Fittipaldi FD-01

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Wilson Fittipaldi Jr., que competiu em 1972 e 1973 pela Brabham, estava descontente com o tratamento diferenciado dado a seu companheiro de equipe, o argentino Carlos Reutemann. Em agosto de 1973, em reunião com a família, decidiu que com o dinheiro que gastava para competir, poderia ele mesmo construir um carro para competir. Esse foi o início da primeira e única equipe brasileira na Fórmula 1. A equipe passou por vários altos e baixos durante o período em que competiu, desde o começo difícil em 1975, passando pelo grande desempenho de 1978, onde ficou à frente de McLaren, Williams, Renault e Arrows no campeonato de construtores e obteve a incrível segunda colocação no Grande Prêmio do Brasil, até a compra da equipe de Walter Wolf e o fim melancólico em 1982. Passaram pela equipe grandes nomes como os pilotos Emerson Fittipaldi, Chico Serra, Ingo Hoffmann e Keke Rosberg, além de projetistas consagrados como Ricardo Divila, Adrian Newey e Harvey Postlethwaite.

No início da Fittipaldi, apenas duas coisas eram certas, segundo Wilsinho: que o carro seria brasileiro, e que seria projetado por Ricardo Divila com a ajuda do ex-mecânico da Lotus, Yoshitori Itoh. Decidiu-se então que os únicos componentes importados seriam os motores Ford-Cosworth DFV, pneus Goodyear, câmbio Hewland e freios Varga-Girling. No início, Divila, Wilsinho e Itoh formaram uma empresa onde todos eram sócios, e o plano previa que um protótipo deveria ser construído até agosto de 1974 para ser testado em Interlagos, Tarumã, Brasília e Goiânia. No início de 1974, algumas diretrizes já estavam definidas, com três modelos prontos, a serem testados no túnel de vento da Embraer. Os testes iniciais no túnel de vento indicaram que, comparado ao Tyrrell 006 (que serviu como comparação durante todo o desenvolvimento) o FD01 apresentava menor arrasto aerodinâmico e também produzia menos vácuo, características essas que eram muito interessantes. Neste ponto o projeto das mangas e pontas de eixo estavam prontos e serviriam para qualquer um dos modelos. Inicialemente, como cnota Chico D'Ávila, funcionário da Albarus (hoje Dana) na época:

“Nós já fabricávamos a junta homocinética, mas ainda não dispúnhamos dela para carros de competição, principalmente para um Fórmula 1. A missão, então, era a de projetar uma junta universal. Tínhamos de desenhar todos os componentes obedecendo as medidas exatas entre o diferencial (caixa de câmbio) e as rodas traseiras do Fitti-1. Em resumo, tivemos de fazer uma nova pontuva – eixo com entalhes macho -, cruzeta, com furo no meio, para aliviar o peso, mais a luva normal, o garfo, ponteira e flange, mais o desenho do conjunto.

Tudo isso dentro do rigoroso critério de não ultrapassar o peso limite dos 6 quilos em cada um dos dois semi-eixos (um em cada lado da caixa de câmbio), obedecendo o imutável espaço físico definido entre o diferencial e as rodas traseiras do Fitti-1.

O primeiro conjunto do cardã foi baseado nos componentes dos veículos Willys, Rural e Jeep, mas não aprovaram. Eram frágeis para resistir ao torque do motor. Refizemos os cálculos, mas dessa vez de posse de informações muito importantes para a resistência dos cardãs, que a Fittipaldi não havia fornecido. Entre eles, um dado vital, referente ao ingresso do carro em determinadas curvas, quando mais de 80% da capacidade do motor transfere-se para uma única roda.

Cientes do fenômeno, passamos a usar a cruzeta e demais componentes do cardã da pick up Ford F-100, que já eram reforçados por suportar um torque mais alto. Tivemos, obviamente, que adequá-los para chegar ao limite do peso, pois conforme se aumenta a capacidade de torque a cruzeta cresce de tamanho. Deu certo – e as peças estão lá até hoje, incrustadas no Fitti 1.”

