Inflação

Inflação

INFLAÇÃO. Na economia entende-se por inflação o desequilíbrio havido entre a procura solvável e a oferta, manifestada por uma alta de preços, num determinado período. Há assim inflações abertas ou declaradas, como as há contidas ou inibidas. Há hiperinflação quando exagerada e, sobretudo, quando a alta dos preços antecede ao aumento do meio circulante, dos meios de pagamento e compra. Contudo em torno desta matéria não se palmilha terreno pacífico, pois o fluxo inflacionário apresenta modalidades que não mostram uma decorrência tão nítida dos chamados fatores inflacionários. Alguns economistas afirmam que a constante presença do aumento dos meios de pagamento ao lado da inflação nos preços, indica que seja aquela a causa real da segunda, o que é discutível. Outros afirmam que as verdadeiras causas da inflação são realmente os déficits orçamentários, o aumento dos salários sem o correspondente aumento de produção, a especulação econômica, o prefinanciamento de investimentos, etc. Para combate-lo aplicam-se várias providências econômicas e financeiras, que são chamadas de deflacionárias, tais como o aumento da taxa de desconto, a compressão das despesas públicas, majoração das taxas de imposto, deflação do credito, para forçar a venda dos estoques, sempre com o intuito de equilibrar a procura e a oferta. Contudo, tais práticas não têm sido também proveitosas e as experiências feitas têm demonstrado que esse não é o melhor caminho para assegurar o equilíbrio.

Se considerarmos a crise que se estabelece entre a oferta e a procura, a inflação ou a deflação decorrem da falta de equilíbrio entre a produção e o consumo, considerando estes dois extremos segundo seus meios de ação: o primeiro quando obstaculizado em seu desenvolvimento; e o segundo quando possuidor de meios de compra, não encontrando então a suficiente quantidade de mercadorias procuradas. Inegavelmente há uma lei de oferta e uma lei de procura, duas leis e não uma só, porque a oferta atua segundo um invariante, e a procura segundo outro, cuja conjunção cria a invariância que tomou o nome geral de lei da oferta e da procura.  Para haver equilíbrio entre ambas é mister que os meios de compra sejam iguais à mercadoria ofertada. Toda e qualquer variação nesses termos gera variações inflacionárias ou deflacionárias nos preços.

Outro fenômeno econômico importantíssimo, e comum, é a procura cuja estrutura é mais simples que a da oferta, que a ela está correlacionada. Note-se bem: há uma correlação maior entre a oferta à procura do que da procura à oferta. Se há tal distinção, há ainda outras, entre essas duas categorias econômicas, cujo exame nos auxilia a compreender o fenômeno: inflação-deflação.

É lugar comum na economia que os preços dependam da oferta e da procura. Por sua vez diz-se que eles sobem à proporção que há maior procura do que oferta, e descem quando a proporção se inverte. Quando há inflação, dá-se a mesma coisa e, na deflação, o contrário. Neste caso poder-se-ia dizer que a inflação se caracteriza por um aumento da procura em relação à oferta, e a deflação por um aumento desta em relação à primeira. Portanto, poder-se-ia afirmar que o aumento de meios de pagamento em relação aos bens, considerados estáveis, é um fator inflacionário quando aumentar o grau da procura sem o concomitante aumento da oferta, e a diminuição daqueles será deflacionária se aumentar o grau da oferta sem aumento da procura.

Assim sendo, também poder-se-ia dar, como se dá, aumento de preços pelo aumento da oferta, sem que haja inflação de numerário; e a diminuição, sem que haja deflação. Para que uma teoria possa reunir numa concreção só: preços, oferta, procura, meios de pagamento, inflação e deflação, será mister mostrar primeiramente o nexo rigoroso que os liga e o grau de influência que uns exercem sobre outros.

