Canto VI

Odisseu chega à Feácia

Esboço

v. 1-12: Odisseu chega à terra dos Feácios, na Esquéria, governados por Alcínoo, filho de Nausítoo, fundador mítico dos Feácios.

v. 13-47: Atena dirige-se à terra dos Feácios para ajudar Odisseu; na forma da filha de Dimante, Atena entra nos aposentos de Nausícaa, filha de Alcínoo. A deusa provoca Nausícaa a preparar as roupas para o casamento que não dista. Atena instiga a princesa a pedir ao rei uma carruagem para levar as roupas e aprestá-las próximo ao lugar onde se encontra Odisseu.

v. 48-84: Ao surgir da Aurora, Nausícaa segue as orientações da deusa e busca por Alcínoo no palácio; ela faz o pedido ao rei, que prontamente a atende. Os servos preparam o carro, as servas trazem as roupas, Arete dá à filha provisões, comida, bebida e óleo para banho. Nausícaa e as servas partem.

v. 85-109: Chegaram ao rio onde encontram fontes perenes; aprestam as roupas nos tanques e começam os trabalhos. Depois de tomarem banho, e deixarem as roupas secarem ao sol, ceiam; Nausícaa e as servas depõem os véus que vestem gastam o tempo em um jogo com bola.

v. 110-26: Quando pensavam em retornar para casa, Atena trama o encontro entre Odisseu e o grupo de Nausícaa: a bola é arremessada pela princesa, indo, no entanto, cair na corrente do rio; as donzelas em alarido prorrompem e despertam o herói. Odisseu ignora a terra em que estava.

v. 127-48: Odisseu aparece para as donzelas, desfigurado, nu, cobrindo as vergonhas com ramos; as moças correm assustadas, apenas Nausícaa mantem a coragem; Odisseu reflete se se dirige à princesa como suplicante ou se fala ao longe; para evitar constrangimentos, o herói decide manter distância.

v. 149-85: Odisseu começa seu discurso enaltecendo a beleza da jovem princesa, se uma deusa, assemelha-se a Ártemis, se uma mortal, tal virtude é o orgulho de seus pais e alegria do noivo; a beleza da jovem é comparada ao rebento de uma palmeira do templo de Apolo, em Delos. Odisseu relata que fazia vinte dias que partira de Ogígia e atracara nas paragens da Feácia. O herói implora piedade e pede roupas para poder se dirigir à cidade.

v. 186-210: Nausícaa se prontifica a ajudar Odisseu com roupas e mostrar o caminho até a cidade. Como boa anfitriã, a princesa ordena que as servas deem um banho no hóspede e, depois, lhe ofereçam comida e bebida.

v. 211-37: As servas dão a Odisseu túnica, manto e frasco de ouro com óleo, mas o herói, por pejo, prefere banhar-se sozinho. Terminado o banho, Atena faz com Odisseu parece muito mais belo, forte, com cachos caindo da cabeça.

v. 238-50: Nausícaa é tomada por admiração, Odisseu outrora tão vulgar, fulgura com um deus; se fosse de escolha, o herói poderia ser seu noivo. A princesa ordena que servas deem comida e bebida.

v. 251-315: Nausícaa revela sua prudência e deseja evitar comentários maldosos: a princesa ordena que o carro seja preparado para a viagem de volta, Odisseu por sua vez, deve acompanhar o cortejo das donzelas apenas enquanto cortarem os campos lavrados; ao alcançar a cidade, o herói deve ficar em um bosque consagrado a Atena, de negros álamos; nesse lugar, Alcínoo possui um florido jardim, e lá Odisseu deve esperar; não decoroso uma princesa chegar acompanhada de um homem desconhecido, ainda que belo, sem o conhecimentos dos pais. No bosque Odisseu deve procurar alguém e perguntar pelo palácio de Alcínoo.

v. 316-31: Tudo ocorre conforme o combinado; no bosque, Odisseu dirige uma prece a Atena, pedindo que o Feácios sejam piedosos e amigos se mostrem. Atena atende o herói, mas se mantém invisível por receio de importunar Posido.

