Necessidade

Necessidade

NECESSIDADE (na economia). É quando falta alguma coisa que perturba, pela sua ausência, o equilíbrio orgânico. Para saná-la precisamos retirar do meio ambiente os elementos de que carecemos; portanto eles são necessários. Sua falta põe em perigo corporalmente o homem. A lista das necessidades humanas é imensa, além das corpóreas, há as culturais e algumas com origem na fantasia, além das que se originam na realidade.

Há umas mais exigentes do que outras. Por outro lado também variam de homem para homem, de classe para classe, de povo para povo e de época para época. É o homem obrigado a satisfazer as necessidades, e essa satisfação se torna tanto mais imperiosa quanto mais exigentes elas forem. Podem ser de caráter existencial e de caráter cultural. Para muitos as primeiras são essenciais e as segundas, relativas.  As primeiras são aquelas de cuja satisfação depende a vida humana, como por exemplo: o aplacamento da fome, o vestuário nos climas frios. Se não forem aplacadas, porão em perigo a existência dos indivíduos. Por isso empreende o homem todos os esforços para aplacá-las, enfrentando os obstáculos que se lhe anteponham. As segundas são aquelas cuja satisfação é exigida pela cultura ou pela civilização à qual pertençam. A não satisfação não põe a vida em perigo, mas a desvaloriza em face de certas camadas sociais, que delas não sofrem tão agudamente. Também se subdivide as necessidades culturais em sociais, quando reclamadas pela coletividade ou por ela impostas, e singulares ou pessoais quando representam gostos e inclinações do indivíduo. No primeiro caso, temos a de andar vestido; e no segundo, o de nos vestirmos mais apuradamente. Elas podem ser presentes e futuras, isto é, dadas imediatamente ou dar-se-ão no decorrer do tempo. Podem também ser permanentes, periódicas ou esporádicas, como também podem ser universais, quando comum a todos os homens, ou particulares, quando limitadas a um certo número de pessoas.

Análise — Procederemos à análise abstrata dos elementos da economia para depois caracterizá-los sociologicamente. Para satisfazer necessidade s, o homem transforma e troca bens e serviços aplicando-lhes trabalho. Exemplifiquemos: temos necessidade de comer e uma série de fenômenos fisiológicos, que em nós se processam num conjunto de sensações desagradáveis, leva-nos à satisfazer essa necessidade por intermédio de alimento. Temos abstratamente considerado: 1) conjunto de sensações desagradáveis; 2) conhecimento de um meio para fazê-las cessar; 3) impulso ao ato que nos leva a aplicar bens capazes de satisfazer a necessidade.

Pantaleoni vê na necessidade "o desejo de dispor de um meio próprio para fazer cessar uma sensação desagradável ou penosa ou para preveni-la, ou para conservar uma sensação agradável, ou para provocá-la ou para aumentá-la". Guillot a define como "o sentimento de um estado afetivo doloroso, que podemos substituir por um estado afetivo agradável pelo emprego de um meio do qual acreditamos poder servir-nos". Para Thaon di Revel: "a consciência que o homem tem da precisão de dever recorrer a um meio determinado, como condição indispensável da existência ou o conhecimento que tem de poder obter por um meio determinado uma melhora de sua condição de vida ou da de outrem, ou a cessação de uma sensação penosa ou da incomodidade para si ou para outrem".

São elementos da necessidade:

1) O ser consciente — Este pode ser o indivíduo físico ou um grupo social. Neste último caso, a necessidade do grupo é apreciada por um indivíduo físico ou mais de um.

2) Conhecimento da existência de um meio — Esse conhecimento nos é dado pela experiência ou pela cultura. Este elemento nos leva a compreender porque certos bens se tornam necessários em dado momento da história.

3) Conhecimento do emprego possível do meio com vantagem para o sujeito econômico  — O sujeito econômico sabe que o bem lhe é necessário para a manutenção da existência ou para melhorar a condição de vida. Quatro suposições fundamentais estão na base da teoria moderna da necessidade.