Não é possível, porém, realizar tal sem que se proceda o exame de cada uma dessas categorias econômicas, e se busquem os elementos reais que possuem e os vínculos que os ligam estreitamente aos outros. A procura era considerada na economia política clássica, no início, como estável. Mas os economistas notaram suas relações diretas com a utilidade, sua dependência, o que foi feito por Menger, Jevons e Walras, por volta de 1870, estabelecendo-se assim seu caráter funcional e, consequentemente, variável. Para a maioria dos economistas, a procura é considerada como uma função do preço. Auber-Krier, em face das diversas opiniões, conclui por dar esta definição à procura: "A procura de um bem qualquer é a quantidade desse bem que pode ser escoada a cada preço possível, durante uma unidade de tempo determinada sobre um dado mercado".

São elementos de estrutura da procura: 1) o bem apetecido; 2) sua quantidade existente (extensidade na procura); 3) sua quantidade desejada (intensidade da procura); 4) a relação da intensidade e da extensidade condicionada pelo preço; 5) unidade de tempo; 6) mercado determinado.

Num mercado determinado, numa certa unidade de tempo, um bem apetecido em determinadas quantidades é procurado proporcionadamente ao preço e à quantidade existente. A apetência do bem é proporcionada à utilidade que o mesmo oferece ao agente que o procura. Mas esse agente dispõe de determinados meios de pagamento que ele compara com o preço do bem; ou seja, da onerosidade que lhe custa. Ele adquirirá o bem segundo a proporção da apetência, da utilidade, do preço e da disponibilidade de pagamento. Vê-se logo que a procura possui uma estrutura própria e funciona por leis próprias, imanentes à sua natureza. Há assim uma lei da procura.

Contudo ainda na economia moderna é mantida a teoria de que a procura é função do preço de um bem particular, possível ou eventual, e que de acordo com a oferta (conjuntamente com esta) determina o preço do mercado. Mas para o estudo da procura é mister o exame da quantidade apetecida, procurada num determinado tempo, num dado mercado. É portanto desde já essencial a consideração do tempo determinado e do mercado dado, porque os preços variam no tempo.

Qual será essa unidade de tempo? É a mesma que corresponde à oferta, conjugada à procura. Mas há variações na procura, segundo a utilidade relativa, sem que haja modificações na oferta, como acontece em relação a certos bens procurados em determinada época. Ademais, se a disponibilidade de meios de pagamento é fundamental na procura, não é por tê-los apenas que o agente econômico realiza a operação. Na verdade quem procura um bem, cuja utilidade é apetecida, dá-lhe um preço virtual e ante a oferta feita julgará conveniente ou não adquiri-lo. Portanto, no ato da procura, sempre intervêm vários fatores psicológicos e somáticos, desde o interesse, apetência pela utilidade do bem, até o grau de intensidade dessa apetência em face das disponibilidades dos meios de pagamento, o que exige uma escolha. Assim, num mercado determinado, numa determinada unidade de tempo, um bem apetecido, em determinadas quantidades, é procurado proporcionadamente ao preço em relação à quantidade existente aos meios de pagamento e à intensidade da apetência. Na procura há: o agente; o bem apetecido; decisão da vontade (através de um juízo); quantidade existente; quantidade desejada; unidade de tempo; mercado determinado; intensidade da apetência; meios de pagamento.

A decisão se processa através do aguilhão da apetência (sua intensidade) pelos meios de pagamento em relação ao preço da oferta. Desse modo pode-se tomar a procura também como terminus a quo (ponto de partida); o agente busca o bem apetecido; como via: no mercado, num determinado tempo, apura o preço da oferta; ponto de chegada: realiza-se a operação pela conveniência do preço ao agente ou não se realiza a operação (terminus ad quem). É evidente que a procura só se realiza plenamente ao atingir o ponto de chegada. Ante esses elementos podem os econometristas estabelecer as diversas curvas da procura e da heterogeneidade da intensidade da apetência, segundo a proporcionalidade dos fatores que intervêm em antagonismo, assim como o interesse em face do preço da oferta. Desse modo, as variações da oferta poderão estimular mais a procura ou não. É compreensível que o estudo desta exige o da oferta, porque são termos opostos, que têm o papel principal em relação um ao outro. Eles organizaram diversas fórmulas para matematizar a procura. É verdade que elas não conseguem acompanhar com o rigor desejado o que na realidade se processa, mas já representam um esforço em dar à economia uma precisão que seria saudável. Contudo, o que impede a precisão matemática desejada, deve-se desde logo dizer é a influência do psicossomático na procura quando nos referimos às pessoas humanas e ao consumo pessoal. No entanto, ao tratar-se de empresas, a sua procura de bens (matérias primas, bens reprodutivos, etc.) já obedece a um rigor que é passível de matematização suficiente para dar à economia a solidez desejada.

