Escultura & Texto

Figura 01: São Vicente de Paulo Missionário

Vista frontal

Fonte: Maria Clara de Assis, 2016


Figura 02: Corpo incorrupto de São Vicente de Paulo Missionário. Capela de São Vicente de Paulo em Paris – França.

Fonte: https://www.santuariodocaraca.com.br/transladacao-das-reliquias-de-sao-vicente-de-paulo/

Acesso em 21 jul. 2021


Figura 03: Oficina La Statue ReligieuseMason Raffl. Paris, 1901

Fonte: Le Mois Littéraireet Pittoresque, Tome V, Statue Religieuse, p. 94

SÃO VICENTE DE PAULO MISSIONÁRIO: UMA DEVOÇÃO VICENTINA NO CARAÇA, MG


Escultura: São Vicente de Paulo Missionário

Autoria/atribuição: Oficina Francesa - Maison Raffl

Técnica: Gesso Moldado e Policromado

Dimensão aproximada: 110 cm x 33 cm x 32 cm

Origem: Paris, França

Procedência: Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens / Santuário do Caraça – MG

Época: Final do século XIX


A escolha da escultura de São Vicente de Paulo Missionário (Figura 01) para compor o “Projeto Singularidades” nasce da percepção e entendimento acerca da relevância e da necessidade de se estudar e compreender o acervo constituído a partir do suporte em gesso. Sua técnica e materialidade inauguram uma nova tipologia escultórica no estado de Minas Gerais, seu aspecto formal exprime realismo e seu valor devocional é imensurável.

A escultura pertence a Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens edificada inicialmente em estilo barroco, por volta dos anos de 1779, e em 1805 já está erguida, dedicada a Nossa Senhora Mãe dos Homens, idealizada e custeada pela figura lendária de Irmão Lourenço1 (ZICO, 1988).

Após a morte do Irmão Lourenço e, em torno de 1854 chegam ao Caraça novos padres lazaristas que dão início a uma nova gestão. O Padre francês Júlio Clavelin, chega ao Caraça, no ano de 1862, atuando como professor e, em seguida, como diretor. E é quando assume tal posto, que se inicia seu grande feito, a construção da Catedral Neogótica, que temos hoje, substituindo a ermida barroca, sendo concluída em fins do século XIX. (COELHO, 2005).

A imagem de São Vicente de Paulo, compõe o novo programa iconográfico disposto na nova edificação religiosa, acompanhado de mais 9 imagens, também em gesso, com características formais e estilísticas comuns entre si.

A escultura em estudo foi elaborada a partir da técnica de formas que são preenchidas com gesso líquido e camadas de sisal, hastes de madeira, em sua parte interna para auxiliar na sustentação e haste em metal, nos pontos externos, mais frágeis, como dedos e os atributos. Para garantir maior estabilidade da escultura, sua base foi construída em madeira, com formato octogonal. Traz consigo, um atributo na mão esquerda, sendo uma cruz de madeira.

A anatomia do rosto, frisos da barba e cabelos possuem tratamento apurado. A sobrepeliz possui uma pintura a pincel em tons de cinza, que mesclados ao branco simulam uma renda. A estola possui detalhes em stencil2 com elementos fitomorfos na cor dourada. A carnação traz no rosto, variadas gradações de bege e rosa que junto ao formato moldado da face mostram a profundeza dos detalhes que remetem a um ancião, no qual Vicente de Paulo foi retratado, a partir de sua máscara mortuária presente em seu corpo incorrupto3 (Figura 02).

A policromia da escultura apresenta, assim como todo o conjunto em gesso da igreja citada, uma paleta de cores de gradações sutis e tonalidade mate. A imagem não possui olhos de vidro, sendo estes moldados e policromados com pintura a pincel que acrescenta ao olhar do santo profundidade e realismo.

Sua fatura é de uma fábrica francesa, muito semelhante a um ateliê e/ou oficina por manter traços da manufatura na concepção e finalização das peças, conhecida como Maison Raffl4 , localizada na Rua Bonaparte, número 64, em Saint Sulpice e foi grande responsável pela comercialização de diversos artigos religiosos para todo o mundo, através de catálogos de comercialização. A imagem de São Vicente possui, na parte posterior de seu verso, mais precisamente no barrado da túnica, uma placa em metal, com um relevo de um coração flamejante, elemento iconográfico do Sagrado Coração de Jesus, com a inscrição do nome da referida fábrica (Figura 03).