Notas

v. 4-10: Os Feácios (Φαίακες) e o mito etiológico - Raça lendária de marinheiros, descendentes do herói Feáx que foi responsável por levá-los até a região da Hipéria onde viveram até serem expulsos pelos ciclopes até a ilha de Esquéria. (cf. GRIMAL, P., 2005, p. 167). Na trajetória realizada por Odisseu, os Faécios tornam possível o seu retorno a Ítaca. Destaca-se o desejo pelas navegações, por esse motivo que Odisseu simpatiza e, de certo modo, identifica-se com os Faécios. Os Faécios são como apoio para o herói, eles o acolhem, lhe dão conselhos, traçam a rota de retorno e oferecem alimentos, abrigando Odisseu nas suas terras. No canto 5, Zeus ordena que Calipso liberte Odisseu e ela, assim, faz. Após as peripécias de Poseidon, Odisseu, exausto, chega à terra dos Feácios (Od. canto 5). No canto 6, Odisseu é encontrado por Nausícaa, filha de Alcínoo, aquele que governa os Feácios. Os versos em questão podem ser entendidos como uma narrativa etiológica: uma explicação que lança luz sobre a origem ou passado mítico de uma prática, de uma raça, de um epíteto etc. Os mitos etiológicos se relacionam aos inventores e às tradições passados, por vezes criando conexões com a etimologia (cf. KEARNS, E. 'aetilogy' in OCD, 4ª ed.). A etiologia foi muito praticada pelos antigos, está presente em passagens homéricas (ex. Il. 16.666-83, mito de Sarpédone, Od. 3.278-85, mito de Frontes), em Hesíodo (Theog., mito de Prometeu), nos poetas trágicos e, mormente, em Calímaco (no poema fragmentado Aitia, "As Causas"). A estética calimaquiana e alexandrina serviu de modelo para os poetas latinos como Virgílio (Geórgicas 3, Eneida 5.596-604), Propércio (Livro 4) e Ovídio (nos Fastos e nas Metamorfoses).

Por Vitória Albuquerque, Larissa Paiva, Nayra Santos, M. Eduarda Gomes, Líbna Gleisse, Ana Paula Andrade, Yáskara Lima e Liebert Muniz

v. 7: Nausítoo (Ναυσίθοος) - Filho de Posido e Peribeia, filha de Eurimedonte. Ele foi o fundador de Esquéria e o primeiro rei dos míticos Feácios quando esse povo não habitava ainda Corsira (Corfu), nas Esquéria, mas a Hipéria. Expulsos pelos Ciclopes, os Feácios vieram, conduzidos por ele, e se estabeleceram na Esqueria. Nausítoo construiu uma muralha envolvendo a cidade, casas para o povo, templos dedicados aos deuses, e distribuiu terras lavradias. Também exerceu a autoridade máxima na cidade seguido por um grupo de príncipes. Nausítoo foi o pai de Alcínoo e de Rexenor e, através deste, avô de Arete. Após a sua morte, Nausítoo foi sucedido por seu filho Alcínoo que, depois da morte de Rexenor, casou-se com Arete, sua sobrinha.

Por Marina Fernandes, M. Eretúzia Morais, Ísis Silva, A. Cláudia Coriolano

v. 11: Parca ou Parcas (Μοῖραι, Κῆρες ou Parcae) - No Canto 6 da Odisseia aparecem figuras já conhecidas na épica homérica, tal como as Parcas. Na Ilíada, as Parcas aparecerão, canto 18.535-537, sendo que o episódio narrado é situado na feitura das armas de Aquiles por Hefesto. Nos versos citados há um recurso retórico-poético bastante utilizado na épica clássica, a écfrase, esta se trata de uma descrição de obra de arte que contém narração, logo que as imagens construídas pelo deus ferreiro remontam a construção de uma segunda cidade e suas agitações, tal como veremos a seguir:

ἐν δ ̓ Ἔρις ἐν δὲ Κυδοιμὸς ὁμίλεον, ἐν δ ̓ ὀλοὴ Κήρ,

ἄλλον ζωὸν ἔχουσα νεούτατον, ἄλλον ἄουτον,

ἄλλον τεθνηῶτα κατὰμόθον ἕλκε ποδοῖιν:

εἷμα δ ̓ ἔχ ̓ ἀμφ ̓ ὤμοισι δαφοινεὸν αἵματι φωτῶν.

Via-se a fera Discórdia o Tumulto e a funesta e inamável

Parca, que havia agarrado um ferido um guerreiro ainda ileso

e pelos pés arrastava um terceiro que a vida perdera.

(Il., 18.535-37)

As figuras enigmáticas das Parcas são dispostas pelo latinista Pierre Grimal da seguinte forma:

Parcas (Parcae): As parcas são, em Roma, as divindades do Destino, identificadas com as Meras (Moirai) gregas (v. Meras), de cujos atributos se foram revestindo a pouco e pouco. Na sua origem, as Parcas parecem ter sido, na religião romana, os espiritos do nascimento. Mas este traço inicial logo desapareceu, perante a atração das Meras. São representadas como fiandeiras, medindo a seu bel-prazer a vida dos homens. São, como as Meras, três irmãs: uma preside ao nascimento, a outra o casamento e a terceira à morte. As três Parcas figuraram no Fogo em tres estátuas, vulgarmente denominadas três fadas (tria Fata, os três destinos). (GRIMAL, 2005, p. 355)


A Parca aparecerá novamente aqui no canto 6.11-12 da Odisseia, no Canto VI:

Mas, pela Parca apanhado, já havia descido para o Hades;

era de Alcínoo o poder, que dos deuses obtinha conselhos.

