Sífilis

CONCEITO

A sífilis é uma infecção bacteriana causada pelo Treponema pallidum e transmitida predominantemente por via sexual e vertical. A transmissão vertical acontece com mais frequência durante a gestação, embora também possa ocorrer durante o parto, se houver a presença de lesão ativa. A probabilidade da ocorrência de sífilis congênita é influenciada pelo estágio da sífilis na mãe e pela duração da exposição fetal. Dessa forma, a transmissão é maior (em torno de 70% a 100%) quando a gestante apresenta sífilis primária ou secundária.

COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS À SÍFILIS NA GESTAÇÃO

- Abortamento

- Natimorto

- Parto prematuro

- Morte neonatal

- Manifestações congênitas precoces ou tardias

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E CLASSIFICAÇÃO DA SÍFILIS NA GESTAÇÃO

As manifestações clínicas da sífilis em gestantes são semelhantes às da sífilis adquirida que acomete a população geral. A infecção pela sífilis é dividida em estágios baseados em achados clínicos, que orientam tanto o tratamento como o seguimento.

Manifestações clínicas de acordo com a evolução e estágios da sífilis:

Sífilis recente (menos de 1 ano de evolução)

  • Primária 10-90 dias (média de 21 dias) após o contato: Geralmente se manifesta como um nódulo indolor único no local do contato, que se ulcera rapidamente, formando o cancro duro. Costuma surgir na genitália, mas também pode ocorrer no períneo, ânus, reto, orofaringe, lábios ou mãos. A lesão primária é rica em treponemas.

  • Secundária 6 semanas a 6 meses após o contato: São comuns sinais e sintomas inespecíficos, como febre baixa, mal estar, cefaleia e adinamia. Podem ocorrer erupções cutâneas em forma de máculas (roséola) e/ou pápulas, principalmente no tronco; lesões eritemato- escamosas palmo-plantares; placas eritematosas branco-acinzentadas nas mucosas; lesões pápulo-hipertróficas nas mucosas ou pregas cutâneas (condiloma plano ou condiloma lata); alopecia em clareira e madarose (perda da sobrancelha, em especial do terço distal), febre, mal-estar, cefaleia, adinamia e linfadenopatia generalizada. As lesões secundárias são ricas em treponemas.

  • Latente recente - até um ano da infecção: Nenhum sinal ou sintoma clínico de sífilis é observado, porém observa-se reatividade nos testes treponêmicos e não-treponêmicos. A maioria dos diagnósticos ocorre nesse estágio. Aproximadamente 25% dos indivíduos intercalam lesões de secundarismo com os períodos de latência, durante o primeiro ano da infecção.

Sífilis tardia (mais de 1 ano de evolução)

  • Latente tardia - mais de um ano de infecção: Nenhum sinal ou sintoma clínico de sífilis é observado, porém observa-se reatividade nos testes treponêmicos e não-treponêmicos. A maioria dos diagnósticos ocorre nesse estágio. Aproximadamente 25% dos indivíduos intercalam lesões de secundarismo com os períodos de latência, durante o primeiro ano da infecção.

  • Terciária: Atualmente menos frequente. Ocorre em torno de 15% a 25% das infecções não tratadas, após um período variável de latência, podendo surgir entre 1 e 40 anos depois do início da infecção. É comum o acometimento do sistema nervoso e cardiovascular. Além disso, verifica- se a formação de gomas sifilíticas (tumorações com tendência a liquefação) na pele, mucosas, ossos ou qualquer tecido.


DIAGNÓSTICO

A correlação entre dados clínicos, resultados de testes laboratoriais, histórico de infecções passadas e investigação de exposição recente permitirá a correta avaliação diagnóstica de cada caso e, consequentemente, o tratamento adequado.

Os testes imunológicos são, certamente, os mais utilizados na prática clínica. Dividem-se em treponêmicos e não treponêmicos, conforme o quadro abaixo:

Teste imunológicos

TESTES TREPONÊMICO

  • São os primeiros a se tornarem reagentes e detectam anticorpos específicos produzidos contra os antígenos de T. pallidum;

  • Em 85% dos casos permanecem reagentes por toda a vida, mesmo após a cura;

  • Não devem ser usados para o monitoramento da resposta ao tratamento.

  • A rede laboratorial municipal do Recife dispõe de dois testes treponêmicos, o Teste Rápido (TR) e o CMIA (Ensaio imunológico quimioluminescente magnético).

TESTES NÃO TREPONÊMICOS

  • Detectam anticorpos anticardiolipina não específicos para os antígenos do Treponema pallidum;

  • Permitem a análise qualitativa e quantitativa;

  • São utilizados para o diagnóstico, para o monitoramento da resposta ao tratamento e controle de cura.

