Literatura Latina

Condições de surgimento de uma literatura latina

Uma primeira pergunta para nossa discussão: como a expressão "literatura latina" deve ser entendida? Não ser trata de uma questão de fácil resolução. Uma delimitação da noção de "literatura", por si só, se coloca como um tradicional problema teórico. A tarefa, logo, passa por entendimento do limites do que é latino ou uma literatura que se adjetiva como "latina".

Por óbvia dedução, trata-se de uma literatura produzida em língua latina. Uma dedução óbvia, sim, mas problemática quando se considera que a língua latina não foi um fenômeno linear ao longo de sua história. Pensemos um pouco: o latim, pertencente ao grupo itálico do Indo-europeu, já estava presente na região do Lácio (centro-sul da península itálica) por volta de 800 a.C. A península, no entanto, congregava muitas outras línguas e culturas, algumas da mesma ramificação linguística do latim - como o falisco, o úmbrio, o osco - outras de ramificação diferente, como os etruscos (povo de língua misteriosa) e com os gregos (sul da península, Magna Grécia). A concorrência do latim com outras línguas, decerto, foi um fator preponderante para mudanças, variações, empréstimos etc. Acresce-se também que a convivência entre os povos da península nunca foi pacífica, e os habitantes do Lácio, simples camponeses de origem, foram forçados a desenvolver uma forte cultura bélica. Desenrolam-se séculos de disputa, e a paulatina conquista da península pelos falantes do latim (habitantes do Lácio, cuja principal cidade, Roma, foi tradicionalmente fundada em 753 a.C.) impõe a língua do povo dominador, os romanos; a troca linguística e cultural passa a servir aos interesses dos dominadores.

Ora, poder e cultura são ingredientes imprescindíveis para estabelecimento das classes sociais. Do séc. 8º a.C. ao 5º d.C., os romanos, camponeses de origem, viveram numa monarquia (753 - 509 a.C.), uma república (509 - 27 a.C) e um império (27 a.C. - 476 d.C.). Ao longo desse percurso político, a sociedade romana basicamente se dividiu entre patrícios, plebeus e escravos. Trata-se, porém, de uma divisão complexa: a primeira era a classe dominante e detentora das diferentes formas de poder, era a classe privilegiada e letrada; a segunda era classe trabalhadora, esta mais dedicada ao comércio que às letras; a terceira era classe que representava a força de trabalho, sem privilégio político, mas não necessariamente desligada da vida cultural e literária: muitos habitantes da Magna Grécia ou gregos de origem foram levados a Roma como escravos dedicados ao ensino da língua e da literatura grega para os filhos dos nobres romanos. Foi exatamente nessa condição que Lívio Andronico, de Tarento, chegou a Roma e se tornou o autor do primeiro registro literário em latim, a saber, uma tradução do poema homérico Odisseia para o latim, cujo título era Odusia (ca. 240 a.C.). Voltaremos a essa figura. Agora as perguntas devem ser outras: quem produzia e quem consumia literatura em Roma? Quais os suportes mais comuns? Como e em quais condições textos literários tão antigos chegaram até nós? Que tipo de literatura esteve presente nos primeiros registros? Quais os gêneros predominantes? Qual a conexão entre uma literatura latina e os povos conquistados ao longo da história? Qual o papel da literatura na vida política romana?

Um percurso, ainda que breve, ao longo de momentos da literatura latina precisa levar em conta a complexidade da matéria, não só porque foi produzida em uma língua antiga, o latim, de estrutura bem diferente do português, mas porque, para uma abordagem minimamente segura, é preciso considerar que as instâncias de quem lê (o leitor), de quem escreve (o autor) e da própria obra gravitam simultaneamente em torno da condições de surgimento e de estabelecimento do fenômeno literário.