No Brasil, gestar, parir e maternar ainda são eventos da vida das mulheres cerceados de preocupações, ora pelas altas taxas de mortalidade materna, pela violência obstétrica que ainda acomete diversos pontos da rede de atenção materna e infantil, ora pelo patriarcado que opera para tirar o protagonismo da mulher sob seu corpo.
Segundo o IBGE, no ano 2000, a taxa de fecundidade total no Brasil era de 2,4 filhos por mulher e em 2015 reduziu para 1,7 (IBGE, 2015), índice semelhante ao de países desenvolvidos, porém, muitas diferenças regionais são observadas. No Recife, a taxa de fecundidade encontra-se muito acima da média nacional, variando entre 4,8 e 4,4 filhos por mulher em idade fértil entre 2010 e 2017, indicando uma transição demográfica mais tardia, sendo semelhante a de regiões consideradas menos desenvolvidas.
Apesar da semelhança na taxa de fecundidade de países desenvolvidos, o Brasil tem taxa de cesárea bastante diferente destes países. Há algumas décadas, o país vivencia uma epidemia de cesáreas desnecessárias, chegando a quase 100% de partos via cirúrgica em hospitais privados. A elevada taxa de cesárea se constitui um problema de saúde na medida em que este procedimento pode causar complicações significativas e às vezes permanentes, assim como sequelas ou morte, para a mulher e seu filho, especialmente em locais sem infraestrutura e/ou capacidade de realizar cirurgias de forma segura e de tratar complicações pós operatórias (OMS, 2015).
No Recife, entre os anos de 2009 a 2019 houve declínio da taxa de cesárea (somando-se SUS e privado), passando de 54,3% para 52%. A maioria dos partos realizados nas maternidades do Recife é vaginal, em média 72,8%, observando-se aumento nesta proporção a partir de 2012, atingindo 77,8% do total de partos em 2017. A OMS preconiza como proporção aceitável de cesarianas aquela em torno de 10 a 15%. Esta determinação está fundamentada no preceito de que apenas 15% do total de partos apresentam indicação de cesariana, para preservação da saúde materna e/ou fetal.
No que diz respeito à consulta pré-natal, no mesmo período observou-se um aumento de mães de nascidos vivos com 7 ou mais consultas, passando de 57,09% em 2013 para 67,6% em 2019. O aumento das consultas de pré-natal também diz respeito à ampliação da cobertura de atenção básica nos últimos anos no Recife, passando de 256 equipes de saúde da família, em 2013, para 279 equipes em 2020.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), através dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), preconiza uma Razão de Morte Materna (RMM) de 30 para cada 100.000 nascidos vivos. Em 2017, a RMM no Brasil, foi de 58,7 mortes para cada 100.000 nascidos vivos.
No Recife, para o mesmo ano, a RMM foi de 70,1 mortes a cada 100.000 nascidos vivos, ou seja, maior que a nacional, e ainda mais distante do parâmetro estabelecido pela OMS.
Quando falamos de morte materna, a questão racial salta aos olhos, pois infelizmente as mulheres negras são as que mais morrem no Recife, chegando a 90% no ano de 2019. As mortes maternas, são consideradas evitáveis e ocorrem como resultado de complicações durante ou depois da gestação e do parto. A razão da mortalidade materna reflete o acesso e a qualidade da assistência à saúde da mulher dos serviços de saúde locais.
A Secretaria de Saúde do Recife mantém desde 1994, o Comitê de Estudo da Mortalidade Materna com o objetivo de avaliar e contribuir para a melhoria da qualidade da atenção à saúde da mulher, incluindo a atenção obstétrica.
Para além dos avanços da assistência materna e infantil em todos os pontos da rede, é fundamental reduzir as cesáreas desnecessárias, superar a desigualdade de gênero, o racismo estrutural e institucional e a lbtfobia para a melhoria desse cenário no Recife.
Com esse protocolo, pretende-se auxiliar nesse caminhar, fortalecendo as boas práticas e contribuindo para redução da morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis, com enfoque não apenas para a mulher, mas também para a família e a comunidade.