Escultura & Texto

Figura 01: Nosso Senhor do Passos Matriz do Pilar, Ouro Preto/MG

Foto: Tainá de Keller e Costa, 2021


Figura 02: Cortejo Nosso Senhor dos Passos, Ouro Preto/MG

Foto: Tayami Fonseca França, 2015


Figura 03: Nossa Senhora das Dores Matriz do Pilar, Ouro Preto/MG

Foto: Tainá de Keller e Costa, 2021


Figura 04: Nossa Senhora das Dores Matriz de Antônio Dias, Ouro Preto/MG


Foto: Tayami Fonseca França, 2019




O SENHOR DOS PASSOS E

AS NOSSAS SENHORAS DAS DORES: ESCULTURAS PROTAGONISTAS DOS CORTEJOS PROCESSIONAIS DA SEMANA SANTA

EM VILA RICA



Esculturas: Senhor dos Passos e Nossas Senhoras das Dores

Autoria/atribuição: não identificada

Técnica: Imagens de vestir (roca)

Dimensão aproximada: Grande porte

(aprox. 2 metros de altura)

Origem: Esculturas com influências portuguesa e regional

Procedência: Matriz do Pilar e de Antônio Dias, Ouro Preto/MG

Época: Séculos XVIII e XIX

Em Vila Rica na Capitania das Minas Gerais o Santíssimo Sacramento e os Passos foram as irmandades pioneiras na manifestação da piedade popular. A escultura do Senhor dos Passos (Figuras 1 e 2) foi encomendada após a fundação da Irmandade dos Passos de Vila Rica em 1715, no arraial do Pilar. Essa inicia a prática religiosa devocional, que acontece até hoje junto das Capelas dos Passos da Paixão1 no período da Quaresma e Semana Santa. Sua concepção apresenta uma dupla função: retabular e processional, ou seja, ela se encontra em um dos retábulos laterais da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar (1731-1733) e ao mesmo tempo possui uso durante procissões, como as de Depósitos2 e do Encontro.3 No século XIX esta Irmandade dos Passos do Pilar foi extinta e a Irmandade do Santíssimo Sacramento assumiu estes cerimoniais.

Esse período litúrgico na atual Ouro Preto envolve a participação de duas paróquias, a de Nossa Senhora do Pilar e de Nossa Senhora da Conceição, de Antônio Dias, e a cada ano uma delas se responsabiliza pela organização dessa festividade religiosa. Conforme verificado em Campos (2005, p.6) “[...] tem-se notícia que, já em 1723, as duas paróquias se uniam, pelo menos em dias de procissão [...]”. Como consequência disso, além da escultura do Senhor dos Passos, há ainda duas esculturas de Nossa Senhora das Dores, também com funções similares, pertencentes a cada uma das paróquias, que são usadas alternadamente nos anos pares e ímpares (Figuras 3 e 4).

Em consulta ao Livro de Assento de Irmãos, Eleições e Inventários de Vila Rica 1737-1791, (CAMPOS, 2004, p.6) também informa que havia: no acervo permanente da Irmandade dos Passos de Vila Rica do arraial do Pilar, havia: “[...] imagens do Senhor dos Passos, do Senhor Morto e seu o esquife de jacarandá, o pálio de seda e dois andores com sanefas roxas franjadas de ouro para o Cristo e a Virgem, [...].” Ainda indica no mesmo documento que eram: “[...] cobertas com suas perucas, eram bastantes funcionais e poderiam ser montadas sobre corpos de roca para servir na criação dos passos, às tardes nos Domingos da Quaresma.” Através destes relatos se nota que as esculturas citadas foram adquiridas pela Irmandade em meados do século XVIII e tinham como característica serem de roca, provavelmente para facilitar o seu manuseio, deslocamento fazendo parte da concepção realista e persuasiva do barroco.

Em consulta ao Inventário de 1809 da Matriz de Nossa do Senhora do Pilar, (CAMPOS, 2004, p.6) também informa que: “[...] outra imagem das Dores com diadema e espadas de prata, que ficava no altar, atualmente a mais utilizada para procissões.” Isso levanta a hipótese de que no século XIX a Irmandade adquiriu uma nova escultura de Nossa Senhora das Dores que é a atual em uso, enquanto o Senhor dos Passos permaneceu como sendo o do século anterior. Sobre a outra Nossa Senhora das Dores de Antônio Dias há relatos de que seja do final do século XVIII.

