A toxoplasmose é causada pelo protozoário Toxoplasma Gondii. Os gatos e outros felinos infectados são os hospedeiros definitivos. Outros animais como aves, suínos e ovinos, além do ser humano, são considerados hospedeiros intermediários.
A transmissão pode ocorrer por meio de:
- Ingestão de carnes cruas ou mal cozidas
- Ingestão de frutas ou de vegetais mal lavados, contaminados
- Ingestão de água contaminada
Formas raras de transmissão podem acontecer através da ingestão ou inalação de oocistos oriundos das fezes dos felinos, transplante de tecidos ou órgãos contaminados e transfusão de sangue.
Para a maioria dos seres humanos imunocompetentes, a toxoplasmose passa despercebida e não acarreta danos ao organismo. A infecção é assintomática em mais de 90% dos casos. Nos poucos casos sintomáticos, pode-se observar sintomas inespecíficos, tais como: astenia, cefaleia, mialgia e febre.
Na gestação, a primo-infecção por T. gondii pode desencadear sérias repercussões pela possibilidade de resultar em toxoplasmose congênita (infecção do feto através da placenta). A infecção congênita ocorre apenas na fase aguda da doença e pode resultar em abortamento, morte fetal e comprometimento ocular ou neurológico. O dano ao feto é geralmente mais grave quanto mais cedo ocorrer a transmissão. A infecção ocorrida antes da gestação protege contra a infecção congênita, exceto em pacientes HIV-positivas, onde pode ocorrer parasitemia e risco de contaminação fetal.
O Ministério da Saúde recomenda o rastreio sorológico, através da detecção dos anticorpos IgM e IgG na primeira consulta de pré-natal, com repetição mensal (ou no mínimo, a cada 03 meses), se paciente suscetível.
Os anticorpos IgM surgem na primeira ou segunda semana de infecção e o pico de produção ocorre em um a dois meses. O padrão de queda da IgM é mais acentuado nos primeiros meses após a infecção aguda, mas se observam casos nos quais a IgM se mantém positiva em títulos baixos por vários anos. O início da produção de IgG segue-se à produção de IgM, aparecendo duas semanas após a positivação da IgM. O pico da produção ocorre em dois a três meses, e o padrão de queda é lento e muito variável no primeiro ano após a infecção. Comumente, anticorpos IgG permanecem detectáveis por toda a vida
O teste de avidez de IgG para toxoplasmose é um método de diagnóstico que pode auxiliar no diagnóstico temporal da infecção materna, utilizado quando se detecta IgM e IgG positivos. Seu resultado é expresso em percentual de ligação do anticorpo ao antígeno do parasita, entretanto, esse teste apresenta limitações para o auxílio diagnóstico, sendo importante para os casos com idade gestacional ≤16 semanas.
Se o teste de avidez for realizado até a 16ª semana de gestação e apontar elevado percentual de ligação de IgG ao antígeno (alta avidez), é seguro excluir infecção aguda na gestação em curso, visto que alta avidez indica que os anticorpos foram produzidos há mais de 12 a 16 semanas (infecção antiga). A interpretação do teste deverá ser realizada comparando a data da realização do exame e a idade gestacional da paciente naquele momento. Após 16 semanas de gestação, independentemente do resultado do teste (baixa, alta ou indeterminada), a avidez não tem autonomia para definir o tempo da infecção.
A avidez de IgG baixa, associada a elevados títulos de IgM e IgG, é fortemente sugestiva de infecção adquirida na gestação (infecção recente). Entretanto, o valor preditivo positivo da avidez baixa apresenta limitações, sendo a avidez baixa observada em até 15% de pacientes com infecção antiga e, em alguns casos, por até um ano após a infecção aguda por T. gondii.
De acordo com o Protocolo de Notificação e Investigação da Toxoplasmose Gestacional do Ministério da Saúde do Brasil de 2018, os casos são classificados em suspeitos, prováveis, confirmados e descartados. A definição de caso de toxoplasmose aguda materna utiliza um conjunto específico de critérios e visa padronizar definições para a suspeição, confirmação e classificação final do caso
Critérios para definição de caso durante a gestação de acordo com o Protocolo de Notificação e Investigação de Toxoplasmose Gestacional do Ministério de Saúde do Brasil de 2018.
O Ministério da Saúde, através da NOTA TÉCNICA Nº 14/2020- COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS, atualizou as recomendações para rastreamento e tratamento da toxoplasmose gestacional de acordo com a idade gestacional no momento da 1ª consulta, conforme fluxograma detalhado a seguir:
Algoritmo para interpretação das sorologias IgM e IgG para toxoplasmose no pré-natal (Brasil, 2022)
CENÁRIO 2 (sorologia IgG reagente e IgM não reagente):
Compatível com infecção pregressa adquirida há, pelo menos, seis meses. Nesses casos, não se recomenda repetir a sorologia para toxoplasmose, mas devem-se manter as orientações higiênicas e dietéticas descritas previamente. Destaca-se, entretanto, que, se essa sorologia for realizada tardiamente na gestação, não é possível excluir uma infecção aguda ocorrida no início.