Vicente de Paulo foi sacerdote e criador da Congregação da Missão em 1625, e dedicou-se às obras de caridade. Os primeiros Lazaristas ou Vicentinos, como são chamados, chegaram ao Brasil no ano 1820 e com o passar do tempo a iconografia de São Vicente de Paulo se espalhou pelo país. A representação mais comum do Santo apresenta-se com uma sotaina de cor preta, golas brancas com uma criança no colo e outra de pé junto a si. No caso da escultura do Santuário do Caraça trata-se da representação singular de São Vicente de Paulo Missionário, trajando a sobrepeliz de cor branca sobre a sotaina preta, em seu pescoço uma estola e segura na mão esquerda uma cruz (LORÊDO, 2002). A representação mostra o homem de idade avançada, calvo e com barba esbranquiçada que sai a pregar de encontro aos necessitados

As imagens em gesso, de modo geral, estão inseridas em diversos contextos sociais, para além de ocuparem os espaços religiosos, habitam residências e instituições com suas características e peculiaridades e, estão impregnadas dos mais diversos valores, afetividade e lembranças que perpetuam nas relações familiares de geração em geração.

Cada bem cultural de devoção, adquire com o passar do tempo aspectos particulares e singulares, tanto para uma comunidade, como para o detentor, diante disso, se faz necessário o respeito e a prática ética da conservação-restauração no tratamento, acautelamento e preservação do citado acervo.

Maria Clara de Assis5

Santa Luzia, 24 de julho de 2021.

Notas:

1 Irmão Lourenço de Nossa Senhora é o nome que consta em alguns documentos presentes no Santuário do Caraça. Em seu testamento alegou ser português, natural da cidade de Nazagole, diocese de Lamego. Teria recebido o hábito da Ordem terceira de São Francisco, em Diamantina, no ano de 1763. Irmão Lourenço faleceu em 1819 e contou como testemunha de seu testamento o pintor Manuel da Costa Ataíde (ZICO, 2000).

2 É uma técnica utilizada nas artes que tem como objetivo transpor para uma superfície, utilizando tinta a pincel ou aerossol, através da perfuração ou um corte em um papel ou acetato.

3 O corpo incorrupto de São Vicente encontra-se disposto para a contemplação dos fiéis na Capela de São Vicente de Paulo em Paris, na França.

4 Ignaz Raffl (1828-1895) foi um escultor italiano que estudou e trabalhou em Roma, Veneza e Florença. No ano de 1857 se mudou para Paris onde fundou sua oficina La Statue Religieuse — abreviação RAFFL et Cie, também conhecida como Maison Raffl. Tratava-se de uma oficina que produzia e comercializava diversos objetos para igrejas, dentre eles esculturas devocionais nos mais diversos materiais, papiermâche, metal fundido e o gesso (ASSIS, 2016, p.70).

5 Bacharel em Conservação-Restauração de Bens Culturais Móveis, formada em 2016, na EBA/UFMG. Pesquisa esculturas gesso desde a graduação quando foi Bolsista FAPEMIG, orientada pela Profª. Dra. Maria Regina Emery Quites. Atualmente, continua realizando a pesquisa como mestranda no Programa de Pós-graduação da EA/UFMG, em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável, na linha de pesquisa Memória e Patrimônio Cultural. O objeto de estudo da investigação trata do acervo sacro em gesso da Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens, no Santuário do Caraça-MG.


Referências Recomendadas:

ASSIS, Maria Clara de. Diagnóstico do Estado de Conservação das Esculturas em Gesso da Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens/ Santuário do Caraça, Minas Gerais. Orientadora: Alessandra Rosado. 2016. 133f. TCC (Graduação) – Curso de Conservação-Restauração de Bens Culturais Móveis, Universidade Federal de Minas Gerais,

Belo Horizonte, 2016.

COELHO, Beatriz Ramos de Vasconcelos (Org.). Devoção e arte: imaginária religiosa em Minas Gerais. São Paulo: Edusp, 2005.

ETZEL, Eduardo. Imagem Sacra Brasileira. São Paulo: Melhoramentos: USP, 1979.

LORÊDO, Wanda Martins. Iconografia religiosa: dicionário prático de identificação. Rio de Janeiro: Pluri. Edições, 2002.

ZICO, Pe. José Tobias. Congregação da Missão no Brasil.

Belo Horizonte: Líthera

Maciel Gráfica, 2000.

ZICO, Pe. José Tobias. Caraça. Peregrinação, Cultura e Turismo.

Belo Horizonte: São Vicente, 1988.

Data de recebimento: 24/07/2021

Data de aprovação: 25/07/2021