Topica grammaticae

"multi posterorum cum Varrone conferent semonem de lingua latina". Vitr. 9, praef. 17

Tópicos importantes de gramática latina

Verbos Depoentes

Tradicionalmente, assim são chamados os verbos com uma característica muito peculiar em latim: quanto à forma são passivos, quanto ao sentido são ativos. Esse fenômeno se assemelha à voz média da língua grega antiga. A caracterização da medialidade ou da depoência em latim é variada e complexa; em linhas gerais, ela é bem marcada em verbos que indicam um estado de espírito ou uma operação intelectual (ex.: laetor, "alegrar-se"; irascor, "irar-se"; reminiscor, recordor, "recordar, lembrar"; obliuiscor, "esquecer"), em verbos cuja ação se desenvolve em interesse do sujeito (ex.: fruor "usufruir"; utor "usar"; uescor "comer, alimentar-se"), e em verbos de processo interno, ou seja, a ideia expressa pelo verbo diminui o papel agentivo do sujeito (ex.: nascor "nascer"; morior "morrer"; patior "sofrer").

O verbos depoentes podem ser transitivos ou intransitivos. No primeiro caso, o complemento se dá com o acusativo (ex.: pati dolorem, "sofrer uma dor"); alguns verbos também pedir complemento com ablativo (ex.: abuti patientiā "abusar da paciência").

Seguem outros verbos depoentes do latim:

  • 1ª conjugação (‑ārī):

cōnor "tentar"

cōnsōlor "consolar"

  • 2ª conjugação (‑ērī):

intuēor "olhar atentamente, observar"

uerēor "temer, ter medo de"

  • 3ª conjugação (‑ī):

complector "abraçar"

egredior "sair"

labor "deslizar, escorregar"

loquor "falar"

proficiscor "partir, por-se a caminho"

sequor "seguir"

  • 4ª conjugação (‑īrī):

opperior "esperar por"

orior "erguer, levantar, surgir"

Sistema verbal latino

1) Questões preliminares:

Morfologicamente, o verbo latino divide-se em três grandes partes: radical temático (RT), desinência modo-temporal (DMT) e desinências número-pessoais (DNP). As partes são agrupadas nessa ordem, gerando o seguinte esquema geral:

RT - DMT -DNP

Assim, em amabas encontramos o esquema supra: AMA- (RT) -BA- (DMT de pretérito imperfeito) -S (DNP de 2ª p. sing. da voz ativa).

O radical temático é a parte inicial do verbo que encerra a significação geral acompanhado pela vogal temática característica da conjugação (-ā-, para 1ª conj.; -ē-, para 2ª conj.; -ĕ-, para a 3ª conj.; e -ī-, para 4ª conj.), formando o tema do verbo. A desinência modo-temporal indica o tempo e o modo em que está o verbo. Daí se conclui que cada tempo terá o seu sufixo especial. As desinências número-pessoais indicam principalmente as pessoas e número do verbo. Além de indicar pessoa e número, essas desinências indicam voz, ativa ou passiva.

Obs.¹: as desinências são bem distintas quanto à voz, formando dois grupos de DNP's, a saber:

DNP ativas: DNP passivas:

1ª p.s. -o/m -or

2ª p.s. -s -ris

3ª p.s. -t -tur

1ª p.p. -mus -mur

2ª p.p. -tis -mini

3ª p.p. -nt -ntur

A voz passiva em latim, diferentemente do português que forma a passiva por perífrase, é majoritariamente sintética; exceção feita às formas passivas derivadas do perfectum.

Obs.²: O DNP ativas, em regra geral, são usadas para conjugar todas formas verbais da voz ativa do latim, tanto as formas derivadas do infectum, quanto as formas derivadas do perfectum. Há apenas uma exceção: o pretérito perfeito ativo. O latim possui um conjunto de DNP's exclusivo para essa forma de pretérito. Faz-se necessário ter em mente um outro conjunto, a saber:

1ª p.s. -i

2ª p.s. -isti

3ª p.s. -it

1ª p.p. -imus

2ª p.p. -istis

3ª p.p. -erunt (ou ere)

2) Infectum x Perfectum

É de grande importância aprender que o verbo latino é constituído por dois radicais que indicam o aspecto do verbo: o radical do INFECTUM, também chamado de radical do presente e o radical do PERFECTUM, também chamado de radical do perfeito. O primeiro serve de base para conjugar formas verbais de significação incompleta (aspecto imperfectivo); e o segundo serve de base para conjugar formas verbais de significação completa (aspecto perfectivo).