Já estava decidido também que a mecânica seria o mais confiável possível, com a suspensão utilizando-se de molas helicoidais em lugar as barras de torção, com dois braços triangulares na dianteira e um braço superior simples e dois paralelos inferiores com dois tensores na traseira. Em julho, o projeto do carro já estava quase pronto, a única diferença sendo os radiadores colocados em posição semelhante à do FD-02. O objetivo inicial era um carro que fosse veloz em retas, para tanto o modelo final ficou com apenas 93cm de altura e o piloto em uma posição mais baixa 28cm em relação a qualquer outro monoposto da época, quando a distância mínima requerida entre o topo do santo-antônio e o topo do capacete era de apenas 2cm, o que o tornava mais seguro que qualquer carro. O carro pesava 590kg, 15kg a mais que o minimo exigido pela FIA, sendo que dois quilogramas desse excesso deviam-se aos radiadores de cobre mais pesados que os de alumínio, mas também mais eficientes. Faltava então um patrocinador, o que foi conseguido também neste mês com o apoio da Copersucar, que apesar de não promover a venda de nenhum produto em específico com o patrocínio tinha, segundo seu presidente Jorge Wolney Atalla, o objetivo de promover a capacidade tecnológica e o desenvolvimento industrial do Brasil. Segundo o que se comenta, entretanto, o interesse de Atalla era o apelo nacionalista que cercava o primeiro F-1 brasileiro, pois ele desejava o apelo à cooperativa que dirigia e que segundo as leis brasileiras da época não poderia continuar funcionando pois uma cooperativa deveria de ser formada por pessoas físicas e não por empresas jurídicas como a Copersucar. As cooperativa se beneficiavam de muitas facilidades fiscais e isenção de impostos, além dos subsídios, principalmente quando entrou em após o início do Proalcool. Até então, as seguintes empresas brasileiras haviam contribuído para o projeto: Embraer, Albarus (semi eixos e juntas universais), Eutectic (soldas especiais), Gemmer (caixa de direção), Ifesteel (ferramentas especiais), Italmagnesio (Rodas e peças fundidas), Fabrini (Molas espirais), RCN (radiadores), SKF (rolamentos), Trivelato (caminhão oficina) Villares (aços especiais) e Uniroyal (tanques especiais de borracha).

Em setembro, o modelo final foi finalmente escolhido como o mais veloz em reta, e foi batizado como FD-01 (F de Fittipaldi e D de Divila), bem como o chefe de equipe, o famoso Jo Ramirez. O carro foi finalmente apresentado no Salão Negro do Senado Federal na presença do então presidente General Ernesto Geisel, com índice de nacionalização de 75%. Em outubro o carro finalmente ficou pronto e em novembro partiu para os primeiros testes em pista, que comprovaram que o carro não superaquecia a baixas velocidades, contudo percebeu-se que o motor não ultrapassava as 7000rpm devido a um problema na injeção de combustível. Quando o problema foi finalmente resolvido o carro apresentou superaquecimento, que foi posteriormente resolvido.

Enfim chegou o ano de 1975 e, ao contrário de muitas previsões pessimistas lá estavam carro, piloto (Wilsinho) e equipe prontos para disputar o GP da Argentina. Esse foi, no entanto, apenas o início dos problemas: durante os treinos de sexta ocorreram quebra de depósito de água by-pass de alumínio,ocorrendo perda do líquido e consequente aquecimento do motor, o carro passou a sair de traseira em cima das mudanças do câmbio e o pneu traseiro foi montado ao contrário, que foi percebido após o carro sair em demasia nas curvas a esquerda. No sábado o melhor tempo era de 2m00s93, 39 centésimos acima do limite de 110% do tempo da pole-position. E para piorar Wilsinho tinha dado até agora 21 voltas. Mas ele volta à pista e marca 2m 00s 22, salvando a estreia da equipe. Mas ainda deu tempo de aparecer mais um problema de alimentação, trocaram as válvulas de pressão, mas o problema não terminou, e ainda o colar da embreagem quebrou. Deu tempo só de entrar na ultima sessão a quarta e logo na primeira volta o carro parou na pista pois a bateria estava descarregada. Restava o warm-up no domingo de manhã para fazer o carro correr, até então em 4 sessões de treinos o carro havia completado apenas 33 voltas em 5 horas de treinos oficiais. No warm-up novos problemas: problemas na alimentação no motor novo, o que obrigou um retorno aos boxes para colocar de volta o motor de sexta que não tinha dado esse problema, que foi complementado por uma revisão de todos componentes, onde descobriu-se que a bomba de elétrica veio sem uma válvula gerando falta de pressão no combustível. A essa altura o warm-up havia terminado e Wilsinho teria de ir a pista sem tempo de acertar o carro.