4) Princípio hedonístico — O homem deseja obter o máximo de prazer com o mínimo de dor. A economia, em sua atividade, quer proceder como um hedonista.

5) Mensurabilidade da necessidade — Os prazeres e as dores são mensuráveis. Mas são intensistas, portanto não são quantitativos. Podemos apenas conhecer graus. Medir só quando reduzimos o intensista ao extensista, o qualitativo ao quantitativo.

 6) Os prazeres e as dores são comensuráveis — Ora ambos são subjetivos, variam portanto de indivíduo para indivíduo. Por outro lado não há uma unidade de sensação que sirva de medida.

7) As necessidades são divisíveis — Cada dose de um alimento de qualidade homogênea consumida pelo sujeito faz desaparecer, proporcionalmente à sua aplicação, uma fração correspondente da necessidade de comer.

O erro inicial é de confundir o lado intensista e o extensista da necessidade. O primeiro varia de indivíduo para indivíduo, de grupo para grupo, etc. No segundo as variações são menores, por isso se costuma chamar de constante. As leis, que muitos economistas procuraram construir, fundadas nas medidas das necessidades e da sua satisfação, têm valor apenas pelos elementos normalmente necessários para a manutenção da vida. Outras necessidades ultrapassam o campo do extensista, do quantitativo.

Multiplicação das necessidades — Observa-se no capitalismo que os novos inventos criam novas necessidades. Há épocas em que elas se multiplicam, enquanto noutras diminuem. Pode o homem suportar essas restrições na satisfação de suas necessidades.

As necessidades são saciáveis — Muitos alegam que tais afirmações não procedem, pois há as não saciáveis, como por exemplo o luxo. Entretanto ele agudiza a necessidade, leva à saciedade e até ao desprazer quando atinge um grau exagerado.

O capitalismo e a necessidade — No regime capitalista há uma multiplicação intensa das necessidade, cujas causas são: o desenvolvimento crescente da técnica, que aumenta em quantidade os bens e os transforma qualitativamente; o desenvolvimento dos meios de comunicação materiais e intelectuais, que são numerosos e poderosos, permitindo que se conheçam novos bens para satisfação de necessidades. O capitalismo é uma economia de forma monetária que funciona sobre a base do mercado. Assim os bens podem ser avaliados numericamente. Um necessidade nascida pode encontrar uma satisfação, porque é acessível apenas às possibilidades monetárias. Ao lado da multiplicação das necessidades temos a multiplicação das satisfações.

Fatos importantes são a dissemelhança das necessidades fisiológicas, que se dá entre os povos do mundo, os operários dos diversos países, ao lado das dissemelhanças dos orçamentos.  Entretanto o que nos revela a história é que, com o decorrer do domínio do capitalismo, houve um aumento de consumo de parte da população humana, a par de um aumento das necessidades que se multiplicaram, não apenas para uma classe, mas para todas as classes.

No regime capitalista a satisfação das necessidades depende da solvabilidade do consumidor que depende das rendas, dos salários, etc. Uma sociedade socialista planificada, que estabelecesse o desaparecimento do mercado e que o trabalhador para satisfazer a sua necessidade adquirisse bens nos armazéns do Estado ou da coletividade e, para tanto usasse de bônus em vez de moeda comum, esse deveria refletir as horas e a qualidade de seu trabalho. Ainda aí teríamos a solvabilidade, pois apenas adquiriria bens na proporção do seu crédito em bônus. É essencial do capitalismo que a satisfação das necessidades decorra da solvabilidade, a qual depende da renda, do salário, o qual tem uma zona máxima e mínima de crescimento ou de diminuição. Há um máximo e um mínimo possível de salário. Na realidade concreta não há salário rigorosamente econômico e natural, ele depende ao mesmo tempo de fenômenos econômicos, jurídicos e sociais. (1)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.