CENÁRIO 3 (sorologia IgM reagente ou indeterminado e IgG não reagente):
Independentemente do resultado da IgG, deve ser interpretada como infecção aguda, com indicação para iniciar intervenção medicamentosa.
Gestantes com sorologia IgM reagente e IgG não reagente: iniciar espiramicina imediatamente e repetir a sorologia em duas a três semanas. Espiramicina é um antibiótico do grupo dos macrolídeos que atinge altas concentrações no tecido
placentário, diminuindo o risco de transmissão vertical entre 60 e 70%. Cada comprimido tem 500mg, e a dose diária é 3 gramas ao dia (2 comprimidos de 8/8 horas).
• Se a repetição da sorologia mantiver IgG não reagente, trata-se de falso positivo de IgM; recomenda-se suspender a espiramicina e conduzir a gestante como suscetível (orientações higiênicas e dietéticas e repetição da sorologia);
• Se ocorrer a positivação de IgG, estamos diante de uma soroconversão, ou seja, confirma-se a infecção aguda materna por T. gondii. A depender da idade gestacional, pode ser mantida a espiramicina ou realizada a troca para a associação de pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico. Em gestações com idade gestacional, 16 semanas, mantém-se a espiramicina e encaminha-se para serviço de referência em gestação de alto risco. Em gestações ≥ 16 semanas pode ser realizada a troca para o esquema tríplice imediatamente e proceder ao encaminhamento da gestante.
CENÁRIO 4 (sorologia IgM e IgG reagentes):
Deve ser interpretada como infecção aguda com início imediato de medicamento. Em geral, para gestações com idade gestacional ≤ 16 semanas, inicia-se espiramicina e deve ser solicitado o teste de avidez (se possível na mesma amostra sanguínea que detectou IgM e IgG). Caso o resultado do teste seja ALTA AVIDEZ em gestação com idade gestacional abaixo de 16 semanas, descarta-se que a infecção tenha ocorrido na gestação em curso, suspende-se a espiramicina e a gestante é mantida no pré-natal de risco habitual. Entretanto, se a avidez for intermediária ou baixa, considera-se infecção aguda, mantém-se a espiramicina e encaminha-se a gestante para serviço de referência em gestação de alto risco.
Para gestações com idade gestacional >16 semanas e IgM e IgG reagentes, o resultado da avidez não modifica a conduta, ou seja, se a avidez for baixa, intermediária ou alta, a gestante será conduzida como infecção aguda.
Embora ainda em discussão, após 16 semanas os protocolos internacionais têm sugerido já trocar a espiramicina por pirimetamina e sulfadiazina associadas ao ácido folínico (esquema tríplice). Esse esquema tríplice será mantido até o parto, sem alternar com espiramicina. Também já está bem estabelecido que não há necessidade de suspender a sulfadiazina um mês antes do parto, como era preconizado antigamente.
Os fármacos antiparasitários utilizados no tratamento tríplice atravessam a placenta e atingem elevadas concentrações nos tecidos fetais, diminuindo o risco de alterações fetais em até 70%.
O esquema tríplice é administrado nas seguintes doses:
• Sulfadiazina, 3 g ao dia;
• Pirimetamina, 50 mg ao dia;
• Ácido folínico, 10 a 20 mg 3 vezes por semana (podendo a dose ser aumentada por surgimento de neutropenia, anemia ou plaquetopenia).
A associação sulfadiazina/pirimetamina é sinérgica e atua alterando o ciclo metabólico do ácido fólico, diminuindo a concentração da enzima metiltetrahidrofolato redutase, que atua no meio celular transformando homocisteína, um agente citotóxico e teratogênico, em metionina, um aminoácido essencial, conferindo o efeito terapêutico contra o T. gondii, mas também causando efeitos citotóxicos no paciente. Assim, o ácido folínico (precursor da síntese de folato e da metiltetrahidrofolato redutase) sempre é associado ao esquema terapêutico, com o objetivo de contornar esse efeito adverso. É muito importante enfatizar que não se pode utilizar o ácido fólico para essa finalidade, o qual, sendo absorvido pelo T. gondii, anula o efeito terapêutico da associação sulfadiazina / pirimetamina. Em geral, a sulfadiazina e a pirimetamina são bem toleradas pela gestante.
Para que a distribuição ocorra adequadamente, é necessária a seguinte documentação, conforme NOTA TÉCNICA Nº 164/2021-CGAMFE/DAF/SCTIE/MS :
1- Prescrição médica com assinatura, data e CRM legíveis
2- Número da ficha de notificação individual do SINAN devidamente preenchida e legível
Considerando, portanto, a importância da toxoplasmose com elevado risco de acometimento fetal e suas manifestações clínicas, na presença das indicações de tratamento acima citados, indica-se a condução dos casos, utilizando os fluxogramas descritos nesta nota técnica.