Até então os únicos problemas apresentados deviam-se aos componentes importados.

Dada largada, Wilsinho em último fazia sua corrida, quando notaram o melhor tempo do carro: 1'57”86, 2”36 mais rápido que o melhor tempo dos treinos. Na 13º volta, infelizmente, a quebra do diferencial autoblocante fez com que Wilsinho rodasse em uma curva e batesse no guard-rail onde o carro começou a pegar fogo lentamente. Essa foi a primeira e única competição do FD-01, pois para a segunda etapa em Interlagos, a equipe decidiu utilizar o modelo FD-02 de radiadores laterais.

Em 2002, a Dana, em parceria com os irmão Fittipaldi começaram a resgatar a história da equipe Fittipaldi, tendo como primeira ação a restauração do FD-01. O trabalho de restauração requereu desmontagem e revisão completa do carro e restauração do cockpit, construído em alumínio. Na parte mecânica, a reconstrução da suspensão traseira e revisão da dianteira, produção de radiadores novos e troca de todas as peças de desgaste do câmbio. O motor, Cosworth DFV, recebeu todos os principais componentes de desgaste novos, comprados na própria Cosworth. E a pintura, que segue o padrão oficial de pista, foi refeita pelo renomado designer Sid Mosca.

O sistema de tração usado originalmente no carro foi fabricado pela Dana, então Albarus. Ao longo do processo de restauração, os dois cardãs receberam um cuidado especial. Depois de retirados do carro, foram enviados para as instalações da Dana para serem restaurados pelos mesmos responsáveis pelo seu projeto, trinta anos atrás. Em um depoimento emocionado, transcrito na integra, Wilsinho descreve seus sentimentos ao ver o FD-01 restaurado:

“Nesses mais de 20 anos, desde que deixei a Fórmula 1, muitas coisas aconteceram e inúmeros pensamentos me passaram pela cabeça. Mas, por essas surpresas que a vida sempre nos reserva, entre os sonhos mais improváveis estava exatamente o que estou realizando agora. Ter a oportunidade de relembrar cada momento, reencontrar velhos amigos e mostrar, no Brasil e no exterior, a seriedade do trabalho que realizamos com a Equipe Fittipaldi de Fórmula 1, é uma das emoções mais fortes e profundas de minha vida.

Sinto-me de volta ao GP da Argentina de 1975, quando alinhamos nosso carro pela primeira vez na Fórmula 1. Voltam-me as lembranças do começo da minha carreira em Interlagos, os protótipos que inventamos, as dificuldades passadas e, principalmente, a satisfação em saber que, com aquela ousadia, colocávamos o Brasil no pequeno grupo de países capazes de dominar a mais avançada tecnologia do automobilismo mundial.

Mas também não tenho como deixar de recordar a dor e a desilusão ao fechar a equipe em 1982. As severas críticas da imprensa da época, o carrossel de esperanças e desilusões na busca por patrocínios e, ao final de tudo, a terrível sensação de ter que enfrentar a realidade e seguir em frente na vida, mesmo não sabendo o que fazer, o que pensar ou para que lado ir. Por tudo isso, posso garantir que a emoção que senti em novembro de 2004, ao restaurar nosso primeiro carro e colocá-lo de volta em Interlagos, foi até maior da que senti quando o alinhei pela primeira vez em Buenos Aires.”

Desde então o carro participou de vários eventos por todo o país, numa justa homenagem ao que representou para a história do automobilismo e mesmo da indústria nacionais.

Ficha técnica