Antes da construção das Capelas dos Passos, havia a prática de cenas efêmeras, tanto nos interiores e exteriores das matrizes como também nas ruas dos dois arraiais, do Pilar e de Antônio Dias. Em pesquisa ao Livro de Receita e Despesa da Irmandade dos Passos 1716-1736 do Pilar (CAMPOS, 2005) relata que: “No 1º terço do XVIII foram frequentes os lançamentos referentes ao pagamento de carpinteiro e pintor pelo trabalho de se fazer os passos efêmeros e pintar figuras sobre papel.” Esses serviços foram ficando muito onerosos à Irmandade, por isso posteriormente optou-se pela execução de edificações arquitetônicas, onde as imagens eram levadas nas procissões e paravam para as orações As Capelas foram reformadas ou reconstruídas ao longo dos três séculos, após sucessivos arruinamentos ou aliado às mudanças de crescimento urbano. Por outro lado as esculturas foram mais respeitadas e preservadas, devido ao seu caráter sagrado, sendo elas as referências mais antigas dessa manifestação.

O aprofundamento dos estudos sobre essas esculturas e as práticas sociais e religiosas realizadas pela extinta Irmandade dos Passos, do Arraial do Pilar de Vila Rica aguçam nossa curiosidade como pesquisadoras do Programa de Pós-graduação de Arquitetura na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com olhares que se complementam. A primeira pesquisa de mestrado é sobre os trajetos processionais da Semana Santa em Ouro Preto, na qual se procura compreender a apropriação do espaço urbano pelas manifestações dessa festividade religiosa. Por meio da proposta de uma abordagem antropológica, utilizando a fotografia como linguagem, almeja-se analisar a preservação e/ou transformação dos rituais, símbolos e o usos dos locais na cidade durante esse momento, em um recorte temporal de 1940 a 2020. A segunda pesquisa de doutorado é sobre as Capelas dos Passos da Paixão de Cristo no interior e litoral do Brasil, que busca compreender a existência dos Passos efêmeros até a construção das Capelas nas cidades coloniais como em Ouro Preto; entender a atuação da Irmandade dos Passos, além da análise de sua arquitetura, arte e cenografia religiosa. Esperamos futuramente contribuir mais para esse estudo e contamos também com a colaboração de outros pesquisadores através da divulgação desta publicação.


Tayami Fonseca França e

Vanessa Taveira de Souza

MG, 14 de Janeiro de 2022.


Notas:


1 “(...) a devoção aos Passos da Paixão cultuada em capelinhas próprias, disseminadas nos tecidos urbanos das povoações (...).” (OLIVEIRA, 2011, p.15)

2 “Os dois Depósitos constituem uma preparação para a posterior Procissão do Encontro. Neles, a Virgem na sexta-feira, o Cristo no sábado, anteriores ao Domingo de Ramos, são transladados para destinos diferentes, ocultados da visão pública, dentro do andor coberto por cortinado roxo ou azul escuro, conhecido vulgarmente por toga.” (CAMPOS, 2004, p. 07)

3 O Encontro consiste numa via-crúcis urbana com paradas seguidas de orações nas Capelas dos Passos da Paixão de Cristo, culminando no encontro das esculturas da Virgem e do Cristo, no Domingo de Ramos. (Grifo autoras)


Referências Recomendadas:


CAMPOS, Adalgisa Arantes. Piedade barroca, obras artísticas e armações efêmeras: as irmandades do Senhor dos Passos em Minas Gerais. In: Anais do VI Colóquio Luso-brasileiro de História da Arte. Rio de Janeiro: CBHA/PUC-Rio/UERJ/UFRJ, 2004.

ISBN 85-87145-12-6 vol. I.

CAMPOS, Adalgisa Arantes. Aspectos da Semana Santa através do estudo das Irmandades do Santíssimo Sacramento: cultura artística e solenidades (Minas Gerais séculos XVIII-XX).

In: Revista Barroco Nº 19, p.71-88, Belo Horizonte, 2005.

OLIVEIRA, Myriam Andrade de. Os Passos de Congonhas e suas restaurações. Brasília, DF: Iphan, 2011.

(Grande Obras e Intervenções; 5).

OLIVEIRA, Myriam Andrade de; CAMPOS, Adalgisa Arantes.

Barroco e Rococó nas igrejas de Ouro Preto e Mariana.

Brasília: DF: Iphan, 2010. (Programa Monumenta).

Data de recebimento: 06/01/2022

Data de aprovação: 06/01/2022