Princípios de Política Econômica (Notas do Livro)

Prefácio

Princípios é uma palavra muito empregada; eu não poderia, contudo, ter escrito este livro se não acreditasse que há princípios estáveis de Política Econômica, cuja compreensão habilita o político e o público a formar juízos mais prudentes sobre tais assuntos. 


Capítulo 1 — Que é Política Econômica? 

Definição de política. A palavra "Política" refere-se, geralmente, aos princípios que governam a ação dirigida para determinados fins. Qualquer estudo de política deveria, portanto, relacionar-se com três fatos — o que desejamos (os fins), como consegui-lo (os meios), e quem somos "nós", ou seja, qual a natureza da organização ou grupo interessado. 

A ciência se preocupa mais com os meios do que com os fins. 

Identidades econômicas: o "teorema da banheira". O "teorema da banheira" é o seguinte: a adição total ao estoque de qualquer artigo, num dado período, deve ser igual ao número de artigos produzidos (criados), menos o número de artigos consumidos (destruídos). O estoque de qualquer artigo pode ser comparado à água de uma banheira. A produção é como a água que corre da torneira adicionando-se ao estoque total. O consumo é como a água que escorre pelo escoadouro, subtraindo-se do estoque total. Se a produção excede o consumo, o excesso deve ser igual à taxa de acúmulo. Se o consumo excede a produção, o excesso dever ser igual à taxa de desacúmulo, ou acumulação negativa. 

Identidades monetárias. O estoque total de dinheiro deve ser igual à soma dos valores monetários em todas as contas particulares. Outra identidade: a quantia total  do dinheiro pago por qualquer coisa é igual ao valor do que foi comprado, que, por sua vez, é igual ao preço multiplicado quantidade comprada. 

Identidades básicas definem os limites da possibilidade. Entre outras, a renda média per capita não pode exceder a renda total dividida pelo total da população. Se aumenta a renda de um segmento da sociedade, então, ou a renda nacional deve ser elevada, ou a renda de outros setores deve ser diminuída. O lugar-comum, em verdade, é proposição tão óbvia que a maior parte das pessoas se esquece de que ele é verdadeiro. 

O "optimum de Pareto". Pareto e Hicks tentaram definir um grupo de condições que faça alguém melhor, mas ninguém pior, é desejável. 

Política como resultado de processos políticos. Os economistas têm certa tendência arrogante de estruturar políticas sem considerar sua exequibilidade política, e depois denunciar o processo político com as zombarias convenientes porque não produziu aquilo que consideram desejável. 

A extensão do "nós".  Os esforços de cada nação por elevar ao máximo o bem-estar de seus cidadãos, sem levar em conta o bem-estar dos grupos externos, podem resultar, finalmente, na mendicância de todos, assim como o esforço de cada nação por prover sua própria segurança pode resultar na insegurança de todos. 

Política como distorção ecológica. "Política" é a distorção deliberada do eco-sistema em favor de objetivos do político. 


Capítulo 2 — Progresso Econômico

Definição de "objetivo". "Objetivo", em Política Econômica, é uma das variáveis descritivas do sistema econômico, que seja "expressiva", no sentido de que sendo maior ou menor o seu volume, sente-se que torna o sistema melhor ou pior. 

Significado de progresso econômico. Não é muito fácil defini-lo e muito mais difícil medi-lo. Compare uma sociedade selvagem com a nossa. Na sociedades selvagem mantêm-se, de geração em geração, os mesmos costumes, as mesmas técnicas, os mesmos modos de fazer tudo, desde a aradura da terra até as preces. Na moderna sociedade civilizada, por outro lado, há mudanças e fluxos constantes; estamos a cada momento melhorando os métodos de nossos antecessores. "Fora de moda". 

O progresso econômico consiste em aperfeiçoar os meios, e não se preocupa com os fins.  Sempre que deixamos um velho método de fazer alguma coisa para aceitar um novo que provou seu valor, então, sem dúvida, o progresso econômico está-se realizando. Progresso econômico significa, portanto, a descoberta e aplicação de melhores meios de fazer as coisas para satisfação de nossas necessidades. Como o progresso econômico não se preocupa com os fins, há muitos fatos aí para provar que muitas pessoas se prejudicaram por um repentino aumento da riqueza; tais necessidades eram de caráter tão indesejável que enquanto não havia poder de satisfazê-las, tudo ia muito bem, mas logo que sua satisfação foi alcançada, seguiu-se a licenciosidade, a devassidão, a ruína.  