Assim como há uma lei da procura, há também uma lei da oferta. A oferta é muito mais complexa que a procura. Oferecem-se bens para adquirir outros julgados mais úteis, ou para obter uma renda, ou um poder de compra. Como não dispõe o agente que oferece bens ilimitados, necessita produzi-los para ofertá-los em troca de outros, e como tal terá que considerar o custo de produção e o lucro. E à proporção que se ofereça maior lucro, aumentará a oferta, como a procura tende a aumentar em relação à diminuição dos preços. Se os preços sobem, estimulam eles a oferta e esta estimula a produção. Portanto a oferta consiste na disposição que faz o agente econômico de determinados bens, num determinado tempo, em um mercado dado, com o intuito de trocá-los por outros de que necessita ou com o intuito de obter um lucro. Esta é a lei da oferta.  A procura associa-se à oferta e dessa relação surge o preço. Quem oferta determina um preço ante o mercado; ou seja, oferta com o preço fundado no mercado até então, o qual era proporcionado à procura. Isto se dá onde há mercados organizados. Em face da procura, há avaliação correspondente do preço. A quantidade ofertada e o seu preço correspondem ao escoamento previsto, sem o qual o deverá ser modificado e a produção diminuída.

A publicidade, por exemplo, é um processo da oferta para estimular a procura, a fim de fazer fluir maior soma de bens, cujo escoamento ou manterá a produção ou a estimulará ao aumento. É fácil daí concluir sobre todas as combinações possíveis e os resultados que decorrem dos graus de intensidade e da interatuação dos fatores da oferta e da procura quando ambas se encontram no mercado. É daí que decorre a lei da oferta e da procura, importante lei da economia.

O termo lei na economia não tem o rigor que lhe dá a filosofia, pois naquela significa apenas a fórmula geral estabelecida a posteriori, após as observações feitas pelos economistas. Muitos deles desejam dar às leis dessa disciplina a mesma força das leis da física ou da matemática. A escola histórica alemã investiu contra este rigor das leis econômicas, afirmando a sua relatividade, mas sabemos que as leis da física são também relativas. Tal não se dá, porém, com a matemática, cujas leis são eternas, embora alguns julguem que as conclusões das geometrias não euclidianas neguem este rigor, mas a validez possível das geometrias não euclidianas não implica a negação da validez da euclidiana. Esta, quanto aos fatos corpóreos tri-dimensionais, é absolutamente válida, e nem por isso nega a validez possível da geometria não euclidiana.

A economia política tem adquirido um grau de certeza muito maior do que o verificado anteriormente, mas nem por isso as leis que os homens captam dos fatos econômicos têm o rigor das leis ontológicas, das leis matemáticas e das leis lógicas. Não quer dizer que afirmemos um relativismo perigoso para a economia, mas apenas que, estando esta ciência em formação, é natural que os atuais enunciados possam ser substituídos por outros que ofereçam maior rigor, sem que os anteriores sejam totalmente falsos, mas apenas parcialmente, ou melhor imprecisos.

Após examinarmos a lei da oferta e a lei da procura, pode-se dizer que a terceira lei, a lei da oferta e da procura é aquela classicamente já enunciada, desde que se considere uma certa margem de imprevisto, que decorre dos fatores psicossomáticos, os quais são extra-econômicos sob certo aspecto, mas que atuam no agente e no fato econômico. Conclui-se que o aumento dos meios de pagamento, provocados por aquela, favorecem o aumento da procura e, consequentemente, o preço na oferta, pois esta reage por meio do preço às variações da procura. (1)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.