  • O teste não treponêmico disponível na rede municipal é o VDRL (do inglês Venereal Disease Research Laboratory).

TESTAGEM NA GESTAÇÃO

  • Preconizada na 1ª consulta de pré-natal, idealmente no 1º trimestre;

  • No início do 3º trimestre (a partir da 28ª semana);

  • No momento do parto ou em caso de aborto;

  • Exposição de risco;

  • Violência sexual.


ATENÇÃO: em todos os casos de gestantes, o tratamento deve ser iniciado com apenas um teste reagente, treponêmico ou não treponêmico, sem aguardar o resultado do segundo teste.


Quando o TR treponêmico for utilizado como o primeiro teste, nos casos reagentes, uma amostra de sangue venoso deverá ser coletada e encaminhada para realização de um teste não treponêmico laboratorial (VDRL) e definição do diagnóstico.

NOTIFICAÇÃO

Mulheres diagnosticadas com sífilis durante o pré-natal, parto ou puerpério devem ser notificadas na ficha de sífilis em gestantes. Casos confirmados de cicatriz sorológica não devem ser notificados. Vide ficha de notificação ao final do capítulo.

TRATAMENTO

O tratamento deve ser realizado de acordo com o estágio clínico da sífilis, porém é fundamental o tratamento das parcerias sexuais da gestante para evitar a reinfecção. A benzilpenicilina benzatina é a única opção segura e eficaz para o tratamento adequado das gestantes. O quadro abaixo apresenta os esquemas terapêuticos utilizados para sífilis, de acordo com a classificação clínica.

A benzilpenicilina benzatina pode ser prescrita por médico(a) ou enfermeiro(a).

Esquema terapêutico para tratamento da sífilis:

Notas:

a) A Benzilpenicilina benzatina é a única opção segura e eficaz para tratamento adequado das gestantes.

b) A regra é que o intervalo entre as doses seja de 7 dias para completar o tratamento. No entanto, caso esse intervalo ultrapasse 14 dias, o esquema deve ser reiniciado (WHO, 2016).


Um aspecto muito importante no tratamento da sífilis na gestante é a abordagem adequada da parceria sexual, que deve ser sempre convocada pelo serviço de saúde para orientação, avaliação clínica, coleta de sorologia e tratamento. Em caso de negativa ou impossibilidade de comparecimento, a receita poderá ser enviada por meio da gestante, na mesma dose, sempre acompanhada de um pedido de comparecimento ao serviço.

Um terço das parcerias sexuais de pessoas com sífilis recente desenvolverão sífilis dentro de 30 dias da exposição. Portanto, além da avaliação clínica e do seguimento laboratorial, se houve exposição à pessoa com sífilis (até 90 dias), recomenda-se oferta de tratamento presuntivo às parcerias sexuais (independentemente do estágio clínico ou sinais e sintomas), com dose única de benzilpenicilina benzatina 2,4 milhões,UI, IM (1,2 milhão de UI em cada glúteo).

Cabe destacar que não é papel das mulheres fazer captação das suas parcerias sexuais e sim da própria equipe de saúde. Os profissionais não devem reforçar o estereótipo de tutela das mulheres em relação às suas parcerias sexuais.

SEGURANÇA E EFICÁCIA DA ADMINISTRAÇÃO DA BENZILPENICILINA BENZATINA

A administração de benzilpenicilina benzatina pode ser feita com segurança na Atenção Básica, tanto para a pessoa com sífilis quanto quanto suas(s) parceria(s) sexual(is), conforme Decisão nº 0094/2015 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), que reforça a importância da administração da benzilpenicilina benzatina pelos profissionais de enfermagem na Atenção Básica e Nota Técnica COFEN/CTLN nº 03/2017, que reafirma esse compromisso de cuidado à saúde.

A possibilidade de reação anafilática à administração de benzilpenicilina benzatina é de 0,002%, segundo levantamento das evidências científicas constante no relatório de recomendação elaborado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS (CONITEC).

Diversos medicamentos normalmente prescritos e utilizados na prática clínica diária (ex.: antiinflamatórios não-esteróides, lidocaína etc.), bem como alimentos (ex.: nozes, frutos do mar, corantes etc.) apresentam maiores riscos de anafilaxia. todavia, não há tanto temor quanto à sua administração ou consumo.


REAÇÃO DE JARISCH-HERXHEIMER

A reação de Jarisch-Herxheimer é um evento que pode ocorrer durante as 24 horas após a

primeira dose de penicilina, em especial nas fases primária ou secundária. Pode ser observada exacerbação de lesões cutâneas com eritema, dor ou prurido, as quais regridem espontaneamente após 12 a 24 horas, sem a necessidade da descontinuidade do tratamento. Tipicamente, vêm acompanhadas de febre, artralgia e mal-estar. Podem ser prescritos analgésicos simples, conforme a necessidade.