O progresso econômico é importante porque nossos meios são limitados. Se o progresso econômico significa, então, aumento na eficiência do uso dos meios para satisfazer nossas necessidades, devemos saber quais são esses meios, e por que são limitados. O fato de serem limitados os nossos meios é que torna o progresso econômico expressivo — evidentemente, se tivéssemos a nosso dispor meios ilimitados, a eficiência de seu uso seria destituída de importância, visto como poderíamos satisfazer plenamente as nossas necessidades, não importa quão ineficientemente fossem empregados os recursos. Por mais que queiramos fazer, temos apenas 24 horas por dia. 

A medição do progresso econômico. A medição do progresso econômico é matéria difícil, devido à dificuldade de medir satisfação-de-necessidades. Tratando-se de períodos relativamente curtos, poder-se-ia obter uma medida justa pelo índice de produção de utilidades por homem-hora. Todavia, quando as comparações têm de ser feitas sobre décadas ou séculos, o fato de a forma física de produção alterar-se torna quase impossível obter medida quantitativa de progresso econômico. 

Origens religiosas do "espírito de empresa". O impulso para o progresso numa sociedade vem do espírito de curiosidade, invenção e inovação. A menos que haja desejo de alterar e melhorar, um prurido por experimentar, boa vontade para assumir riscos — em outras palavras, espírito de empresa, o progresso econômico não se realizará, não importa quão favoráveis sejam as demais condições. 

Dissipação dos frutos do progresso. Os aperfeiçoamentos podem ser dissipados: 1) no luxo; 2) na guerra; 3) no aumento da população. 


Capítulo 3 — Estabilidade Econômica

O interesse pela estabilidade. Evitar depressão econômica e inflações de magnitude astronômica. 

Que é que desejamos estabilizar? Examinemos, primeiramente, o que é que flutua, e o que desejamos estabilizar. Estabilização não implica estagnação. 

O Teorema da Banheira. A identidade "Teorema da Banheira" é necessariamente verdadeira: 

Acumulação = Produção - Consumo 

Se ao estoque foram adicionadas 100 unidades de alguma coisa e subtraídas 90 unidades, deve ter havido um acréscimo líquido de 10 unidades no estoque, naquele período. 

O princípio da banheira transbordante. O "Teorema da Banheira" provê várias soluções para o problema da instabilidade econômica. O primeiro é o que se podia chamar de "princípio da banheira transbordante". Numa sociedade que progride normalmente devemos esperar que o estoque total cresça. Suponhamos, contudo, que ele cresça mais depressa do que a sociedade pode e quer "consumir". A dificuldade pode assumir duas formas

Primeira, pode haver um declínio nos preços

Segunda, um corte na produção e o consequente declínio de emprego. 


Capítulo 4 — Justiça Econômica

Justiça como descontentamento político. O senso de injustiça é o sentimento de que algo está errado, não meramente com referência à nossa condição pessoal, mas com o mundo em geral. É este senso de algo que precisa de correção no mundo em geral  que torna o sentimento de injustiça tão importante para a ação política.

“Descontentamento” como divergência entre “real” e “ideal”. “Descontentamento” é uma diferença notada entre um imaginado estado de coisas ideal e uma realidade percebida. A fonte do descontentamento, portanto, se acha na natureza da imagem do ideal, de um lado, e da percepção do real, de outro.

Ideais antagônicos de distribuição: “mérito” versus “necessidade”. Consideremos, por exemplo, dois ideais antagônicos de distribuição, e todavia plausíveis. Um, que recua a antiga noção de justiça como situação em que cada um recebe segundo merece, pode ser chamado padrão de mérito. O outro, que recua a outra antiga noção de justiça como situação em que cada um recebe o de que necessita, pode ser chamado padrão de necessidade.