Do radical do infectum (para encontrar esse radical, basta retirar a desinência número-pessoal -s da 2ª pess. do sing. do presente do indicativo) derivam as seguintes formas verbais ativas ou passivas: no modo indicativo, o próprio presente do indicativo [DMT Ø], o pretérito imperfeito [DMT -ba-] e o futuro imperfeito [DMT -b/bi/bu-; -a/e-]; no modo subjuntivo, o presente do subjuntivo [DMT -e/a-] e o imperfeito do subjuntivo [DMT -re-]; no modo imperativo:, o imperativo presente [ativ.: 2ª p. sing., o tema/ 2ª p. pl. -te; pass.: 2ª p. sing. -re, 2ª p. pl. -mini] e imperativo futuro [ativ.: -to, -tote, -nto; pass.: -tor, -tor, -ntur]; além das formas nominais de particípio presente [-ns] e de infinitivo presente [-re (ativ.)/ -ri (pass.)] e seus derivados, gerúndio (de sentido ativ.) e gerundivo (de sentido pass.).

Do radical do perfectum (para encontrar esse radical, basta retirar a desinência –i da 1ª pess. do sing. do pretérito perfeito) derivam as seguintes formas verbais: no modo indicativo, o próprio pretérito perfeito [DMT Ø], o pretérito mais-que-perfeito [DMT -era-] e o futuro perfeito [DMT -ero/eri-]; no modo subjuntivo, o perfeito do subjuntivo [DMT -eri-] e o mais-que-perfeito do subjuntivo [DMT -isse-]; e o infinitivo perfeito [-isse].

Eis importância da compreensão do funcionamento desse radicais: por se tratar de um sistema verbal um tanto rígido, a conjugação latina é bastante mecânica, como uma engrenagem que espera o encaixe correto das peças para um bom funcionamento. O esquema básico é o expresso anteriormente: RT - DMT -DNP; o RT precisa respeitar o aspecto imperfectivo ou perfectivo, ou seja, se é necessário o radical do infectum e do perfectum; aspecto, por sua vez, mantém estreita relação significativa com as DMT's; por fim, basta usar a DNP adequada.

No modo indicativo das formas do infectum, além do presente, segue o verbo modelo nas duas outras formas:

Pretérito imperfeito

V. ativa V. passiva

ama-ba-m ama-ba-r

ama-ba-s ama-ba-ris

ama-ba-t ama-ba-tur

ama-ba-mus ama-ba-mur

ama-ba-tis ama-ba-mini

ama-ba-nt ama-ba-ntur

Futuro imperfeito

V. ativa V. passiva

ama-b-o ama-b-or

ama-bi-s ama-be-ris

ama-bi-t ama-bi-tur

ama-bi-mus ama-bi-mur

ama-bi-tis ama-bi-mini

ama-bu-nt ama-bu-ntur

Ainda no modo indicativo, segue o verbo modelo nas formas derivadas do perfectum na voz ativa:

Pretérito perfeito

amau-i

amau-isti

amau-it

amau-imus

amau-istis

amau-erunt (ou ere)

MQP

amau-era-m

amau-era-s

amau-era-t

amau-era-mus

amau-era-tis

amau-era-nt

Futuro perfeito

amau-er-o

amau-eri-s

amau-eri-t

amau-eri-mus

amau-eri-tis

amau-eri-nt

Obs.³: Na voz ativa do aspecto perfectivo, todas as formas verbais derivam do radical do perfectum; na voz passiva, no entanto, o caminho é outro: a conjugação ocorre, à semelhança do português, pela perífrase do particípio passado e do verbo sum como auxiliar. O particípio perfeito latino não deriva do radical do perfectum, mas do radical do supino.