Esta reação não configura alergia à penicilina e ocorre em resposta à grande quantidade de proteínas e outras estruturas liberadas na corrente sanguínea pelas espiroquetas mortas com a administração de penicilina.

As gestantes e suas parcerias sexuais em início de tratamento devem ser orientadas quanto à possibilidade de ocorrência da reação de Jarisch-Herxheimer e à benignidade do quadro, que é autolimitado.

MONITORAMENTO PÓS TRATAMENTO

O monitoramento sorológico das gestantes deve ser mensal até o termo. Após o parto, o seguimento é trimestral até o 12º mês de acompanhamento (3, 6, 9, 12 meses). A pessoa tratada com sucesso pode ser liberada de novas coletas após um ano de

seguimento pós tratamento.

Os testes não treponêmicos não são automatizados; portanto, pode haver diferença entre leituras em momentos diferentes e/ou quando realizadas por mais de um observador. Por essa razão, variações do título em uma diluição (ex.: de 1:2 para 1:4; ou de 1:16 para 1:8) devem ser analisadas com cautela.


Atualmente, para definição de resposta imunológica adequada, utiliza-se o teste não treponêmico não reagente ou uma queda na titulação em duas diluições ematé seis meses (sífilis primária, secundária e sífilis latente recente) e queda na titulação em duas diluições em até 12 meses (sífilis tardia).


Quanto mais precoce for o diagnóstico e o tratamento, mais rapidamente haverá desaparecimento dos anticorpos circulantes e consequente negativação dos testes não treponêmicos, ou, ainda, sua estabilização em títulos baixos. A persistência de resultados reagentes em testes não treponêmicos com títulos baixos (1:1 a 1:4) durante um ano após o tratamento, quando descartada nova exposição de risco durante o período analisado, é chamada de “cicatriz sorológica” e não caracteriza falha terapêutica.

CRITÉRIOS PARA RETRATAMENTO DA GESTANTE COM SÍFILIS

- Não redução da titulação em duas diluições no intervalo de seis meses (sífilis primária, secundária e sífilis latente recente) ou 12 meses (sífilis tardia) após o tratamento adequado (ex.: de 1:32 para 1:8, ou de 1:128 para 1:32);

OU

-Aumento da titulação em duas diluições (ex.: de 1:16 para 1:64 ou de 1:4 para 1:16) em qualquer momento do seguimento;

OU

-Persistência ou recorrência de sinais e sintomas de sífilis em qualquer momento do seguimento.

ALGORITMO DE DECISÃO CLÍNICA PARA MANEJO DA SÍFILIS ADQUIRIDA E SÍFILIS EM GESTANTES

Dividido em duas lâminas, trata-se de uma ferramenta de apoio à decisão clínica que sintetiza as recomendações para sífilis em gestantes. Com o uso desse algoritmo pelos profissionais de saúde, de medicina ou de enfermagem, será possível testar, diagnosticar, tratar, notificar e monitorar os casos em gestantes.

A lâmina 1 aborda quando e como testar para sífilis. Reforça-se, aqui, a importância da implantação e utilização do teste rápido para sífilis já no primeiro atendimento, de forma oportuna e sem necessidade de encaminhamento ou agendamento.

A lâmina 2 contém as condutas de tratamento, monitoramento e controle de cura da sífilis. Estão contidos na mesma lâmina para reforçar que tão importante quanto tratar é garantir a segurança do paciente e de suas parcerias sexuais por meio do monitoramento adequado. Os testes recomendados para o monitoramento são os não treponêmicos (VDRL).

No enfrentamento da epidemia de sífilis, necessita-se uma alta suspeição clínica, com testagem de pacientes assintomáticos e tratamento e monitoramento de todos os casos e de suas parcerias sexuais. Nunca se está diante de apenas um caso de sífilis – sempre são pelo menos duas pessoas infectadas. Muitas vezes se trata de toda uma rede sexual infectada. Conversar com o paciente sobre sua prática sexual e suas parcerias sexuais é realizar uma boa assistência à saúde.

Para o combate à sífilis congênita, o tratamento da gestante com benzilpenicilina benzatina após um teste reagente é fundamental. Cada semana que uma gestante com sífilis passa sem tratamento é mais tempo de exposição e risco de infecção para o concepto. A benzilpenicilina benzatina é segura e a melhor opção para o tratamento da mãe e da criança. Garantir o tratamento adequado da gestante, além de registrá-lo na caderneta de pré-natal, é impedir que o recém-nascido passe por intervenções biomédicas desnecessárias que podem colocá-lo em risco, além de comprometer a relação mãe-bebê.