As rendas deveriam ser iguais somente se todos os homens fossem semelhantes. A conclusão de que as rendas deveriam ser iguais, portanto, segue-se do princípio da igualdade da utilidade marginal de renda somente mediante o pressuposto de que todos os homens são semelhantes, ao menos em face de suas curvas de utilidade de renda.

Sociedades ricas podem dar-se o luxo de ser igualitárias. Se uma sociedade pobre deve, de qualquer modo, realizar algo, ela precisa desenvolver um alto grau de desigualdade — o pequeno superávit econômico deve concentrar-se em poucas mãos se quaisquer realizações de alto nível devem ser feitas. Assim, todas as antigas civilizações descansaram em alto grau de desigualdade; as realizações do Egito, da Babilônia, da Grécia e de Roma repousaram sobre a escravidão, que é, talvez, a condição mais desigual possível. No entanto, uma sociedade igualitária nunca poderia ter produzido arte e arquitetura, filosofia e ciência, dispondo de técnicas e recursos limitados de que dispunham aquelas antigas civilizações. Foi somente com o aparecimento da ciência e da tecnologia modernas que percebemos a possibilidade duma sociedade que é ao mesmo tempo igualitária e rica em altas realizações.


Capítulo 5 — Liberdade Econômica

Ambiguidade do termo “liberdade”. Liberdade é uma palavra combativa. Ela desperta emoções e desejos profundos e, evidentemente, evoca algo muito precioso no coração humano. Significa muitas coisas diferentes para diferentes pessoas. O fato de um termo ser vago não implica que ele não tenha sentido — de fato, a dificuldade que existe numa palavra como liberdade é que ela tem significado demais e não de menos.

Liberdade como um aspecto do poder: a “fronteira da possibilidade”. Para o indivíduo, liberdade é simplesmente um aspecto do seu poder, e seu poder se mede pela área dentro da qual pode escolher. O poder, em outras palavras, se mede por todas as coisas que poderia fazer se quisesse. Em termos de espaço e tempo, por exemplo, eu podia perguntar-me onde eu poderia estar amanhã a estas mesmas horas. Poderia traçar uma “fronteira de possibilidade”: dentro dela  sou livre para escolher onde queira estar.

A fronteira da possibilidade se define — e a liberdade se circunscreve — por muitas circunstâncias diferentes.

Limitações físicas. Há, primeiramente, a limitação física. Não posso chegar à Austrália dentro das próximas 24 horas simplesmente porque os aviões não voam à velocidade suficiente para me levarem lá. Doença.

Outras limitações. Além da fronteira física, há as fronteiras psicológicas, sociais, legais e econômicas. Passaporte caducou. Um norte-americano não poderia legalmente visitar certos países porque o Departamento de Estado não permitiria tal viagem. Se eu tiver medo mórbido de voar pode não ser possível psicologicamente chegar a São Francisco amanhã cedo, mesmo que fosse física e legalmente possível.

Limitação econômica. Para a maioria das pessoas, todavia, a mais severa limitação da liberdade é a econômica. Posso estar em condições de ir amanhã a Nova Iorque física, legal, e moralmente, mas ainda posso não estar em condições de pagar a passagem. Posso realmente estar com a passagem no bolso e ainda sentir que não posso viajar, por causa de outros problemas de dinheiro.

Capítulo 6 — Meios, Fins e o Conflito de Objetivos

Capítulo 7 — Os Princípios de Ação Aplicados ao Governo

Capítulo 8 — Política Fiscal

Capítulo 9 — Política Monetária e Financeira

Capítulo 10 — Política de Manutenção da Renda

Capítulo 11 — Política Comercial e Economia Internacional

Capítulo 12 — Governo e Negócio Empresarial

Capítulo 13 — Política Agrária

Capítulo 14 — Política Trabalhista

Capítulo 15 — A Economia da Guerra e da Paz

Capítulo 16 — A Perspectiva Mundial: Comunismo e Desenvolvimento

Capítulo 17 — Rumo à Utopia do Além


BOULDING, Kenneth E. Princípios de Política Econômica. São Paulo: Mestre Jou, 1967.