema Gráfico

O dono do navio, que representa a população em geral, não sabe navegar. Os marinheiros, que representam os políticos, competem entre si pelos favores do dono do navio. O navegador, que representa o filósofo, não está envolvido na disputa por poder.

"E o maior castigo consiste em ser governado por alguém ainda pior do que nós, quando não queremos ser nós a governar." (Platão)

A eudaimonia, a "vida digna", era uma meta vital para os gregos. "Viver bem" não era uma questão de alcançar o bem-estar material, honra ou o mero prazer, mas viver de acordo com virtudes fundamentais, tais como sabedoria, piedade e, acima de tudo, justiça. O propósito do Estado, acreditava Platão, era promover essas virtudes de modo que seus cidadãos pudessem levar essa vida digna.

Um Homem é por Natureza um Animal Político [Aristóteles (384-322 a.C.)]

Esquema Gráfico

"A lei é ordem, e uma boa lei é uma boa ordem." (Aristóteles)

"A base de um Estado democrático é a liberdade." (Aristóteles)

As seis espécies de governo definidas por Aristóteles

Esquema Gráfico

Quando a participação ocorre dentro de uma forma de governo "boa" (monarquia, aristocracia ou politeia), ela amplia a possibilidade do cidadão ter uma vida virtuosa. Sob um ato "falho" (tirania, oligarquia ou democracia), os cidadãos se envolvem com uma busca, em interesse próprio, do governante ou da classe dominante — a busca do tirano pelo poder, a sede da oligarquia pela riqueza, ou a busca dos democratas pela liberdade. De todos os possíveis regimes, Aristóteles conclui, a politeia provê a melhor oportunidade para levar a vida digna. Apesar de Aristóteles categorizar a democracia como uma forma de regime "falha", ele argumentou que ela só perdia para a politeia, sendo melhor que a "boa" aristocracia ou monarquia. Enquanto o cidadão individual talvez não tenha a sabedoria e a virtude de um bom governante, coletivamente "os muitos" talvez provêm ser melhores governantes que "o único".

Uma Roda Sozinha não se Move [Kautilya (c.350-c.275 a.C.)]

Um governante é uma única roda e não é capaz de guiar bem um Estado. Seus conselheiros formam uma segunda roda que ajuda a manter o Estado em movimento.

Esquema Gráfico

Na analogia de Kautilya, o Estado é como uma carruagem, sendo o soberano uma das rodas e seus ministros, a outra. Para se mover e ser guiada na direção certa, a carruagem precisa de duas rodas.

Cícero (106-43 a.C.)

A República Romana foi fundada por volta de 510 a.C. de modo similar às cidades-estado gregas. Com pequenas mudanças, funcionou por quase quinhentos anos. Esse sistema de governo combinava elementos de três diferentes regimes — a monarquia (sobretudo pelos cônsules), a aristocracia (o senado) e a democracia (a assembleia popular) —, cada um com distintas áreas de poder que se equilibravam entre si.

O político romano Cícero era um árduo defensor do sistema, em especial quando foi ameaçado pelos poderes ditatoriais concedidos a Júlio César. Ele advertiu que um rompimento da República provocaria a volta de um ciclo destrutivo de governos. Dizia que, de uma monarquia, o poder poderia ser passado a um tirano, de um tirano, seria tomado pela aristocracia ou pelo povo; e, do povo, seria conquistado pelos oligarcas ou tiranos. Achava que, sem os controles e equilíbrios de uma constituição mista, o governo seria "jogado de um lado para o outro, como uma bola". Fiel às previsões de Cícero, Roma passou a ser controlada por um imperador, Augusto, logo após a morte de César, e o poder foi passado dele para uma sucessão de governantes tirânicos.

"O governo é jogado de um lado para o outro, como uma bola." (Cícero)

O estandarte romano trazia a legenda SPQR (o senado e o povo de Roma) celebrando as principais instituições da constituição mista. (Ver figura)


KELLY, Paul... [et al]. O Livro da Política, Paul Kelly. Tradução Rafael Longo. São Paulo: Editora Globo, 2013.