(Od. 6.11-12)

Segundo a mitologia romana, as figuras das Parcas representam três divindades que possuem o controle da vida dos seres humanos, sendo esse controle conduzido desde o nascimento, atravessa o percurso da vida e seu termo. As moiras usam a roda da fortuna para fiar o destino de cada ser, além disso, cada etapa da vida representa uma Parca, por exemplo, a Nona tece a linha da vida, Décima conduz a trajetória da vida e a Morta corta a linha da vida. As Parcas eram filhas de Nix (deusa da Noite). Na mitologia grega, essas figuras recebiam o nome de Moiras, mas tinham a mesma representação de controle da vida dos seres humanos. É importante destacar que nem Zeus tinha controle sobre estas divindades.

Por Karoline Januário, L. Gustavo Santos, Ana Cristina Gurgel e Paula Viviane Costa

v. 12: Alcínoo -

v. 17: Nausícaa (Ναυσικάα) – uma das mais célebres heroínas da Odisseia, é a filha do rei dos Feácios, Alcínoo e Arete. A de olhos glaucos, Atena, utiliza-se de Nausícaa para encontrar Odisseu e guiá-lo até o palácio, para que assim os Feácios pudessem auxiliá-lo no seu retorno para a ilha de Ítaca, logo após o naufrágio do barco de Odisseu quando este saíra da ilha de Calipso (Od. 5). Em virtude de um sonho enviado pela Deusa Atena, Nausícaa e suas servas se dirigem para às margens do rio com a intenção de lavar toda a roupa da família; Odisseu que dormia, acaba acordando com o barulho do grito das jovens que lavavam a roupa junto ao rio. Nausícaa se encanta com a beleza do herói e o deseja como marido, algo que é visto com bons olhos por Alcínoo, pai de Nausícaa; porémOdisseu tem uma só aspiração em sua vida: regressar à Ítaca para ficar junto da sua esposa e filho. Uma versão dos mitógrafos relata que Telémaco, filho de Odisseu, casou-se com Nausícaa, união essa que gera um filho por nome Persópolis.

Por Sérgio Augusto, Mércia Moura, Mara Oliveira, Luma Morais, Gilnária Silva e Monalisa Fernanda

v. 22: Dimante (Δύμας) - não há muitas informações sobre essa personagem, apenas uma breve passagem aqui no v. 22 do canto 6. Dimante é uma personagem menor e figura como um capitão fenício cuja filha era uma amiga da princesa Nausícaa.

Por Taíza Santos, Ítalo Andrade, Stefanny Duarte, Renan Dantas, Andreilma Medeiros

v. 102-9: um símile interessante:

Ártemis dessa maneira costuma vagar pelos montes,

quer no Taígeto longo, quer mesmo no próprio Erimanto,

a deleitar-se na caça de cervos ou céleres gamos.

Ninfas agrestes a seguem, as filhas de Zeus poderoso,

a divertirem-se; no íntimo Leto também rejubila,

e entre as demais sobressai, destacando-se a fronte e a cabeça;

fácil será conhecê-la, conquanto as demais sejam belas:

do mesmo modo salienta-se a casta donzela entre as servas.

O símile dedica a uma comparação entre Nausícaa, filha de Alcínoo, e Ártemis, deusa grega da caça, irmã gêmea de Apolo. Em um contexto precedente e necessário ao entendimento desse símile, Nausícaa e suas servas estão próximas a um rio, lavando suas vestes para o casamento da jovem. Num dado momento, banham-se nas águas e dançam, surgindo, pois, o momento de comparação entre a mortal e a deusa. Não obstante Ártemis também ser vista como a deusa da castidade, sua evocação não parece estar a serviço, no plano do poema, de um realce à virgindade de Nausícaa, tendo em vista que seu himeneu (e o momento da perda de sua virgindade) se aproximava. Ao que nos parece, o plano de comparação estaria mais acentuado entre a dança das jovens e o comumente vagar pelos bosques atribuído à deusa: “Ártemis dessa maneira costumava vagar pelos montes, (v. 102); “...do mesmo modo salienta-se a casta donzela entre as servas” (v. 109). O símile também parece firmar uma pintura da deusa ínsita ao espectro mitológico da epopeia, haja vista que a menção à Ártemis, correndo por lugares ermos e com ninfas ao seu incauto, semelhante à dança de Nausícaa e de suas servas, é bastante recorrente. Haveria, nestes versos, um reforço duplo para o firmamento das imagens projetadas: a da deusa semelhante à Nausícaa, outrossim a desta semelhante àquela. Esse esforço duplo valoriza as figuras femininas: esse símile é particularmente interessante por não fazer uso de elementos naturais, como é comum na poesia homérica, mas da própria representação feminina da deusa Ártemis.

Por Antonio Mesquita, Erivaneide Oliveira, Erivânia Araújo, Elisberta Araújo, Myrlles Soares, Rafaela Silva, Ingryd Brito e Liebert Muniz