3) O radical do supino

Antes de falar sobre o supino, é imprescindível explicar como os principais dicionários de latim-português apresentam o enunciado de um verbo. Um verbo regular de 1ª conjugação vem apresentado do seguinte modo:

  • amo, -as, -are, -aui, -atum

Essas formas, também chamadas de formas primitivas do verbo, são respectivamente: 1ª p.s. do presente do indicativo ativo, 2ª p.s. do presente do indicativo ativo, infinitivo presente, 1ª p.s. pretérito perfeito, e o supino.

Se se observar bem, o enunciado oferece o radical do infectum (retirando-se a DNP -s da 2ª p.s. > ama-) e o radical do perfectum (retirando-se a DNP da 1ª p.s. pretérito perfeito > amau-). Ademais, o infinito, entre outras coisas, oferece a conjugação a que o verbo pertence. E o supino oferece o radical (que se encontra pela retida da terminação -um) a partir do qual se forma o particípio passado e outras formas, no caso do verbo modelo, esse radical é: amat-.

E o que seria o supino? Como o infinitivo e o gerúndio, trata-se de uma forma nominal do verbo equivalente a substantivos verbais. Possui um valor de finalidade: amatum "para amar". Esse supino é chamado de supino I; há também o supino II: amatu "de se amar". Percebe-se que essa terminação -um é de origem acusativa; e a terminação -u, do supino II, é de origem ablativa.

O que importa por ora é saber que do radical do supino derivam-se o particípio passado [-tus, -a, -um], o particípio futuro [-urus, -ura, -urum], o infinitivo futuro ativo [-urum, -uram, -urum] e o passivo [-um iri (forma invariável)]. Para uma compreensão rápida dessas formas, seguem todas elas com o verbo modelo:

  • amatus, amata, amatum (part. pass.) > "amado, amada..."
  • amaturus, amatura, amaturum (part. fut.) > "que está para amar"
  • amaturum esse, amaturam esse, amaturum esse (inf. fut. at.) > "que há de louvar"
  • amatum iri (inf. fut. pass.) > "haver de ser louvado"

4) Voz passiva nas formas do perfectum (modo indicativo)

Como mencionamos, trata-se de uma formação perifrástica, analítica, formada pelo particípio passado + sum (verbo auxiliar). Assim o pretérito perfeito passivo do verbo amo seria:

1ª p.s. amatus, a, um sum "fui amado (a)"

2ª p.s. amatus, a, um es "fostes amado (a)"

3ª p.s. amatus, a, um est "foi amado (a)"

1ª p.p. amati, ae, a sumus "fomos amados (as)"

2ª p.p. amati, ae, a estis "fostes amados (as)"

3ª p.p. amati, ae, a sunt "foram amados (as)"


Algumas observações: a) como se trata de forma nominal do verbo, o particípio passado se comporta como um adjetivo, variando em gênero e número (masc. s. amatus, fem. s. amata, neut. s. amatum/ masc. p. amati, fem. p. amatae, neut. p. amata); b) as pessoas do discurso são marcadas pelo verbo auxiliar (sum, es...); c) o verbo auxiliar não pode ser traduzido por "sou, és, é, somos, sois, são", mas por "fui, fostes, foi, fomos, fostes, foram".

O mesmo princípio vale para as outras duas formas do indicativo: o auxiliar eram, eras, erat, eramus, eratis, erant no mais-que-perfeito passivo não pode ser traduzido por "era, eras...", mas por "tinha sido, fora..."; o auxiliar ero, eris, erit, erimus, eritis, erunt no futuro perfeito passivo não pode ser traduzido por "serei, serás...", mas por "terei sido, terás sido...". Segue o verbo modelo:

Mais-que-perfeito passivo

amatus, a, um eram "tinha sido, fora amado (a)"

amatus, a, um eras "tinhas sido, foras amado (a)"

amatus, a, um erat "tinha sido, fora amado (a)"

amati, ae, a eramus "tínhamos sido, fôramos amados (as)"

amati, ae, a eratis "tínheis sido, fôreis amados (as)"

amati, ae, a erant "tinham sido, foram amados (as)"

Futuro perfeito passivo

amatus, a, um ero "terei sido amado (a)"

amatus, a, um eris "terás sido amado (a)"

amatus, a, um erit "terá sido amado (a)"

amati, ae, a erimus "teremos sido amados (as)"

amati, ae, a eritis "tereis sido amados (as)"

amati, ae, a erunt "terão sido amados (as)"